Arquivo do mês: março 2017

Sexta Turma do TST confirma violação da Súmula nº 69 do Tribunal num caso de revelia da Caixa Econômica Federal

Foi disponibilizado ontem, 16/03/2017, com data de publicação considerada hoje, 17/03/2017, o acórdão da Sexta Turma do TST que deu provimento aos segundos embargos de declaração para apenas prestar esclarecimentos, sem efeito modificativo, num caso de uma reclamação trabalhista em que a Caixa Econômica Federal (CEF) é revel e confessa quanto à matéria de fato e, dessa forma, o trabalhador fazia jus a receber as verbas rescisórias tornadas incontroversas a partir da ausência de contestação com a multa de 50% do art. 467 da CLT, tudo conforme preceitua a Súmula nº 69 do TST, que trata precisamente da aplicação da referida multa nas hipóteses de revelia a confissão quanto à matéria de fato.

Para a minha desagradável surpresa, a Sexta Turma do TST efetivamente enfrentou o mérito da questão em sede de julgamento do Agravo de Instrumento, quando deveria fazer isso no julgamento do Recurso de Revista que havia sido interposto para impugnar o mérito da decisão do TRT que negou a aplicação da multa em todas as verbas rescisórias que tratavam de diferenças salariais e seus reflexos em décimos terceiros salários integrais, horas extras, depósitos mensais do FGTS etc.

Como o Recurso de Revista foi trancado, sob a inválida alegação de que estaria supostamente “prejudicado” diante do “acolhimento” da pretensão obreira, decisão que flagrantemente viola o direito do trabalhador, previsto no art. 896, alíneas “a” e “c”, da CLT, de recorrer contra a decisão do TRT que restringiu a aplicação da multa de 50% às férias mais 1/3 constitucional, à multa dos 40% do FGTS (deixando de fora os depósitos mensais do FGTS calculados com os reflexos das diferenças salariais de 50 meses) e ao décimo terceiro salário proporcional (devido apenas no último ano do contrato de trabalho, deixando de fora os décimos terceiros salários integrais que sofreriam os reflexos das diferenças salariais devidas no período do desvio de função, que aconteceu durante 50 meses), foi interposto o recurso de Agravo de Instrumento mostrando que era falsa e inválida a alegação de que o Recurso de Revista estaria supostamente “prejudicado”, principalmente quando o trabalhador impugnou a decisão do TRT por violação do art. 467 da CLT e da Súmula nº 69 do TST e pretendia que ela fosse reformada, não havendo que se falar em “acolhimento” da pretensão obreira apto a impedir o regular processamento do Recurso de Revista se o principal interessado mostrou claramente a sua irresignação com a decisão do TRT da 19ª Região quanto ao ponto da multa do art. 467 da CLT, na hipótese da Súmula nº 69 do TST, quando interpôs o referido recurso, com base no art. 896, alíneas “a” e “c”, da CLT, irresignação recursal esta que já tinha sido demonstrada inclusive nos dois recursos de embargos de declaração que foram anteriormente opostos perante o TRT (num total de três que terminaram sendo opostos no Regional), nos quais se requereu esclarecimentos sobre as razões pelas quais a aplicação da multa do art. 467 da CLT, na hipótese de revelia e confissão ficta tratada na Súmula nº 69 do TST, estava sendo restringida às verbas indicadas pelo Regional.

Nos SEGUNDOS Embargos de Declaração que opôs perante o acórdão da Sexta Turma do TST que julgou os primeiros Embargos de Declaração anteriormente opostos, a defesa do trabalhador impugnou a omissão do acórdão em analisar o ponto do Agravo de Instrumento que atacou o motivo usado pelo TRT para trancar o Recurso de Revista quanto ao pedido de reforma da restrição da aplicação da multa de 50% às verbas indicadas.

Em outras palavras, era dever do TST expressamente dizer se o trancamento, com base na alegação de que o Recurso de Revista estava supostamente “prejudicado” no ponto concernente à aplicação da multa de 50%, foi correto ou não.

No entanto, mesmo tendo que se pronunciar expressamente sobre este ponto do Agravo de Instrumento, que é o recurso que se encontra em julgamento, ao proferir a decisão que julgou os segundos Embargos de Declaração, ao invés de enfrentar essa específica questão acerca do trancamento do Recurso de Revista quanto ao ponto da multa, a Sexta Turma do TST, MAIS UMA VEZ, INCORREU EM OMISSÃO, pois passou, para a perplexidade da defesa do trabalhador, a julgar o mérito do pedido veiculado no Recurso de Revista em sede de julgamento do Agravo de Instrumento.

Por outra palavras, vale dizer: A Sexta Turma do TST se pronunciou sobre a questão relativa à extensão da aplicação da multa do art. 467 da CLT, na hipótese de revelia e confissão ficta tratada na Súmula nº 69 do TST, veiculada, no mérito, no Recurso de Revista, se OMITINDO de dar provimento ao Agravo de Instrumento e, consequentemente, sem destrancar o Recurso de Revista, o que flagrantemente ofende o devido processo legal, uma vez que existe o nítido efeito de fechar as portas recursais para o recurso dos Embargos cabíveis para a Seção de Dissídios Individuais, órgão recursal do TST que tem a competência de dirimir as divergências existentes entre as Turmas do TST ou reformar as decisões das Turmas do TST contrárias a súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho ou súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal, haja vista que os Embargos previstos no art. 894, II, da CLT, somente são cabíveis contra as decisões das Turmas do TST que efetivamente julgam o mérito do Recurso de Revista, o qual precisa ser destrancado para que isso aconteça.

