Arquivo do mês: dezembro 2015

STF não esclareceu o procedimento de formação da comissão especial do impeachment

Falando sobre o julgamento histórico de hoje no STF da Medida Cautelar (MC) na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 378, na qual se discute a validade de dispositivos da Lei 1.079/1950 que regulamentam o processo de impeachment de presidente da República, proposta pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), com o objetivo específico de definir o rito a ser adotado no processo de impeachment, para mim não ficou claro qual o procedimento de formação da comissão especial. A indicação é feita pelos líderes dos partidos ou blocos parlamentares, mas por que então se fala em votação aberta? Que votação aberta é essa?

O caput do art. 58 da Constituição Federal de 1988 fala em regimento interno como parâmetro normativo da formação da comissão especial do impeachment, espécie de comissão temporária. E o regimento interno da Câmara dos Deputados fala em indicação dos líderes dos partidos ou blocos parlamentares. Uma vez indicado pelos líderes, que votação aberta terá que ser realizada? Não faz sentido. Vai ser uma eleição homologatória da formação da comissão especial,  feita pelo plenário da Câmara dos Deputados? Pode nunca ser formada, caso o plenário não homologue os integrantes da comissão especial indicados pelos líderes dos partidos ou dos blocos parlamentares? Isso para mim ainda não está claro.

Li as notícias divulgadas no STF que trazem os resumos dos votos dos ministros e não está claro este ponto. Eu entendi do voto do ministro Luís Roberto Barroso que ele considera que a formação da comissão especial é feita por indicação dos líderes dos partidos ou blocos parlamentares. Depois, ele desanda a falar em eleição interna nos partidos para escolher os seus representantes, o que parece contrariar a ideia de que os líderes devem indicar os representantes dos seus partidos que integrarão a comissão especial.

Enfim, esse ponto do julgamento para mim ficou extremamente obscuro e eu prefiro ler o acórdão para dirimir essa dúvida. A dúvida é: qual o procedimento de formação da comissão especial do impeachment? Se é por indicação dos líderes, como preconiza o regimento interno da Câmara dos Deputados, por que se fala em eleição aberta? Que eleição aberta é essa?

No meu entendimento, Barroso defendeu eleição apenas no âmbito interno de cada bancada partidária, mas isso me parece contrariar o regimento interno quando este fala em indicação dos líderes. Indicar não é o mesmo que eleger, apesar do ministro Barroso interpretar a palavra “eleição” como “escolha”. Mas mesmo assim ele disse que existiria uma eleição entre os membros de cada partido. Esse ponto está ainda obscuro e aparentemente contraditório. Cabem embargos de declaração, assim me parece, para esclarecer este ponto e afastar eventual contradição.

No link a seguir, que traz o resumo dos votos dos ministros, o único resumo que não aparece é justamente do voto divergente do ministro Barroso, redator para o acórdão: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp…

Não está ainda claro e publicizado qual o procedimento a ser adotado para a formação da comissão especial do impeachment. Só saberemos mesmo amanhã. Nós sabemos o que não é válido (voto secreto, candidaturas avulsas etc). Mas qual será exatamente o procedimento, só quando o ministro Barroso apresentar o seu voto.

Em outro link, a contradição que eu identifico no voto do ministro Luís Roberto Barroso aparece mais claramente. O link é este abaixo, que se reporta especificamente ao resumo do voto do ministro Luís Roberto Barroso: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp…

Vejam a contradição no voto do ministro Luís Roberto Barroso:

Voto aberto

No entendimento do ministro, a eleição da votação da comissão especial da Câmara dos Deputados deve ser feita por voto aberto. Segundo ele, embora os casos de votação secreta elencados na Constituição seja absolutamente fechado, é possível que em um documento infraconstitucional preveja voto secreto. Entretanto, observou, a Lei 1.079/1950, que regulamenta o processo de impeachment, não prevê voto secreto para formar a comissão. Destacou ainda que o regimento interno da Câmara, ao tratar da composição de comissões, sejam elas temporárias ou permanentes, em nenhum momento menciona votação secreta.

“O voto secreto foi instituído por uma deliberação unipessoal e discricionária do presidente da Câmara. Portanto, sem autorização constitucional, sem autorização legal, sem autorização regimental. A vida em democracia não funciona assim”, assinalou.

O ministro Barroso ressaltou que, além da impossibilidade dogmática de se criar um procedimento sem previsão legal ou constitucional, em um processo como o de impeachment, com grande impacto sobre a legitimidade democrática, pois pode representar a destituição constitucional de um presidente da República, deve prestar a máxima reverência aos princípios republicano, democrático, representativo e da transparência.

“Eu acho que o cidadão brasileiro tem o direito de saber a postura de cada um de seus representantes. Esse não é um procedimento interno, é um procedimento que tem que ser transparente para a sociedade brasileira”, disse.”

Depois, quando fala das candidaturas avulsas, ele afirma a indicação dos membros da comissão especial a ser feita pelos líderes dos partidos ou dos blocos parlamentares:

Candidaturas avulsas

No entendimento do ministro, as candidaturas avulsas para a composição da comissão especial que analisará a admissibilidade do impeachment são ilegítimas. Segundo ele, a Lei 1.079/1950 estabelece participação proporcional dos partidos na comissão, dessa forma, a escolha dos membros deve ser realizada pelos respectivos líderes, e não pelo plenário da Câmara.

Observou ainda que a Constituição delega a cada uma das casas legislativas a forma de composição das comissões, mantida a proporcionalidade. Entretanto, o regimento interno da Câmara dos Deputados estabelece que os integrantes da comissão devem ser indicados pelos líderes de partidos.”

Como conciliar estes dois entendimentos? Os líderes indicarão os membros da comissão especial do impeachment e depois haverá uma votação homologatória? Ou antes da indicação dos líderes, existirá uma eleição interna na bancada para a escolha dos membros da comissão especial?

Não ficou claro, definitivamente.

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Senado Federal pode impedir Dilma de ser afastada do cargo

O processo de impeachment é claríssimo: à Câmara dos Deputados compete editar o que a lei chama de “decreto de acusação”, que surge quando o parecer da comissão especial, que eventualmente acate os fundamentos da petição do impeachment protocolado por qualquer do povo, é aprovado pelo plenário, em votação nominal, onde cada deputado é chamado pelo nome para votar abertamente (nada de voto secreto, já que a democracia exige que se dê a cara à tapa).

Nessa linha, o decreto de acusação é o que é: uma acusação formal proferida pela Câmara dos Deputados contra o primeiro mandatário da nação. O efeito imediato disso é o afastamento do presidente da república do cargo em até 180 dias, DESDE QUE O SENADO, que é o órgão que julga em definitivo o mérito do pedido de impeachment, RECEBA O DECRETO DE ACUSAÇÃO E DÊ CONTINUIDADE AO PROCESSO.