Eis o que a Sexta Turma do TST disse no julgamento dos SEGUNDOS Embargos de Declaração que foram opostos pela defesa do trabalhador, conforme a ementa do acórdão, in verbis:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MULTA DO ART. 467 DA CLT. Decidiu com acerto o Tribunal Regional, pois determinou a incidência da multa de 50% sobre as verbas decorrentes da dispensa sem justa causa deferidas na sentença, portanto, pagas a destempo, e incontroversas, nos exatos termos da Súmula 69 do TST e do art. 467 da CLT, sendo certo que as demais, ou seja, as controversas, como as horas extras e as diferenças salariais deferidas, bem como seus reflexos, não devem receber a incidência da referida multa. Consigna-se que o art. 467 da CLT é claro no sentido de que a única hipótese de pagamento da multa nele prevista é quando há parcelas rescisórias incontroversas e não pagas em audiência. Embargos de declaração providos apenas para prestar esclarecimento, sem efeito modificativo.”

Observa-se claramente que a Sexta Turma do TST, sob a inválida justificativa de prestar meros esclarecimentos, julgou, na verdade, o mérito do pedido do Recurso de Revista de reforma do acórdão do TRT quanto à extensão da aplicação da multa do art. 467, na hipótese de revelia e confissão ficta do empregador tratada da Súmula nº 69 do TST, e disse que ele era improcedente, o que notoriamente fez, inclusive, OMITINDO o fato de que se tratava de hipótese de incidência da Súmula nº 69 do TST, pois OMITIU da decisão o fato do caso tratar de um caso de revelia e confissão ficta da Caixa Econômica Federal, pretendo restringir à hipótese sub examine à mera aplicação do art. 467 da CLT, escondendo da discussão a revelia e a confissão ficta da empresa reclamada, efetivamente ocorrida e decretada nos autos do processo.

Ora, mas isso foi feito sem dar provimento ao Agravo de Instrumento para destrancar o Recurso de Revista, que tem o efeito de manter a decisão do TRT se omitindo de julgar o Agravo de Instrumento no ponto em que especificamente impugnou o motivo pelo qual o TRT negou trânsito à revista, o que claramente prejudica o direito do trabalhador de recorrer da decisão da Sexta Turma do TST para a Seção de Dissídios Individuais do TST pela via do recurso dos Embargos previstos no art. 894, II, da CLT, in verbis:

Art. 894. No Tribunal Superior do Trabalho cabem embargos, no prazo de 8 (oito) dias: (Redação dada pela Lei nº 11.496, de 2007)

(…)

II – das decisões das Turmas que divergirem entre si ou das decisões proferidas pela Seção de Dissídios Individuais, ou contrárias a súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho ou súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. (Redação dada pela Lei nº 13.015, de 2014)

(…)

A decisão da Sexta Turma disse que o TRT estava certo quando restringiu a multa do art. 467 da CLT às verbas que indicou, mas nada falou sobre a decisão que trancou o Recurso de Revista, decisão completamente diversa e que trata da questão de saber se o Recurso de Revista estava supostamente “prejudicado” em virtude de um inexistente “acolhimento” da pretensão obreira, como afirmou o TRT quanto ao ponto da multa de 50% do art. 467 da CLT.

Entendo que a decisão da Sexta Turma do TST, além de produzir uma negativa de prestação jurisdicional quando não julgou o Agravo de Instrumento no ponto aqui debatido, efetivamente viola a Súmula nº 69 do TST e o art. 467 da CLT, uma vez que a CEF foi considerada, neste processo, revel e confessa quanto à matéria de fato e, dessa forma, a multa de 50% incide sobre todas as verbas rescisórias cobradas na reclamação trabalhista e deferidas pelo TRT, especialmente as diferenças salariais e seus reflexos, conforme indicado no Recurso de Revista.

Esse procedimento da Sexta Turma do TST é claramente um julgamento per saltum, ou seja, ele “salta” uma etapa, qual seja, a do julgamento do Agravo de Instrumento no ponto em que impugnou a decisão que trancou o Recurso de Revista interposto para impugnar o acórdão do TRT quanto à extensão da referida multa.

Tal procedimento ilegal da Sexta Turma do TST, conseqüência da negativa de prestação jurisdicional consistente em se recusar a apreciar o Agravo de Instrumento no ponto em que impugnou a decisão do TRT que trancou o Recurso de Revista interposto para impugnar o acórdão do TRT que restringiu a multa do art. 467 da CLT às férias mais um terço, à multa de 40% do FGTS e ao décimo terceiro salário proporcional do último ano do contrato de trabalho (2008), tem o efeito de fechar a via recursal dos Embargos para a SDI que ainda era cabível, nos termos do art. 894, inciso II, da CLT, pois é certo que não só a referida decisão violou direta e literalmente a Súmula nº 69 do TST, mas também existem inúmeras decisões de outras Turmas do TST que entendem de forma diferente da que entendeu a Sexta Turma acerca da extensão da aplicação da multa de 50% nos casos de revelia e confissão quanto à matéria de fato por parte do empregador, sendo pertinente citar, a título de exemplo, a seguinte decisão da Terceira Turma do TST, que versa sobre a aplicação da multa do art. 467 nos casos de revelia e confissão ficta, in verbis:

“MULTA DO ART. 467 DA CLT.

O Regional negou provimento ao apelo patronal, pelos seguintes fundamentos (fl. 67-PE):

“Contra a aplicação da multa em epígrafe, alega a empresa Recorrente que ‘a demanda referiu-se a pleitos controversos, onde carecia de constituição do direito pela Reclamante’.

Sem razão.

A multa prevista no art. 467 da CLT deve incidir sobre as verbas trabalhistas incontroversas. Assim, não instaurada qualquer controvérsia acerca do direito às verbas rescisóriashaja vista a revelia e a confissão ficta da ré quanto à matéria fática -, faz jus a autora ao pagamento da multa em questão.