Aliás, a própria Constituição Federal diz que a suspensão do presidente da república só se dá a partir da instauração do processo no Senado Federal, art. 86, § 1º, inciso II, o que significa que a Lei nº 1.079/1950 não vigora mais quando diz, no § 5º do art. 23, que o mero decreto de acusação editado pela Câmara dos Deputados tem o efeito de automaticamente suspender do exercício das funções do cargo o presidente da república. Esse dispositivo da lei do impeachment não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e foi revogado em razão da redação do inciso II do § 1º do art. 86 (não há inconstitucionalidade, neste caso, pois a lei é anterior ao novo texto constitucional, existindo apenas uma mera revogação, segundo entendimento do STF em relação ao que acontece com leis anteriores à nova Constituição Federal e que com ela sejam incompatíveis). A suspensão da presidenta da república do exercício das funções do cargo somente acontecerá caso o Senado Federal efetivamente receba a denúncia, devendo ser interpretado o art. 24 da Lei nº 1.079/1950 à luz do inciso II do § 1º do art. 86 da Constituição Federal.

Isso é assim porque se aplica subsidiariamente ao processo de impeachment as regras do Código de Processo Penal. Como a Câmara dos Deputados funciona como órgão de acusação (equivalente ao Ministério Público no processo penal), o decreto que ela edita é formalmente a denúncia contra o presidente. E o juiz, no caso, o Senado Federal, a exemplo do juiz de direito que atua em processos penais, pode INDEFERIR a denúncia, não acatá-la, conforme previsto nos arts. 395 e 396 do Código de Processo Penal, repita-se, de aplicação subsidiária ao processo de impeachment por expressa previsão legal, art. 38 da Lei nº 1.079/1950.

Portanto, o fato, isto é, o afastamento da presidenta da república após a edição do decreto de acusação por parte da Câmara dos Deputados, não é nem pode ser considerado consumado, pois sujeito ao endosso do órgão julgador, que é o Senado Federal. Quando o art. 24 da Lei nº 1.079/1950 fala em “recebida a denúncia”, não significa que isso tem que acontecer, em todo e qualquer caso. Ao Senado Federal é dado sim o direito, enquanto órgão julgador, de INDEFERIR LIMINARMENTE O DECRETO DE ACUSAÇÃO, sob pena de dizer que o órgão julgador não pode, ao se deparar com um decreto de acusação completamente inepto e sem justa causa para instaurar o processo, deixar de dar início a um processo de impeachment que não deveria existir desde o primeiro momento.

O Senado Federal não está obrigado a receber o decreto de acusação se entender que a denúncia não deve ser acatada pela falta dos requisitos legais. O golpe pode e deve ser afastado a qualquer momento pelo Senado Federal.

O argumento que alguns andam defendendo, qual seja, de que existiria um fato consumado do afastamento da presidenta da república a partir da edição do decreto de acusação por parte da Câmara dos Deputados, é inclusive ruim pela evidente contradição que lhe é inerente: se fosse verdade que estaríamos diante de um fato consumado, em virtude da desmobilização do governo acusado e da formação de um novo governo, sequer teríamos que levar em consideração a decisão do Senado Federal que apreciasse o mérito do pedido, pois, em havendo absolvição, todo o novo governo teria que ser igualmente desmobilizado. A questão é que não temos que aceitar que uma acusação inepta ou sem justa causa para instaurar o processo de impeachment gere tantos prejuízos se ela pode ser indeferida de plano. Se pode desfazer a acusação ao final, no prazo de 180 dias, é óbvio que se pode fazer isso desde o momento em que o decreto de acusação chegue ao Senado Federal.

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O masterplan de Eduardo Cunha para o golpe

Com a queda do líder do PMDB na Câmara dos Deputados, Leonardo Picciani, que muito provavelmente será afastado hoje pelos seus pares de partido, tudo indica que a engrenagem do golpe roda a todo o vapor. A destituição dos líderes é um procedimento interno das bancadas. Se os deputados estão insatisfeitos com a liderança, podem destituí-la. Foi ou é o que está prestes a acontecer. Pelo menos neste ponto, não foi um ato direto de Cunha, mas eu não tenho a menor dúvida que também surgiu da cabeça de Cunha, que está arquitetando, praticamente sozinho, todo o golpe.

E se tudo acontecer como ele planeja, ele salva o mandato dele e leva os tucanos a assumirem o poder, via eleição após a queda de Dilma e de Temer, o fantoche idiota, pois se a presidenta da república Dilma Rousseff cair, o vice-presidente Michel Temer também cai. Cunha assume a presidência e convoca eleições (art. 81 da CF). Lula poderia se candidatar, mas tudo indica que será preso antes disso no plano da lava jato. É o masterplan do golpe. E seu idealizador é ninguém menos que Eduardo Cunha, sempre ele, dessa vez em associação com o PSDB. O PMDB é linha auxiliar e vai fazer o que sempre fez: dar sustentação ao governo de plantão, mantendo-se no poder como se mantém desde pelo menos 1985.

Está acontecendo tudo o que eu disse que ia acontecer. Parece que na Câmara, a batalha é perdida. A salvação pode ser o Senado de Renan Calheiros, aquele que os petistas nunca souberam respeitar, mas vai honrar a aliança. Renan vai. Conheço. Janot monitora. Vai ser a salvação da Dilma. O retardo das investigações na Lava Jato contra Renan faz parte desse cenário. Renan pode ser o mais forte aliado de Dilma com condições de salvá-la do impeachment. Ela será afastada mas não perderá o mandato, se Renan conseguir arregimentar forças para defender o mandato. O impeachment é um jogo de dois tempos.

Cunha articula com os tucanos assumir o poder. Temer é um inepto, um mero peão sacrificável no tabuleiro, uma nulidade. Cai com Dilma, caso a queda dela se confirme. Depois Cunha convoca eleições estando na presidência. Lula poderia se candidatar, mas tudo indica que será preso antes disso. E aí os tucanos vencem a eleição de última hora. Cunha se salva porque esse é o acerto desde o início. O masterplan do golpe. Ou seja, esse é o cenário e eu venho alertando há muito tempo. A aliança é Cunha e o PSDB. O PMDB é linha auxiliar. Temer é carta fora do baralho.

PS: O chicago boy Joaquim Levy é um dos maiores infiltrados do golpe. Impediu a recuperação da economia e, com suas medidas que prejudicaram severamente direitos dos trabalhadores, alimentou a impopularidade de Dilma. Outro safado. O plano está em pleno andamento e, diante das variáveis, eu vejo a situação assim atualmente. É preciso inserir novos fatores, senão o golpe é inevitável.

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Formação da comissão especial do impeachment não tem amparo no regimento interno da Câmara dos Deputados

É importante perceber e notar como Eduardo Cunha age e pensa, onde este caso da eleição da comissão especial do impeachment mais uma vez ilustra isso. Cunha se movimenta nas sombras dos dispositivos legais, sempre manipulando o texto legal. É uma tática positivista imediata essa, a interpretação rasa e literal da lei, de forma manipulada, ocasionando ilegalidade. Cunha é um caso sui generis que mostra o quanto as normas podem ser manipuladas para atender a interesses escusos. Ele coloca todo mundo em polvorosa. Tudo o que ele faz é da caso pensado e calculado. Cada vez mais eu fico perplexo como funciona o cérebro desse sujeito.

Veja o que diz a Lei nº 1.079/1950, em seu art. 19:

Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma.

Diante desse texto, surge logo a primeira dúvida: quem receberá a denúncia? Veja que a lei não especifica que é o presidente da Câmara, mas aí o regimento interno do órgão diz, em seu art. 218, § 2º, que é o presidente.