Aplica-se na espécie a Súmula 69 do TST, verbis: ‘A partir da Lei nº 10.272, de 5 de setembro de 2001, havendo rescisão do contrato de trabalho e sendo revel e confesso quanto à matéria de fato, deve ser o empregador condenado ao pagamento das verbas rescisórias, não quitadas na primeira audiência, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento)’.

Nego provimento.”

A ré não se conforma com a condenação, indicando ofensa aos arts. 302, I, do CPC e 467 da CLT. Transcreve arestos.

Tendo o recurso de revista por escopo a uniformização da jurisprudência trabalhista, nenhuma utilidade ver-se-á no processamento de semelhante apelo, quando o tema brandido for objeto de súmula ou de orientação jurisprudencial da Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, situações em que a missão da Corte ter-se-á, previamente, ultimado.

Tal diretriz, antes contida no art. 896, a, parte final, da CLT e na Súmula 333/TST, está, hoje, consagrada pelo mesmo art. 896, § 7º, do Texto Consolidado.

Para o caso dos autos, tem-se que, na dicção da Súmula 69 desta Corte, “a partir da Lei nº 10.272, de 05.09.2001, havendo rescisão do contrato de trabalho e sendo revel e confesso quanto à matéria de fato, deve ser o empregador condenado ao pagamento das verbas rescisórias, não quitadas na primeira audiência, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento)”.

Diante de tal quadro, não visualizo potencial ofensa aos dispositivos evocados, estando superada a jurisprudência colacionada.

Mantenho o r. despacho agravado.

Em síntese e pelo exposto, conheço do agravo de instrumento e, no mérito, nego-lhe provimento.

ISTO POSTO       

ACORDAM os Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do agravo de instrumento e, no mérito, negar-lhe provimento.

Brasília, 19 de novembro de 2014.

Firmado por Assinatura Eletrônica (Lei nº 11.419/2006)

Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira

Ministro Relator”

Vejam que nessa decisão acima, a Terceira Turma do TST, por entender que a decisão recorrida encontrava amparo na Súmula nº 69 do TST, manteve uma decisão de outro TRT que expressamente disse o que se segue:

“Contra a aplicação da multa em epígrafe, alega a empresa Recorrente que ‘a demanda referiu-se a pleitos controversos, onde carecia de constituição do direito pela Reclamante’.

Sem razão.

A multa prevista no art. 467 da CLT deve incidir sobre as verbas trabalhistas incontroversas. Assim, não instaurada qualquer controvérsia acerca do direito às verbas rescisóriashaja vista a revelia e a confissão ficta da ré quanto à matéria fática -, faz jus a autora ao pagamento da multa em questão.

Aplica-se na espécie a Súmula 69 do TST, verbis: ‘A partir da Lei nº 10.272, de 5 de setembro de 2001, havendo rescisão do contrato de trabalho e sendo revel e confesso quanto à matéria de fato, deve ser o empregador condenado ao pagamento das verbas rescisórias, não quitadas na primeira audiência, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento)’.

Nego provimento.”

Outro exemplo de decisão, dessa vez da Quinta Turma do TST, extraído do PROCESSO Nº TST-RR-3345/2002-016-12-00.5, que expressamente fala que as verbas requeridas na petição inicial, em decorrência da revelia e da confissão ficta do empregador, se tornam incontroversas para fins de aplicação da multa do art. 467 da CLT:
RECURSO DE REVISTA. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. MULTA DO ART. 467 DA CLT. REVELIA. As verbas requeridas pelo reclamante na inicial tornaram-se incontroversas, uma vez que as reclamadas principais não apresentaram defesa, ficando constatada a revelia, sendo devida, por conseguinte, a multa prevista no art. 467 da CLT. Dessa forma, segundo o disposto na Súmula nº 69 desta Corte, havendo rescisão do contrato de trabalho e sendo revel e confesso quanto à matéria de fato, deve ser o empregador condenado ao pagamento das verbas rescisórias, não quitadas na primeira audiência, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento). Recurso de revista a que se dá provimento.
 
(…)”

Ou seja, a ausência de contestação por parte do empregador, nos termos da Súmula nº 69 do TST, torna incontroversas, para fins de aplicação da multa do art. 467 da CLT, todas as verbas rescisórias pleiteadas na reclamação trabalhista, sendo absolutamente improcedente a Sexta Turma do TST dizer que as diferenças salariais e seus reflexos, verbas rescisórias que foram pleiteadas na reclamação trabalhista proposta pelo trabalhador e que foram efetivamente deferidas pelo TRT no julgamento dos primeiros Embargos de Declaração opostos perante aquele Regional, eram verbas “controversas” quando se tem em mente que a CEF efetivamente foi considerada, no processo, revel e confessa quanto à matéria de fato.

Como se observa, diante da OMISSÃO da Sexta Turma do TST em efetivamente enfrentar e julgar o mérito do Agravo de Instrumento interposto pelo trabalhador contra a decisão do TRT que trancou o Recurso de Revista no ponto em que se requereu a ampliação da aplicação da multa do art. 467 da CLT, são plenamente cabíveis os TERCEIROS Embargos de Declaração alegando tudo isso, até a título de pré-questionamento da matéria, pois é evidente que se está diante de uma inequívoca negativa de prestação jurisdicional, que viola o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, que trata da inafastabilidade da jurisdição, e viola o inciso IX do art. 93 da Constituição Federal, pois, ao não enfrentar o ponto do Agravo de Instrumento que deveria enfrentar, a Sexta Turma do TST não profere decisão devidamente fundamentada, vício da decisão caracterizado pelo fato da Sexta Turma do TST não ter se pronunciado e/ou julgado se o trancamento do Recurso de Revista foi correto ou não no ponto em que atacou a aplicação da multa do art. 467 da CLT por parte do TRT.

De outra banda, restam diretamente violadas as garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, previstas nos incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição Federal, quando, por esta OMISSÃO, se veda o acesso do trabalhador à Seção de Dissídios Individuais pela via do recurso de Embargos previstos no art. 894, inciso II, da CLT, efeito este do acórdão da Sexta Turma do TST que nitidamente prejudica o trabalhador e favorece ilegalmente à Caixa Econômica Federal, que se verá livre de pagar a multa de 50% sobre a maior parte das verbas rescisórias incontroversas que foram deferidas no processo, quais sejam, as diferenças salariais devidas por desvio de função ocorrido no período de 50 (cinquenta) meses e os seus reflexos nas parcelas de 13ºs salários integrais, aviso prévio, depósitos mensais de FGTS e horas extras no período do desvio de função.

Deixe um comentário

Arquivado em Direito e Justiça

Sexta Turma do TST viola Súmula nº 69 do Tribunal num caso de revelia da Caixa Econômica Federal

Impressionante o quanto a Justiça do Trabalho deste país está instrumentalizada politicamente para prejudicar o trabalhador brasileiro.

Vou discorrer agora, de forma breve tanto quanto possível, sobre o absurdo jurídico que acontece atualmente num processo trabalhista em que a Caixa Econômica Federal (CEF) é a parte reclamada, no qual a Sexta Turma do TST violou a Súmula nº 69 do Tribunal ao se recusar a aplicar a multa de 50% do art. 467 da CLT nas verbas rescisórias incontroversas.

Em junho de 2008, foi proposta uma reclamação trabalhista contra a CEF. O trabalhador venceu a ação, depois de uma árdua batalha judicial em sede de segunda instância, onde se consegui reverter uma situação desfavorável após o julgamento dos dois recursos ordinários interpostos pelo trabalhador e pela CEF.

Para ser sucinto, aconteceu que o trabalhador ganhou cinquenta meses de diferenças salariais por desvio de função no sentido de receber como gerente de relacionamento, verba que geraria reflexos nas demais verbas trabalhistas, principalmente horas extras, aviso prévio, férias mais 1/3 constitucional, 13º salários, depósitos mensais do FGTS e na multa dos 40% do FGTS.

Acontece que, como a CEF foi revel no processo, o trabalhador faria jus, nos termos da Súmula nº 69 do TST, à aplicação da multa de 50% prevista no art. 467 da CLT, que diz o seguinte:

“Art. 467. Em caso de rescisão de contrato de trabalho, havendo controvérsia sobre o montante das verbas rescisórias, o empregador é obrigado a pagar ao trabalhador, à data do comparecimento à Justiça do Trabalho, a parte incontroversa dessas verbas, sob pena de pagá-las acrescidas de cinqüenta por cento”. (Redação dada pela Lei nº 10.272, de 5.9.2001)”

A Súmula nº 69 do TST é muito clara sobre a aplicação da multa de 50% prevista no art. 467 da CLT nos casos de revelia e confissão ficta do empregador:

“SUM-69 RESCISÃO DO CONTRATO (nova redação) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

A partir da Lei nº 10.272, de 05.09.2001, havendo rescisão do contrato de trabalho e sendo revel e confesso quanto à matéria de fato, deve ser o empregador condenado ao pagamento das verbas rescisórias, não quitadas na primeira audiência, com acréscimo de 50% (cinqüenta por cento).”

No julgamento dos primeiros Embargos de Declaração que foram opostos perante o TRT , a desembargadora relatora reconheceu que havia errado quanto às diferenças salariais por desvio de função e condenou a CEF a este pagamento.

No tocante à multa de 50%, também reconheceu o erro, pois havia anteriormente negado a aplicação porque considerou que o fato da CEF ter pago na data aprazada a rescisão do contrato, isso afastaria a incidência da multa, quando a incidência da multa deriva tão-somente da revelia da CEF, nos termos da Súmula nº 69 do TST, uma vez que, se ela não compareceu à audiência onde deveria apresentar contestação, automaticamente todas as verbas rescisórias cobradas na reclamação trabalhista se tornaram incontroversas para fins de aplicação da multa do art. 467 da CLT.

No entanto, na hora de dizer sobre quais verbas a multa de 50% deveria incidir, a desembargadora relatora restringiu a aplicação apenas à multa do 40% do FGTS (deixando de fora os depósitos mensais do FGTS que sofreriam os efeitos das diferenças salariais deferidas por desvio de função), às férias mais 1/3 constitucional e ao 13º salário PROPORCIONAL de 2008 (deixando de fora os 13ºs salários integrais dos anos em que ocorreram o desvio de função).

Essa decisão até hoje está provocando um prejuízo absurdo nos direitos trabalhistas do trabalhador, verdadeira lesão ao trabalhador, que se encontra atualmente flagrantemente lesado pela Justiça do Trabalho brasileira, pois a multa de 50% deveria incidir sobre as seguintes verbas:

1 – Diferenças salariais dos 50 meses nos quais ocorreu o desvio de função;

2 – Depósitos mensais do FGTS devidos no período do desvio de função, os quais sofreriam os reflexos das diferenças salariais;

3 – Horas extras deferidas e finalmente

4 – 13ºs salários integrais devidos no período do desvio de função.

Todas essas verbas são de natureza salarial e sempre sofreram a incidência da multa prevista no art. 467 da CLT, mesmo antes da alteração deste artigo feita pela Lei nº 10.272/2001, que AMPLIOU O ROL das verbas que sofreriam a incidência da multa quando disse que as verbas rescisórias seriam objeto de aplicação da multa de 50%, quando antes apenas falava em verbas de natureza salarial.