Depois vem o trecho que diz que a denúncia será lida e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de TODOS os partidos para opinar sobre a denúncia (dizer se tem fundamento ou se não é capaz de sustentar uma acusação de prática de crime de responsabilidade por parte do presidente da república).

E é exatamente neste ponto que entra a artimanha de Eduardo Cunha, a movimentação nas sombras da lei, dando uma aparente feição de legalidade aos atos que ele pratica.

Ao invés de receber a lista dos deputados indicados pelos respectivos líderes dos partidos políticos, obedecida a proporcionalidade, que é a forma prevista para a formação das comissões permanentes e temporárias da Câmara dos Deputados, de acordo com o arts. 10, inciso VI, e 33, inciso I e § 1º, do regimento interno da Câmara dos Deputados, e assim “eleger” a comissão especial do impeachment,  Cunha criou uma esdrúxula possibilidade de concorrência entre chapas avulsas, onde a proporcionalidade é obedecida, mas não configura aquela indicada pelos líderes dos partidos na Câmara.

Na verdade, o presidente tão-somente designa os indicados pelos líderes dos partidos com representação na Câmara dos Deputados para compor a comissão especial do impeachment, que é um tipo de comissão temporária, sendo dos líderes o ato que poderia ser classificado como “eleição”, até mesmo porque a Constituição Federal, em seu art. 58, diz  no caput que “O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação”. A rigor, não há eleição de qualquer espécie, pois a formação das comissões temporárias e permanentes deve obedecer, de acordo com o caput do art. 58 da Constituição Federal, o disposto no regimento interno de cada uma das Casas Legislativas, quais sejam, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados. E o regimento interno da Câmara dos Deputados prevê que a formação da comissão especial se dará por escolha dos líderes dos partidos, como dito anteriormente.

No entanto, de acordo com a interpretação feita por Eduardo Cunha, cada subgrupo dos partidos teria autonomia para formar as chapas que irão concorrer na eleição. Foi aí que surgiram duas chapas: uma, com 39 nomes e outra, com 47 nomes. Ou seja, essa chapa é “eleita”, como diz a lei, para formar a comissão especial do impeachment, aparentemente de acordo com o que diz o art. 19 da Lei nº 1.079/1950.

Mas a pergunta é: isso é certo? Claro que não! A comissão deve ser formada de acordo com a indicação dos líderes dos partidos, sob pena de violação do princípio democrático e do que dispõe o caput do art. 58 da Constituição Federal, que diz que as comissões serão formadas de acordo com as disposições regimentais. Veja que os 39 primeiros deputados eleitos para compor a comissão especial, em que pese pertencerem a diversos partidos, são majoritariamente formados por deputados favoráveis ao impeachment.

E de onde surge o vício que proporciona que isso aconteça? Não tenha dúvidas: surge da cabeça de Cunha, que escolhe o procedimento, baseado no espaço interpretativo concedido pelas palavras “eleita” e “proporção” inseridas no art. 19 da Lei nº 1.079/1950.

Eu entendo que a regra da chapa avulsa, construída por subgrupos partidários, é uma burla à lei e à Constituição Federal. Penso que a finalidade do dispositivo constitucional NÃO é essa. O procedimento de escolha da comissão especial previsto na Constituição Federal e especificado no regimento interno da Câmara dos Deputados, descartando a superada e revogada redação do art. 19 da Lei nº 1.079/1950 quanto ao ponto da formação da comissão especial, é muito mais simples e consiste basicamente em que a comissão especial reproduza, a exemplo de uma amostra estatística, de forma proporcional, a representação partidária dos deputados federais existentes na Câmara. Nada de concorrência de chapas entre si. Isso é fraudar a lei e a Constituição Federal e permitir o que aconteceu: uma chapa de 39 deputados, majoritariamente favoráveis ao impeachment, a.k.a. golpe.

Se a comissão deve ter 65 integrantes, esses devem ser colhidos de forma proporcional junto às bancadas partidárias. Cunha viu na palavra “eleição” espaço para o que foi feito. Como a oposição está com mais votos, elege-se uma comissão majoritariamente favorável ao golpe, apesar de respeitada a proporcionalidade prevista em lei. Claro, escolheu-se uma chapa somente entre os favoráveis ao golpe, ora.

Isso é burlar o equilíbrio e a imparcialidade que brota do texto legal. A lei fala em proporcionalidade, mas não uma proporcionalidade previamente dirigida em termos de opinião política quanto ao pedido de impeachment, que é o que foi feito. Quem deveria indicar os representantes de cada partido eram os líderes das bancadas. Essa é a única “eleição” cabível e não outra, muito menos uma concorrência entre chapas avulsas, como foi feito.

Como se viu, a Constituição Federal de 1988 não estabeleceu a regra a ser aplicada para a formação das comissões permanentes e temporárias. A Carta Política brasileira apenas disse que as regras seriam as indicadas no respectivos regimentos internos de cada Casa Legislativa. E o regimento interno da Câmara dos Deputados diz que a formação das comissões temporárias e permanentes segue as indicações dos líderes dos partidos políticos.

Entendo que esse deveria ser o procedimento de formação da comissão especial de impeachment, inclusive com base no art. 10, inciso VI¹, e 33, inciso I e § 1º², do regimento interno da Câmara dos Deputados. A aplicação do art. 33, inciso I e § 1º, se dá ainda que por analogia. Essa eleição para escolher entre chapas avulsas não tem qualquer amparo normativo no regimento interno da Câmara dos Deputados.

1 – Art. 10. O Líder, além de outras atribuições regimentais, tem as seguintes prerrogativas:

(…)

VI – indicar à Mesa os membros da bancada para compor as Comissões, e, a qualquer tempo, substituí-los.

2 – Art. 33. As Comissões Temporárias são:
I – Especiais;
(…)

§ 1º As Comissões Temporárias compor-se-ão do número de membros que for previsto no ato ou requerimento de sua constituição, designados pelo Presidente por indicação dos Líderes, ou independentemente desta se, no prazo de quarenta e oito horas após criar-se a Comissão, não se fizer a escolha.

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Carta de Temer é confissão de golpista

Quando o vice-presidente da república, Michel Temer, não aparece em nenhum momento na imprensa condenando ou contestando veementemente o pedido de impeachment e, ao contrário, faz questão de divulgar para a imprensa uma carta dirigida à presidenta da república, Dilma Rousseff, em que ele se faz de vítima, citando inúmeros fatos em que supostamente foi tratado como figura decorativa, logo percebemos que se trata de um golpista desavergonhado, uma pessoa que participa ativamente da conspiração tramada por Eduardo Cunha e os tucanos, como Aécio Neves, José Serra e outros, para derrubar a presidenta da república.

Na carta, Michel Temer, o conspirador, reclamou de ser vice-presidente. Veja bem, o vice-presidente reclamou de ser vice-presidente. Chegou ao cúmulo de reclamar por não ser supostamente consultado a respeito das medidas econômicas adotadas pelo governo Dilma, entrando em contradição quando disse que foi um dos principais articuladores para a aprovação do ajuste fiscal enviado pelo governo ao Congresso Nacional. Não passa de um golpista imoral. Nos EUA, estaria preso e algemado como conspirador. Até hoje não se pronunciou veementemente contra o impeachment, como deveria em respeito à democracia e à instituição da presidência da república. Temer é o autêntico capitão do golpe, como corretamente cravou Ciro Gomes. Entrará para a história como um traidor desprezível.