Como se observa, o trabalhador está deixando de receber um valor significativo por conta dessa decisão absolutamente ilegal e danosa ao seu patrimônio, que claramente protege os interesses da CEF em franco prejuízo dos interesses e direitos do trabalhador, o qual, não seria demais dizer, está sendo visivelmente surrupiado pela Justiça do Trabalho, que intencionalmente se recusou a aplicar a multa de 50% prevista no art. 467 da CLT em verbas rescisórias que ela normalmente deveria incidir.

Depois da defesa do trabalhador tentar, em dois Embargos de Declaração sucessivos, opostos posteriormente aos primeiros Embargos de Declaração, obter esclarecimentos sobre as razões pelas quais as demais verbas rescisórias não sofreriam a incidência da multa de 50%, o TRT, após dar provimento parcial aos dois recursos, acabou repetindo na última decisão o que já havia dito antes, o que seja, que a multa somente incidiria sobre a verbas anteriormente indicadas e que o recurso para modificar isso não seria os Embargos de Declaração, o que fez sem prestar os esclarecimentos requeridos, o que foi pedido até para fins de pré-questionamento da matéria, técnica processual que é feita visando preparar a interposição do cabível Recurso de Revista para o TST.

Após o julgamento dos terceiros Embargos de Declaração e diante da recusa em prestar os esclarecimentos requeridos, o trabalhador interpôs Recurso de Revista para o TST, alegando violação do art. 467 da CLT, conforme interpretação da Súmula nº 69 do TST, que também restou violada.

Aqui começa o maior absurdo dessa história toda, que até o presente momento me deixa totalmente perplexo com o fato de termos uma justiça do trabalho tão injusta e desonesta como a que temos neste país.

O TRT trancou o Recurso de Revista quanto ao ponto da multa de 50% alegando que o recurso estaria “prejudicado” neste ponto porque a pretensão do trabalhador havia sido supostamente “acolhida”, mesmo quando o trabalhador vinha se opondo à restrição da aplicação da multa desde pelo menos os segundos Embargos de Declaração que haviam sido opostos.

Contra essa decisão, o trabalhador interpôs o competente recurso de Agravo de Instrumento, visando destrancar o Recurso de Revista quanto ao ponto da multa de 50%, argumentando que, diferentemente do que alegou o TRT, o Recurso de Revista não estaria em nada prejudicado quanto à multa de 50% do art. 467 da CLT, sendo falsa a alegação de que a pretensão do trabalhador havia sido acolhida, tanto que houve a interposição do Recurso de Revista impugnando a decisão por violação do art. 467 da CLT e da Súmula nº 69 do TST, tendo inclusive sido juntadas decisões de outros Tribunais Regionais do Trabalho que demonstravam a existência do dissídio jurisprudencial, pois em outras decisões, as verbas que ficaram de fora na decisão do TRT sofriam normalmente a incidência da multa de 50%.

Depois de passar anos adormecendo no TST, finalmente no ano passado o Agravo de Instrumento foi julgado e, no ponto da multa de 50%, nada foi dito, tendo o TST negado provimento ao Agravo de Instrumento, mantendo a decisão agravada que trancou o Recurso de Revista.

O trabalhador opôs os primeiros Embargos de Declaração, recurso cabível contra as decisões omissas, contraditórias, obscuras ou que contenham erros materiais, indicando precisamente a omissão do acórdão do TST sobre o ponto da multa de 50%, já que nada, absolutamente nada havia sido dito a este respeito no acórdão que negou provimento ao Agravo de Instrumento, isto é, o TST não se pronunciou sobre o fundamento da decisão que havia trancado o Recurso de Revista no ponto da referida multa.

Nos primeiros Embargos de Declaração, o trabalhador requereu que fosse corrigida a omissão no sentido de, enfrentando os argumentos do Agravo de Instrumento que impugnaram a decisão que trancou o Recurso de Revista no ponto da multa de 50%, dar provimento ao recurso quanto a este ponto e finalmente julgar o mérito do Recurso de Revista em relação à multa de 50%, isto é, corrigindo a omissão do acórdão que negou provimento ao Agravo de Instrumento, o TST deveria dizer, primeiro, se a decisão que trancou o Recurso de Revista quanto ao ponto da multa estava correta quando disse que o recurso estaria “prejudicado” e, segundo, se entendesse que estava errada, deveria dar provimento ao Agravo de Instrumento quanto a este ponto e, consequentemente, julgando o mérito do Recurso de Revista quanto à extensão da aplicação da multa prevista no art. 467 da CLT, deveria dizer se a aplicação da multa feita pelo TRT foi correta ou não, se estava certa a restrição, se as demais verbas, de fato, não deviam receber a multa etc.

No julgamento desses primeiros Embargos de Declaração opostos no TST, aos quais foram dado provimento para fins de prestar esclarecimentos, mas sem efeito modificativo da decisão embargada, eis o que surpreendentemente disse o TST, in verbis:

Por fim, com relação ao pedido de aplicação da multa do art. 467 da CLT com incidência em todas as verbas rescisórias, inclusive nas diferenças salariais por desvio de função, nos depósitos de FGTS mensais e nas horas extras e reflexos, verifica-se que não restou omissa a decisão regional, que deferiu o pedido de multa do art. 467 da CLT com incidência na multa de 40% do FGTS, férias com 1/3 e 13º salário proporcional, na forma da Súmula 69 do TST. Logo, a insurgência do embargante demonstra seu inconformismo com o resultado do julgamento do recurso interposto, manifestado mediante a utilização de instrumento processual inadequado para tanto.

Ressalte-se que os embargos declaratórios não podem ser utilizados com a finalidade de sustentar incorreções no acórdão impugnado ou de propiciar um novo exame da própria questão de fundo, de modo a viabilizar, em instância processual absolutamente inadequada, a desconstituição de ato decisório regularmente proferido, conforme pretende o recorrente.”

Vejam que o ministro relator disse que o trabalhador teria demonstrado inconformismo com a decisão proferida pelo TRT mediante a utilização de instrumento processual inadequado para tanto, mesmo quando ele opôs os Embargos de Declaração para pedir esclarecimentos acerca das razões pelas quais as demais verbas não sofreriam a multa, já que o TRT apenas listou as verbas que sofreriam a incidência da multa e nada disse sobre os motivos pelos quais apenas aquelas sofreriam a incidência.

Pior de tudo, esses terceiros Embargos de Declaração foram parcialmente acolhidos, ou seja, nem mesmo o TRT chegou a dizer que a via eleita era inadequada, tanto que conheceu do recurso e deu provimento parcial.

De qualquer forma, ainda que se pretenda dizer que o trecho acima transcrito classificou como inadequados não os Embargos de Declaração opostos perante o TRT, mas sim os Embargos de Declaração opostos perante o TST contra o acórdão que negou provimento ao Agravo de Instrumento, tal alegação é completamente improcedente pelos seguintes motivos:

(i) O acórdão do TST (e não do TRT ou “regional”, que foi o termo usado no trecho acima transcrito) que negou provimento ao Agravo de Instrumento efetivamente foi OMISSO em relação ao ponto da multa de 50% do art. 467 da CLT;

(ii) O trabalhador efetivamente interpôs o Recurso de Revista para impugnar a aplicação da multa da forma restritiva que foi feita pelo TRT e era dever do TST julgar isso, o que deveria fazer somente depois de apreciar o Agravo de Instrumento que atacou a decisão que trancou o Recurso de Revista quanto à questão da extensão da multa, ponto que não foi apreciado pelo TST.

Em outras palavras, descabe qualquer alegação de inadequação da via eleita para veicular as irresignações recursais quando se tem em mente que o Recurso de Revista que foi interposto expressamente impugnou a decisão do TRT quanto ao ponto da multa de 50% e, posteriormente, o referido TRT trancou o Recurso de Revista, alegando que ele estaria “prejudicado” quanto a este ponto em razão de um alegado “acolhimento” da pretensão obreira.

Logo, o trabalhador não se valeu de recurso inadequado para atacar essa decisão quando manejou o Agravo de Instrumento, tendo o TST claramente se omitido de apreciar este ponto específico do recurso no acórdão que lhe negou provimento, omissão que voltou a acontecer no julgamento dos Embargos de Declaração que foram opostos quando, tergiversando ao evitar enfrentar os argumentos do Agravo de instrumento que impugnaram o trancamento do Recurso de Revista, passou a discorrer sobre uma suposta inadequação dos Embargos de Declaração opostos para atacar precisamente a omissão anterior, observada quando do julgamento do Agravo de Instrumento, o que se fez inclusive por meio da intencional confusão entre a (i) omissão do acórdão do TST que negou provimento ao Agravo de Instrumento, que não apreciou o ponto do recurso que impugnou a decisão que trancou o Recurso de Revista quanto à questão da extensão da multa de 50% do art. 467 CLT e a (ii) omissão do acórdão do TRT que restringiu a aplicação da multa.

Como se observa, em qualquer das duas hipóteses, não há que se falar em inadequação da via eleita de que se valeu o trabalhador para veicular suas irresignações recursais. Manejou corretamente o Recurso de Revista e, posteriormente, manejou corretamente o Agravo de Instrumento, tendo ainda manejado corretamente os Embargos de Declaração diante da omissão do TST.

Percebendo a intenção de negar a prestação jurisdicional para evitar, dando uma de “João sem braço”, que o trabalhador recebesse os seus direitos no valor devido (com acréscimo de 50% no montante das verbas rescisórias incontroversas deferidas), já que o que o TST tinha que fazer no julgamento do Agravo de Instrumento era dizer se o trancamento do Recurso de Revista quanto à multa de 50% foi correto ou não, o que exigiria a apreciação da alegação de que o recurso estaria “prejudicado” quanto a este ponto, o trabalhador opôs os segundos Embargos de Declaração e apontou todas essas omissões, expressamente arguindo a negativa de prestação jurisdicional que acarreta nulidade absoluta do julgado, uma vez que o TST, até aquele momento, não havia dito se o trancamento do Recurso de Revista feito pelo TRT foi correto.

O recurso estava pautado para hoje e foi julgado. Para a desagradável surpresa da defesa do trabalhador, houve o provimento dos segundos Embargos de Declaração, mais uma vez, mas sem os efeitos modificativos da decisão embargada.

Ou seja, o TST manteve a decisão anterior e, consequentemente, manteve a decisão do TRT que trancou o Recurso de Revista, mantendo a aplicação restritiva da multa de 50% às verbas por ele indicadas.

Até o momento, a defesa do trabalhador ainda não teve acesso à segunda decisão do TST, que será publicada nos próximos dias. Estou muito curioso sobre o que foi dito nessa segunda decisão para negar o direito do trabalhador, amplamente amparado por decisões de vários Tribunais, inclusive do próprio TST.

Eu imagino que o ministro relator irá dizer que a matéria não se encontra devidamente pré-questionada, o que irá fazer alegando que, como o acórdão que julgou os terceiros Embargos de Declaração opostos perante o TRT se limitou a repetir o que havia dito antes acerca da amplitude da multa, a matéria não estaria pré-questionada como deveria estar, pois os fundamentos do recurso não teriam sido enfrentados.