Mas o golpe será barrado pelos que ainda têm algum respeito pela democracia neste país. O pedido de impeachment não tem qualquer consistência e foi veiculado de má-fé. Querem simplesmente afastar do poder a presidenta da república eleita pelo povo baseados numa aplicação incorreta do que realmente caracteriza crime de responsabilidade. Não há nada que pese contra Dilma Rousseff. Não há dolo em nenhuma das acusações. Tampouco editar decretos para abrir créditos suplementares, por si só, é incompatível com as metas fiscais. Nem na época poderia ser sustentado o contrário e muito menos hoje, depois que as metais fiscais do ano de 2015 foram revisadas pela Câmara dos Deputados por meio de alteração da lei orçamentária anual. O simples fato de abrir crédito suplementar não é incompatível com as metas fiscais, como alega a petição de impeachment, ainda mais quando os decretos se basearam em aumento da arrecadação e superávit financeiro registrados à época da edição dos decretos.

O que existe no pedido de impeachment é uma tentativa canhestra de assumir o poder passando por cima da vontade popular. Ou seja, o que existe é pura e simplesmente um golpe de quem perdeu quatro eleições consecutivas e conspira com Michel Temer e Eduardo Cunha a subida ao poder de forma ilegítima e sem o endosso do voto. Temer, Cunha e a oposição demotucana são os manjados golpistas brasileiros em ação.

O pior de tudo isso é que Temer é um desmoralizado completo. Não consegue nem ser golpista da maneira certa, já que a grande imprensa, mais especificamente o Estadão, já divulgou matéria que mostra que ele também autorizou o que o pedido de impeachment considera violação da lei orçamentária, precisamente a assinatura de decretos não numerados que abriam créditos suplementares que os golpistas consideram que são incompatíveis com as metas fiscais. Ou seja, Temer não consegue nem ser golpista com alguma competência. Duas vezes completamente desmoralizado: a primeira, quando aderiu ao movimento golpista como o seu capitão, traindo Dilma e a vontade popular que a elegeu, e a segunda, quando não soube sequer avaliar que o golpe o atinge também. Se Temer “ganhar”, ele perde. Um fiasco sem precedentes que o colocará vergonhosamente na lata do lixo da história.

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A ignorância e a alienação política fortalecem os golpistas

Vejo algumas pessoas dizerem que Dilma deve cair porque o governo é ruim. Como se deveria saber, opinião da oposição ou meramente subjetiva sobre o governo, muitas vezes exclusivamente formada pelo que se lê em revistas e jornais que fazem oposição ao governo, não é suficiente para tirar Dilma da presidência. Percebo que existe muita ignorância e também alienação política na forma como as pessoas formam as suas opiniões, o que prejudica severamente o exercício da cidadania de uma forma racional e saudável. Tudo isso hoje é definitivamente um fator propulsor do golpe que se tenta aplicar contra o Governo Dilma.

Muitas das pessoas que acham o governo Dilma ruim, objetivamente não sabem dizer por que ele ruim. Eu diria que pelo menos 80% não sabem dizer, com clareza e de forma fundamentada, explicando de forma inteligível, por que acha ruim. A maior parte das explicações tenderá a meras opiniões subjetivas. Isso vale tanto para a esquerda quanto para a direita. Algo como “é um governo assistencialista” ou “faz menos reforma agrária do que deveria” ou ainda “onera demais o setor privado com uma alta carga tributária”, sem que tais pessoas demonstrem objetivamente por que outras políticas, se dependessem exclusivamente do governo para serem implementadas, o que nem sempre é o caso, seriam melhores para o país, e, assim, fariam com que o governo fosse efetivamente melhor. Nem sempre as críticas serão corretamente endereçadas ao governo Dilma, já que ele não responde por tudo sozinho. Existem os governos estaduais e municipais, além de existir o Poder Legislativo, que muita vezes impede que uma política pública, que depende da aprovação de uma nova lei para ser implementada, efetivamente o seja.

Muitas vezes o cidadão é mal remunerado pelo patrão, que inclusive não paga os direitos trabalhistas previstos na legislação, e quer culpar o governo por passar dificuldades financeiras, não conseguir pagar as contas etc. A culpa de você ser explorado é do seu patrão e não da Dilma. Cabe a você lutar pelos seus direitos, acionar o sindicato. Se não resolver, procure a justiça do trabalho,que não existe apenas quando a relação de emprego foi encerrada com a rescisão do contrato. Se você faz horas extras e o patrão não paga, por exemplo, você pode cobrar na justiça, com o contrato vigorando. Se você fizer isso e for dispensado sem justa causa, a culpa, de novo e mais uma vez, não é da Dilma. É porque o seu patrão é um desonesto e acha que você, trabalhador, não tem que ganhar todos os direitos previstos em lei.

Mesma coisa no serviço público estadual e municipal. O servidor público municipal e/ou estadual também é mal remunerado pelo governo local e quer culpar Dilma por isso. Sem falar aqueles casos em que o governo local (prefeitura ou governo estadual) não faz o que dele se espera e o cidadão culpa Dilma por isso. Qual a culpa que Dilma tem, por exemplo, se a rua do bairro onde você mora não tem o saneamento básico que deveria? Qual a culpa se os postos de saúde do município não têm os médicos que deveriam ter ou não têm os medicamentos que deveriam ter? Muitas vezes isso é culpa do gestor público municipal. Não é do Governo Federal. Se você vai a uma delegacia prestar queixa e é mal atendido, se a polícia não faz o trabalho de segurança e de combate ao crime que deveria fazer, nada disso é culpa da Dilma. Sem falar as escolas públicas estaduais e municipais. Se o ensino é ruim, de baixa qualidade, a culpa é da Dilma? Não, não é. Você pode aplicar esse raciocínio para várias áreas, transporte, moradia, assistência social (que não é só a União Federal quem presta) etc.

Isso porque eu não falei dos consumidores que sequer se dão ao trabalho de exigir a nota fiscal, ajudando os empresários sonegadores, muitos deles que hoje estão pedindo o impeachment de Dilma na maior cara de pau do mundo. Tem empresário que não paga nem os impostos que embute no preço dos produtos e serviços que comercializa e se acha no direito de apontar o dedo para os outros. Cínicos e hipócritas. Vão primeiro pagar corretamente os direitos da CLT, sem fraudes, e recolher os tributos devidos, que vocês poderão, quem sabe, reclamar de alguma coisa. Antes disso, é pura hipocrisia e desonestidade. Vocês são umas das muitas causas da crise que atinge alguns setores e não podem querer que Dilma assuma toda a responsabilidade sozinha.

Acredito que os critérios para avaliar a qualidade de um governo devem ser revistos. É preferível que se analise o quanto se fez em relação ao quanto se poderia fazer, sempre demonstrando a validade do que foi feito para a melhoria de vida de uma forma geral. Uma determinada política pública deve ser analisada dentro de um contexto maior e de forma comparativa com o que outros governos fizeram naquela pasta. Vejo muitas análises simplistas.