Esse entendimento é completamente improcedente, uma vez que, efetivamente, o TRT enfrentou a matéria, que se encontra devidamente pré-questionada.

Eis o que o que o TRT julgou, quanto ao ponto da multa de 50%, nos terceiros e últimos Embargos de Declaração que foram opostos pelo trabalhador na segunda instância, in verbis:

“De fato, possui razão o embargante ao alegar que, por força do que já fora decidido anteriormente, não poderia este Juízo simplesmente se negar a apreciar o pleito formulado, alegando que não havia pedido na exordial.

Assim, sanando a omissão apontada, passo a decidir acerca da extensão da decisão sobre a aplicação da multa de 50%, da Súmula nº 69, do TST.

Neste sentido, cumpre observar que este Regional já decidiu acerca da extensão da referida multa, quando assim registrou (fl. 536):

“A incidência do entendimento jurisprudencial invocado pelo autor, tem fundo em norma expressa, Lei nº 10.272/2001. Por tal motivo, e considerando que o v. Acórdão não fez menção às parcelas rescisórias deferidas, passo a sanar o equívoco, ao tempo que determina-se a incidência do acréscimo de 50% sobre tais verbas – multa de 40% do FGTS, férias com 1/3 e 13º salário proporcional.”

Dessa maneira, descabe qualquer tentativa de modificar este entendimento, em sede de embargos de declaração.

Entretanto, a fim de evitar-se novos atos dilatadores, registremos que a extensão da multa da Súmula nº 69, do TST deverá se limitar a incidir sobre os seguintes títulos: multa de 40% do FGTS, férias com 1/3 e 13º salário proporcional, tal qual já decidido à fl. 536.

Ante o exposto, conheço dos terceiros embargos de declaração, para, sanando a omissão apontada, determinar que faça constar no acórdão que julgou os segundos embargos de declaração, como se nele estivesse transcrito, os seguintes termos:

A multa de 50%, prevista na Súmula nº 69, do TST, deverá incidir, apenas, sobre os seguintes títulos: multa de 40% do FGTS, férias com 1/3 e 13º salário proporcional, tal qual já decidido à fl. 536.”

Veja que o desembargador relator do TRT expressamente disse que a aplicação da multa de 50% teria sido feita com base na Súmula nº 69 do TST, o que é suficiente para caracterizar o pré-questionamento da matéria.

Ora, no Recurso de Revista o trabalhador impugnou esse entendimento como violador da Súmula nº 69 do TST e do art. 467 da CLT, requerendo a reforma do acórdão quanto a este ponto no sentido de ampliar a aplicação da multa.

Portanto, a matéria se encontra devidamente pré-questionada, com citação expressa da Súmula nº 69 do TST como fundamento da decisão, súmula que, por sua vez, expressamente cita a lei que alterou o art. 467 da CLT, e cabia um pronunciamento de mérito do TST, o que aconteceria no julgamento do Recurso de Revista.

Como o Recurso de Revista foi trancado neste ponto sob a alegação de que estaria “prejudicado”, cabia antes dar provimento ao Agravo de Instrumento para apreciar o mérito do Recurso de Revista quanto ao ponto da multa, mas o TST se recusou a apreciar os argumentos do Agravo de Instrumento que enfrentavam esse ponto, os quais demonstraram cabalmente a invalidade da decisão que disse que o recurso estaria “prejudicado”.

Não sei como um recurso que impugna a decisão como errada está “prejudicado”.

Estou muito curioso para saber o que raios o TST decidiu para não reconhecer o direito do trabalhador, uma vez que a incidência da multa do art. 467 da CLT nas verbas rescisórias como diferenças salariais, horas extras, décimos terceiros salários, depósitos mensais do FGTS etc é plenamente reconhecida por doutrina e jurisprudência, isso de forma uníssona, como se observa pelas seguintes decisões do TST, in verbis:

Ementa:
RECURSO DE REVISTA. MULTA DO ART. 467 DA CLT. ABRANGÊNCIA.

A Lei nº 10.272/2001 conferiu nova redação ao art. 467, caput, da CLT, não se restringindo à incidência da penalidade sobre os salários incontroversos, alcançando as verbas rescisórias incontroversas, ficando, assim, consideravelmente ampliado seu âmbito de abrangência. Por conseguinte, inserindo-se os depósitos do FGTS não recolhidos e a respectiva multa de 40% no conceito amplo de verbas rescisórias, e não tendo sido pagos no prazo legal, incide a respectiva multa. Precedentes desta Corte. Recurso de revista a que nega provimento.

Processo: RR – 88500-36.2007.5.05.0033 Data de Julgamento: 16/09/2009, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, 5ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 25/09/2009.

Ementa:
RECURSO DE REVISTA. MULTA DO ARTIGO 467 DA CLT – EXTENSÃO DO CONCEITO DE VERBAS RESCISÓRIAS – SALDO DE SALÁRIOS NÃO PAGOS.

O saldo de salários e os salários vencidos são verbas rescisórias para fins de aplicação da multa do artigo 467 da CLT. Recurso de revista conhecido e provido.

Processo: RR – 170600-37.2005.5.01.0063 Data de Julgamento: 17/03/2010, Relator Ministro: Renato de Lacerda Paiva, 2ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 30/03/2010.

Ementa:
(…) MULTA PREVISTA NO ARTIGO 467 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO.