A questão do PIB é um bom exemplo disso. Muito se critica no governo Dilma porque ele não foi capaz de imprimir ao PIB um crescimento mais forte e sustentável. Analisar por que as coisas foram assim e se houve realmente incompetência do governo, poucos dentre os que defendem a derrubada de Dilma serão capazes de fazer ou sustentar.

Os que dizem que o principal motivo é a corrupção são hipócritas e incoerentes, pois em qualquer governo existe caso de corrupção, crime que sempre existiu no Brasil (para se ter uma ideia, eu tenho um livro antigo de direito penal que traz uma apuração de um caso ocorrido no século XIX de corrupção na construção de uma estrada de ferro).

Se o governo Dilma é ruim por causa disso e deve cair, todos os outros são ruins, em maior ou menor grau, e também devem cair. Claro que usar os casos de corrupção é uma bobagem, porque o que importa é se Dilma cometeu pessoalmente ou não algum ato que possa ser considerado corrupção. Cometeu? Não, então não há que se falar nisso para pedir que ela saia do poder. Aliás, sequer a acusação do impeachment que foi acatada por Eduardo Cunha trata disso.

Em suma, muitos dos que apoiam o movimento golpista contra o Governo Dilma, travestido de impeachment, na verdade padecem de ignorância e alienação política, desconhecem os seus direitos mais básicos enquanto cidadãos, desconhecem a divisão de competências existente na Constituição Federal e quem são os agentes públicos e privados que devem responder pelo descumprimento dos mais diversos direitos previstos em lei. Por essa razão, tendem a engrossar o coro daqueles que os manipulam via grande imprensa e que pretendem assumir o poder em Brasília passando por cima do resultado da última eleição presidencial.

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Fundamento do impeachment acatado por Cunha é inconsistente

Como se viu, Eduardo Cunha acolheu parcialmente o pedido de impeachment feito por Hélio Pereira Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaína Conceição Paschoal. Basicamente, o problema estaria em seis decretos presidenciais não numerados, editados entre as datas de 27/07/2015 e 20/08/2015. De acordo com Cunha, esse seria o ponto em que, de fato, restou demonstrada na petição a violação da lei orçamentária, fato suficiente para caracterizar o crime de responsabilidade necessário para se votar pelo impeachment, nos termos do art. 10 da Lei 1.079/50, especificamente os itens 4 e 6.

Pedir impeachment sem prova de crime de responsabilidade, como estão fazendo, é golpe, não há a menor dúvida. A petição não é consistente juridicamente, inclusive na parte que foi acatada por Eduardo Cunha. Pura forçação de barra. Eu li.

A tese não tem sustentação, até mesmo porque, como bem lembrou o penalista Luiz Flávio Gomes em recente artigo, a discussão sobre as tais “pedaladas fiscais” restou prejudicada com a aprovação do PLN nº 5/2015, que redundou na Lei nº 13.199/2015, de 03 de dezembro de 2015, lei que alterou o art. 2º da Lei nº 13.080/2015, que dispõe sobre as diretrizes  para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2015 e dá outras providências, e, assim, aumentou a margem das metas fiscais primárias para o ano de 2015, a qual agora não mais trabalha com a meta de superávit primário, mas sim com um resultado primário deficitário, para o setor público consolidado não financeiro, de R$ 48.908.400.000,00 (quarenta e oito bilhões, novecentos e oito milhões e quatrocentos mil reais), sendo déficit primário de R$ 51.824.400.000,00 (cinquenta e um bilhões, oitocentos e vinte e quatro milhões e quatrocentos mil reais) para os Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social e de R$ 0,00 (zero real) para o Programa de Dispêndios Globais, conforme demonstrado no Anexo de Metas Fiscais constante do Anexo IV, tudo de acordo com os valores indicados no art. 2º da Lei nº 13.080/2015.

Ou seja, se inicialmente a meta fiscal para o ano de 2015 era de superávit primário, a meta agora é de déficit primário que não ultrapasse os valores especificados no art. 2º da Lei nº 13.080/2015, com a redação dada pela Lei nº 13.199/2015.

Não fosse suficiente esse argumento, que faz cair por terra a alegação de que Dilma editou decretos não numerados que pedem abertura de créditos suplementares de forma incompatível com a meta fiscal, pois a nova regra teria o condão de retroagir e alterar a meta fiscal inicialmente estipulada para o final do exercício, o fato é que eu li atentamente a parte do pedido que foi acatada por Cunha, que é a parte dos decretos presidenciais não numerados, editados em julho e agosto de 2015, e não considerei os argumentos consistentes ou procedentes

Eu percebi uma falácia no argumento: Ele diz que, como Dilma havia enviado ao parlamento o PLN nº 5 em 22 de julho de 2015, onde se reconhecia a impossibilidade de se cumprir as metas fiscais primárias estabelecidas na lei orçamentária anual de 2015, especificamente no art. 2º da Lei nº 13.080/2015, os decretos não numerados editados após essa data caracterizam violação de dispositivos da lei orçamentária, pois uma das regras diz que não se pode abrir créditos suplementares se as alterações promovidas na programação orçamentária forem incompatíveis com a obtenção da meta de resultado primário estabelecida para o exercício de 2015 fixadas na Lei Orçamentaria Anual.

Vejam o trecho da petição onde isso é fundamentado (grifos e negrito como no original, salvo quando indicados pelas notas de minha autoria, inseridas entre colchetes):

Não bastasse o ocorrido no ano de 2014, a mesma conduta da denunciada foi praticada no ano de 2015.

Assim é que a denunciada, no ano de 2015, assinou os seguintes decretos sem número:

Tabela dos decretos

Referidos decretos, cuja publicação no Diário Oficial da União encontra-se comprovada pelos documentos anexos, importam dotação orçamentária concernente a suposto Superávit financeiro e excesso de arrecadação, na ordem de R$ 2,5 bilhões (R$ 95,9 bilhões menos R$ 93,4 bilhões).

Todavia, esses superávit e excesso de arrecadação são artificiais, pois, conforme se pode verificar a partir do PLN nº 5/2015, encaminhado ao Congresso Nacional em 22 de julho de 2015, o Poder Executivo já reconhecera que as metas estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias, Lei nº 13.080/2015, não seriam cumpridas. [Nota minha: grifos e negrito por minha conta]

Ora, o art. 4º da Lei 13.115/2015, Lei Orçamentária anual de 2015, é expresso em prever que a abertura de créditos suplementares seja compatível com a obtenção da meta de resultado primário, tal como previsto na LOA/2014. [Negrito por minha conta]

Data venia, o PLN 5/2015 é límpido em dizer que a meta fixada não está sendo atendida, pois seu objeto é, exatamente, reduzir as metas estabelecidas na LDO e LOA. [Negrito por minha conta]

A confissão deste crime encontra-se na Mensagem ao Congresso deste PLN 05/2015, que diz:

Excelentíssima Senhora Presidenta da República,

1. Encaminhamos para apreciação de Vossa Excelência, proposta de Projeto de Lei alterando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2015, particularmente em relação às metas fiscais.

2. A previsão de crescimento da economia brasileira para o ano de 2015 foi revisada para baixo nos meses seguintes à publicação da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2015.

3. A redução do ritmo de crescimento da economia brasileira afetou as receitas orçamentárias, tornando necessário garantir espaço fiscal adicional para a realização das despesas obrigatórias e preservar investimentos prioritários. De outra parte, não obstante o contingenciamento de despesas já realizado, houve significativo crescimento das despesas obrigatórias projetadas.

4. Desse modo, considerando os efeitos de frustação de receitas e elevação de despesas obrigatórias, o esforço fiscal já empreendido não será suficiente, no momento, para a realização da meta de superávit primário para o setor público não financeiro consolidado estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentária.

5. Nesse sentido, propomos a revisão da meta fiscal originalmente definida, associada à adoção de medidas de natureza tributária e de novo contingenciamento de despesas que, uma vez
implementadas, propiciarão os meios necessários à continuidade do ajuste fiscal em curso.

6. A esse respeito, merece destaque a ampliação dos esforços dirigidos ao combate à evasão e à sonegação de tributos, bem como a adoção de medidas que privilegiem a recuperação de créditos nas instâncias administrativa e judicial e de outras voltadas ao incremento das receitas tributárias, contribuições e demais receitas. De outra parte, há limitado espaço para medidas de limitação de empenho e de movimentação financeira, sem que se ocasione acentuado prejuízo à continuidade de inúmeras ações essenciais em curso, cujo sobrestamento, em uma análise de custo-benefício, implicaria maiores consequências para a sociedade.

7.Por certo, a meta de resultado primário encerra conteúdo de disciplina fiscal do Estado Brasileiro, consentâneo com os ditames da LRF. Entretanto, ela não deve ser vista como um fim em si mesmo, admitindo-se que, uma vez esgotados os mecanismos de ampliação da receita e os meios de limitação de despesas, se proponha, justificadamente, a sua alteração, tendo por base o pressuposto da transparência que deve orientar a gestão fiscal.

8. Nesse sentido, a sugestão encaminhada consiste em propor como meta um resultado primário do setor público consolidado equivalente a R$ 8,7 bilhões, sendo R$ 5,8 bilhões a cargo dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade. Ainda assim, diante do cenário de incerteza quanto à efetividade da arrecadação decorrente das referidas medidas tributárias e concessões e permissões, a proposta define que será reduzido o resultado proposto, caso os efeitos de arrecadação das referidas medidas, incluindo algumas em tramitação no Congresso Nacional, se frustrem.

9. Diante do exposto, submetemos à consideração de Vossa Excelência a anexa proposta de Projeto de Lei que altera o art. 2º da Lei nº13.080, de 2 de janeiro de 2015, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2015 e dá outras propostas.

Os decretos acima transcritos foram editados e publicados após a data de propositura do PLN 5/2015 no Congresso Nacional, o que revela o dolo da denunciada!

Idênticas as condutas nos anos de 2014 e 2015!

As condutas acima descritas constituem inegável crime de responsabilidade, nos termos do art. 10 da Lei 1.079/50, especificamente nos seguintes itens:

“Art. 10. São crimes de Responsabilidade contra a lei orçamentária:
4) Infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária;

6) Ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal”.

Ora, a denunciada, por meio dos decretos acima mencionados, autorizou, nos anos de 2014 e 2015, a abertura de crédito com inobservância à LOA e à Constituição Federal, justamente por permitir a abertura de recursos suplementares quando já se sabia da inexequibilidade das metas de superávit estabelecidas por lei, como demonstrado acima.

(…)”

Ou seja, Dilma, quando editou os decretos não numerados, o que aconteceu após enviar ao congresso o PLN nº 5/2015, teria cometido crime de responsabilidade por violação da lei orçamentária. De forma simplificada, teria anunciado a realização de gastos por meio do uso de créditos suplementares que foram abertos mesmo sabendo que a meta fiscal não seria atingida, quando ela deveria supostamente evitar realizar esses gastos, mesmo que a petição do impeachment não especifique exatamente em que área foram utilizados os créditos suplementares, o que pode indicar que eles omitiram porque pode se tratar de despesas obrigatórias e, mais ainda, não contabilizadas como sendo do setor público consolidado não financeiro. E um dos fundamentos para se pedir a revisão da meta fiscal do ano de 2015 foi justamente o aumento das despesas obrigatórias. Se os créditos suplementares foram usados para custear despesas obrigatórias, não sei onde estaria a incompatibilidade com a meta fiscal, mais ainda se foram despesas obrigatórias que não pertencem ao setor público consolidado. A não ser que se defenda a estapafúrdia tese de que, para cumprir a meta fiscal, as despesas obrigatórias devem ser cortadas, o que reflete muito bem a ideologia neoliberal dos interessados no impeachment de Dilma.

Independentemente disso, onde está a falácia no argumento que sustenta que a situação dos decretos não numerados caracteriza crime de responsabilidade por violação da lei orçamentária?

Está no fato de que, ter reconhecido que a metas fiscais não seriam cumpridas, não significa impossibilidade de editar os referidos decretos não numerados, pois, primeiro, na época da edição dos decretos houve aumento de arrecadação e superávit financeiro, e, segundo, editar os decretos não significa incompatibilidade com a metas fiscais para o ano de 2015 nem a realização de gasto suplementar indevido quando se sabia que as metas não iriam ser atingidas, pois o PLN nº 5/2015 indica uma possível situação ao término do exercício fiscal e os decretos são de julho e agosto de 2015, não se podendo afirmar que a abertura daqueles créditos suplementares, naquele momento, julho e agosto de 2015, quando aumento de arrecadação e superávit financeiro foram registrados, fosse incompatível com as metas fiscais então existentes.

É perfeitamente possível que os decretos não numerados estejam legalmente amparados e que eles não influenciem em nada as metas fiscais fixadas para o ano de 2015, que foram consideradas difíceis de ser cumpridas pelo governo Dilma com base em outros fatores não previstos inicialmente, basicamente, a queda na arrecadação da União Federal e o aumento das despesas obrigatórias, as quais podem não ser o caso das despesas obrigatórias eventualmente custeadas pelos créditos suplementares que foram abertos pelos decretos não numerados, pois tais despesas poderiam estar previstas desde o primeiro momento.

O pedido de alteração das metas fiscais, veiculado no PLN nº 5/2015, tem relações com a previsão então feita acerca do conjunto dos gastos e ingressos que serão realizados em 2015. Os decretos não numerados indicavam os fundamentos das suas edições, quais sejam, aumento de arrecadação, superávit financeiro e anulação de dotações orçamentárias, como definidos no inciso I do art. 4º da Lei n. 13.115/2015 (Lei Orçamentaria Anual de 2015) e, dessa forma, não são incompatíveis com as metas fiscais apenas porque o governo sinalizou, antes da edição desses decretos, para a necessidade de aumentar as margens de despesas e/ou gastos inicialmente indicadas na lei. A abertura dos créditos suplementares feita por meio dos decretos não numerados é perfeitamente legal.

O argumento da petição de impeachment é que se o governo Dilma disse que, pela realidade decorrente das previsões econômicas, não ia cumprir a meta fiscal de superávit primário para o ano de 2015, não poderia ter aberto os créditos suplementares, o que é falso. Uma coisa nada tem a ver com a outra. Isso só seria verdadeiro se restasse demonstrada a violação do art. 4º da Lei nº 13.115/2015, isto é, se restasse demonstrado na petição que a abertura dos créditos suplementares, feita pelos decretos não numerados, efetivamente promoveu alteração na programação orçamentária de forma a considerá-los incompatíveis com a obtenção da meta de resultado primário estabelecida para o exercício de 2015 fixada na Lei Orçamentaria Anual, mas isso não foi demonstrado como deveria ter sido. Em outras palavras, a simples abertura dos créditos suplementares, por si só, não é suficiente para dizer que houve alteração na programação orçamentária e muito menos que tal alteração era incompatível com o atingimento das metas fiscais fixadas pera o ano de 2015.

Para sustentar a primeira falácia, a petição se vale de outra falácia quando afirma que o aumento de arrecadação e o superávit financeiro que sustentaram a edição dos decretos seriam “artificiais” porque o governo tinha reconhecido que não ia atingir as metas fiscais indicadas na lei de 2015 (!). Como se o resultado abaixo da meta fiscal registrado no término do exercício implicasse, necessariamente, que não se conseguisse, em nenhuma hipótese, registrar aumento de arrecadação e superávit financeiro em determinado momento da execução do orçamento, o que é obviamente falso.

Como se observa, isso caracteriza mais outra falácia: o aumento de arrecadação e o superávit financeiro que sustentam a edição dos decretos não são artificiais apenas porque se disse que a meta fiscal do ano, que era superávit primário, não seria atingida. Essa parte da petição mostra que os seus autores não entendem muito de direito financeiro e de lei orçamentária, além de não serem exatamente bons em lógica. Cheguei até a suspeitar que esse trecho não tivesse sido escrito por quem se apresenta como autor da petição, tamanha a improcedência dos argumentos. Mas ao avançar na leitura, constatei que esse é o entendimento inclusive do TCU em relação à reprovação das contas federais do ano de 2014, o que não muda em nada a improcedência do argumento. Enfim, ter sido ou não o TCU quem inicialmente criou o argumento não muda o fato dele ser falso, inconsistente e não sustenta validamente o pedido de impeachment.

A parte da petição que acusa o superávit financeiro e o aumento de arrecadação, que amparam os decretos não numerados, de serem “artificiais”, apenas baseada na mensagem do Governo Dilma de que a meta fiscal de 2015 não seria cumprida, é completamente falsa e improcedente. É até óbvio que a mensagem da presidenta Dilma dirigida ao Congresso Nacional trabalha com previsões de receitas e despesas para o ano de 2015, de modo que pedir a alteração da Lei de Diretrizes Orçamentárias não tem nada a ver com estar fabricando indevidamente superávits financeiros ou aumentos de arrecadação com a finalidade de amparar a edição de decretos não numerados. As metas fiscais poderiam estar ameaçadas independentemente do fato de terem sido produzidos aumentos de arrecadação e superavits financeiros na época da edição dos decretos não numerados, isto é, eles não são artificiais apenas porque as metas fiscais poderiam não ser cumpridas.

Outra interpretação incorreta e não menos falaciosa da lei é a que diz que abertura de créditos suplementares, quando existe previsão de que as metas fiscais não serão cumpridas, é necessariamente incompatível com as metas fiscais. Isso é falso, pois a previsão de não cumprimento das metas fiscais não implica impossibilidade de abrir créditos suplementares, mais ainda quando tais créditos forem usados para custear despesas obrigatórias, as quais teriam que acontecer em qualquer situação, de modo que a abertura de créditos suplementares, neste caso, é até recomendada tendo em vista o aumento de arrecadação e o superávit financeiro que amparam os decretos não numerados.

Os decretos presidenciais não numerados estavam amparados e isso não muda em nada a previsão feita sobre as metas fiscais, simplesmente porque o aumento de arrecadação e o superávit financeiro que ampararam os decretos não são capazes de mudar a previsão final para o término do exercício, que existia independentemente dos créditos suplementares que foram abertos. Não entender isso resvala em falta de inteligência ou pura má-fé de quem fez a petição. Até eu, que não sou especialista na área, percebi de plano a falácia.

Em suma, o aumento de arrecadação e o superávit financeiro que ampararam a edição dos decretos presidenciais não numerados refletem um momento específico da execução do orçamento e não são incompatíveis com a previsão do governo de que existiriam dificuldades para cumprir as metas fiscais de 2015, não havendo que se dizer que eles seriam “artificiais”.

No entanto, tudo isso foi superado com a alteração do art. 2º da Lei nº  13.080/2015, que estabeleceu, como meta fiscal para o ano de 2015, um déficit primário nos patamares ali especificados, de modo que falar que a presidenta Dilma Rousseff, ao editar os decretos não numerados em questão, realizou gastos incompatíveis com a meta fiscal perdeu totalmente o sentido, mais do que já não tinha.

 

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STF deve impedir Cunha de apreciar pedido de impeachment

Leio matéria no site da BBC Brasil, em que foi ouvido um “especialista”, chamado Adilson Dallari, da PUC-SP, que afirma que a decisão de Eduardo Cunha em acolher o pedido de impeachment contra Dilma está fundamentada juridicamente e a motivação por vingança é irrelevante, não gera qualquer efeito sobre a validade do ato praticado por Cunha. Ao contrário do que diz o especialista, o móvel psicológico de Eduardo Cunha interessa e muito. O “especialista” ouvido na matéria está completamente errado. Por esse argumento, juiz inimigo da parte poderia atuar normalmente no processo. Uma irrazoabilidade, como se observa. Acabaram de acabar com institutos como suspeição e impedimento. Cunha é, no mínimo, suspeito para apreciar o pedido de impeachment, pois tem interesse direto nele, usa-o a seu favor, de acordo com os seus exclusivos interesses pessoais.

Como tentarei demonstrar neste post, a decisão dele, que acolheu parcialmente o pedido de impeachment veiculado contra Dilma Rousseff, é ilegítima e deve ser declarada nula ou anulada, a depender do grau de invalidade observado. Particularmente, eu penso que a decisão de Eduardo Cunha violou os princípios da moralidade, legalidade e impessoalidade, sendo absolutamente nula, portanto, dada a inconstitucionalidade que lhe é inerente. Cunha não pode decidir e deve ser afastado, pois ele, enquanto ameaçado de cassação, usa o poder para barganhar, como uma autêntica chantagem ou ao menos existe essa possibilidade de forma objetiva. Quem deve decidir é o seu substituto legal, o vice-presidente da Câmara dos Deputados. A decisão de Cunha é absolutamente nula, considerando inclusive outro aspecto que reforça a ilegalidade, que foi o notório desvio de finalidade. Cunha não tem isenção de ânimo para apreciar o pedido, não tem a necessária imparcialidade. Ele é, portanto, impedido ou, no mínimo, suspeito de apreciar o pedido de impeachment e deve ser proibido pelo STF de fazer isso. Esse, aliás, é o óbvio e mais do que evidente problema de deixar um deputado federal acusado da prática de vários crimes na presidência da Câmara dos Deputados. Cunha já deveria ter sido afastado da presidência da Câmara há muito tempo. E nem se compare a função exercida por Eduardo Cunha com o que irão fazer os deputados federais que votarão o impeachment, pois são situações absolutamente diferentes: ao contrário do deputado federal, que não tem que fundamentar o voto sobre o impeachment, Cunha tem que fundamentar na lei a sua decisão.

Logo se vê que o argumento de que é irrelevante o móvel psicológico do presidente da Câmara dos Deputados, ao proferir a decisão de admissibilidade do pedido de impeachment, é falso, inválido. Os interesses e motivações pessoais importam e muito. Caso contrário, suspeitos e impedidos atuariam livremente na situação. Não são apenas juízes de direito que podem ser considerados suspeitos e impedidos. Autoridades administrativas também podem ser. A decisão de Cunha não pode ser meramente política. Não há dúvidas de que se trata de uma decisão, não se podendo, como dito anteriormente, comparar a função dele com a dos deputados federais que votarão sobre a conclusão da comissão especial, pois são situações totalmente diferentes. Eduardo Cunha, enquanto presidente da Câmara dos Deputados, deve praticar ato vinculado ao que diz a lei, sem margens para que sentimentos políticos sejam os únicos fatores que definam a decisão, tanto que a decisão deve ser fundamentada, não bastando um “sim” ou “não”. O ato decisório que ele pratica, portanto, é de natureza jurídico-administrativa sim senhor. A decisão de acolhimento do pedido de impeachment precisa ser técnica.

Ele é um agente público, no pleno exercício de função administrativa, e se submete aos princípios do art. 37 da CF, entre eles o da moralidade, o da legalidade e o da impessoalidade. Ele não pode fazer o que quiser, arbitrariamente, apenas porque é o presidente da Câmara dos Deputados. Alguns só faltam afirmar que, em nome do aspecto político do ato, ele está autorizado a agir da forma que bem entender. Está errado quem pensa dessa forma. Eduardo Cunha, pelas circunstâncias e de forma excepcional, não tem legitimidade para decidir, mesmo enquanto presidente da Câmara dos Deputados. Ele tem interesse pessoal, pois usa o poder que tem para chantagear a base aliada do governo a não votar pela sua cassação. Isso não é legítimo, não é moral e claramente viola o princípio da impessoalidade. É o presidente da câmara dos deputados usando o poder que a lei e a Constituição lhe concedem para tentar impedir ser cassado.

Ainda que não se consiga comprovar que ele agiu de forma pessoalmente interessada (o que, a bem da verdade, está suficientemente evidenciado quando ele acolheu parcialmente o pedido exatamente quando soube que o PT ia votar pela cassação do mandato dele), o fato é que a situação implica objetivamente que ele seja considerado impedido ou suspeito de apreciar o pedido de impeachment com a imparcialidade e com a isenção de ânimo necessárias, lembrando que o ato administrativo decisório praticado por Cunha é plenamente vinculado ao que dispõe a Lei nº 1.079/1950 e à Constituição Federal. O interesse jurídico de Cunha que o torna ilegítimo para praticar o ato nasce objetivamente da situação. Logo, pelas circunstâncias, a decisão deve ser declarada nula e o pedido deve ser apreciado pelo vice-presidente, sob pena de nulidade de todos os atos subsequentes.

Incidem, no caso, inclusive as vedações do art. 18, inciso I, e 20, da Lei nº 9.784/1999, aplicável ao Poder Legislativo pelo § 1º do art. 1º. Cunha é, excepcionalmente e devido às circunstâncias, impedido de decidir ou, no mínimo, suspeito de decidir. O problema é ele ser acusado da prática de vários crimes e encontrar-se em vias de ter o mandato parlamentar cassado. Nessa situação, ele deve ser afastado do cargo e quem decide sobre o pedido de impeachment é o seu substituto legal (vice-presidente da Câmara dos Deputados). A decisão de Eduardo Cunha que acolheu parcialmente o pedido de impeachment é absolutamente nula, assim como igualmente são nulos todos os atos subsequentes.

Como muitos sabem, um juiz de direito não pode apreciar uma causa quando uma das partes é sua inimiga capital ou amiga íntima (art. 135, inciso I, do Código de Processo Civil – CPC – atualmente vigente). Ou seja, mesmo que a sentença condenatória que ele proferir contra a parte estiver fundamentada na lei, a sentença é absolutamente nula, porque inimigo capital ou amigo íntimo da parte não pode julgar os processos em que ela figura num dos polos da relação processual, o que mostra que as intenções subjetivas de quem vai proferir uma decisão importa e muito para o Direito. Além disso, juiz que tem interesse jurídico-processual no resultado da causa (inciso V do art. 135 do CPC atualmente vigente), isto é, que tenha a ganhar ou seja útil para ele que uma das partes ganhe a ação, também não pode julgar o processo. Em ambos os casos, o juiz de direito é considerado suspeito para fazer isso. Da mesma forma, pouco importa se a decisão que ele vier a proferir tenha fundamento na lei. Pesa contra ele o que se chama de suspeição.

Por outro lado, os juízes de direito também podem ser considerados impedidos de julgar determinados processos, por exemplo, quando for parte ou quando for cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau, de acordo com os incisos I e V do art. 134 do CPC atualmente vigente.

Transportando isso para o excepcional caso de Eduardo Cunha, que pratica ato administrativo de teor decisório quando se depara com uma petição de impeachment, temos que ele notoriamente usou o poder que ele tem, enquanto presidente da Câmara dos Deputados, de acolher ou não o pedido de impeachment, em seu benefício pessoal, violando, assim, pelo menos três princípios constitucionais: o da moralidade, o da legalidade e o da impessoalidade. O ato administrativo decisório, ainda que motivado e/ou fundamentado, de recebimento do pedido de impeachment por parte de Eduardo Cunha é, portanto, absolutamente nulo. Ele não tem legitimidade, isenção de ânimo, imparcialidade para poder atuar no caso, já que usa o poder de acordo com os seus exclusivos interesses pessoais, o que viola outro princípio, qual seja, o da supremacia do interesse público em relação ao interesse privado.

Por tudo isso, claro está que Eduardo Cunha é, devido às circunstâncias e de forma excepcional, IMPEDIDO OU SUSPEITO, aos moldes do que preceituam, respectivamente, o art. 18, inciso I, e o art. 20 da Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, aplicável ao Poder Legislativo nos termos do § 1º do art. 1º, considerando a natureza jurídico-administrativa da decisão em tela, de decidir se acolhe ou não o pedido de impeachment veiculado contra Dilma Rousseff, sendo absolutamente nula a decisão que ele proferiu.

Como medida que garante a legalidade e protege a Constituição Federal, o STF deve determinar que Eduardo Cunha seja afastado do cargo de presidente da Câmara dos Deputados, ao menos no que diz respeito a este ato de acolher ou não o pedido de impeachment, e quem deve decidir em seu lugar é o seu substituto legal, o vice-presidente da Câmara dos Deputados. A decisão de Eduardo Cunha é absolutamente nula, não tem validade e não pode gerar efeitos, sendo igualmente nulos todos os atos subsequentes, inclusive o processo de impeachment que vier a ser formalmente aberto.

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