São isentas de controvérsia, para o fim da multa do artigo 467 da CLT, as verbas de natureza trabalhista que deveriam ter sido adimplidas no curso do contrato de trabalho e que, portanto, independem da discussão acerca da modalidade de rescisão contratual. Não há cogitar em ofensa ao artigo 467 da CLT, porquanto a mera impugnação dos pedidos sem a apresentação do recibo de pagamento das verbas correspondentes não tornam controvertidas as parcelas. Ao contrário, a falta de recibo de pagamento torna incontroverso o direito do empregado às verbas rescisórias. Recurso de revista não conhecido. (…)

Recurso de revista não conhecido.

Processo: RR – 61900-98.2002.5.12.0019 Data de Julgamento: 04/11/2009, Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 13/11/2009.

Ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MULTA DO ARTIGO 467 DA CLT.

O Tribunal a quo entendeu ser devida a multa, prevista no artigo 467 da CLT, com relação às parcelas do FGTS que não foram recolhidas durante o vínculo empregatício, uma vez que restaram incontroversas e deveriam ter sido pagas na primeira audiência. Dessa forma, não se configura violação ao referido dispositivo legal. Divergência jurisprudencial inespecífica, na forma da Súmula 296 do TST. Agravo de Instrumento não provido.

Processo: AIRR – 40740-35.2004.5.06.0012 Data de Julgamento: 01/04/2009, Relator Ministro: José Simpliciano Fontes de F. Fernandes, 2ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 24/04/2009.

Deixe um comentário

Arquivado em Direito e Justiça

A despedida de Hugh Jackman do papel que o consagrou em “Logan”

Assisti ao filme “Logan” ontem de noite, a despedida do ator Hugh Jackman no papel do mutante Wolverine, que o consagrou. Gostei dos resultados. O filme é cheio de referências para quem é próximo aos quadrinhos dos X-Men. Caliban, o mutante albino, personagem clássica dos Morlocks, a comunidade formada por mutantes renegados que viviam nos subterrâneos de Nova Iorque, a personagem que uma vez raptou Kitty Pride para se casar com ela, faz uma ponta.

O filme é um tanto quanto pessimista, apesar do tom mais uma vez político que aparece nas entrelinhas, uma vez que a mutante X-23, a garota Laura Kinney ou Laura Howlett, que possui os poderes parecidos com os do Wolverine, é filha de uma mãe mexicana. Essa parece ser uma tendência contemporânea na Hollywood pós-Trump. Parece que Hollywood tomou partido contra o Governo Trump e não faz nenhuma questão de esconder isso nos roteiros dos filmes. O laço entre EUA e México está presente em “Logan”.

Não chego a dizer, como alguns fizeram, que o filme foge da proposta original dos X-Men enquanto personagens, isso numa análise “filosófica” ou “política” das HQs. Existe uma espécie de conflito de perspectivas com os demais filmes da franquia, sem exatamente fugir da proposta original das personagens. É verdade que o roteiro de “Logan” ficou um tanto quanto “solto” se tentarmos enquadrá-lo dentro de uma sequência de roteiros. É certo que os filmes do Wolverine tem essa característica mais isolada, sem tanta comunicação com os demais filmes dos X-Men. Esse filme “Logan” aprofundou isso e rompeu de forma mais incisiva com a tendência dos roteiros dos outros filmes. Se bem que os X-Men nunca exibem uma perspectiva otimista, na verdade. Eles sempre estão em dificuldades e sofrem perseguições das mais variadas. É um grupo atípico de heróis. As HQs refletiam isso de diversas formas, a começar pelo subtítulo, que dizia que eles eram odiados por um mundo que prometeram proteger.

O maior conflito de perspectivas do roteiro de “Logan”, ao meu ver, é com o filme “X-Men: Dias de um Futuro Esquecido”, o segundo da nova franquia do grupo de mutantes. Tentar enquadrar “Logan” na tendência do segundo filme da nova franquia dos X-Men é frustrante. Não faz qualquer sentido. Se os Sentinelas deixaram de existir, era esperado que o futuro tivesse sido menos sombrio como o que foi mostrado em “Logan”. A estória de “Logan”, de forma um tanto surpreendente, tornou todo aquele esforço inútil.

O filme se passa num futuro não tão distante (2029), onde as coisas não deram tão certo para os mutantes liderados por Charles Xavier, agora nonagenário e precisando dos cuidados de Logan, inclusive para controlar seus poderes telepáticos em razão de uma doença neurodegenerativa. Logan ganha a vida fazendo serviços com uma limosine para poder comprar medicamentos para Xavier. Nisso tudo, entra na trama a garota X-23, Laura, pretendida por um grupo que caça mutantes em nome de uma empresa que faz pesquisas para desenvolver uma nova geração de mutantes, com o objetivo de usá-los como armas de guerra. O roteiro gira em torno disso, mas existem metáforas interessantes que apontam para um possível recomeço dos mutantes.

O destaque fica por conta da interpretação magistral dos atores. Hugh Jackman está mais convincente do que nunca no papel de Logan. Patrick Stewart está brilhante como sempre interpretando Charles Xavier. A jovem atriz que interpreta a mutante Laura, Dafne Keen, já nasceu uma estrela. O ator inglês Stephen Merchant dispensa comentários como o mutante “farejador” Caliban (o filme resgata esse termo, “farejador”, que já foi usado nos quadrinhos dos X-Men para se referir à função desempenhada por Rachel Summers, filha de Scott Summers e Jean Grey, num futuro alternativo, onde ela era usada pelos esquadrões que caçavam mutantes para rastreá-los e exterminá-los).

O filme tem uma perspectiva sombria sobre os projetos pacifistas de Charles Xavier, sendo bastante melancólico em relação a isso. O roteirista, James Mangold, que também é responsável pela direção do filme, não poupou esforços para retratar isso, numa atmosfera acima da média em termos de violência para os filmes da franquia X-Men, que talvez sejam os mais violentos produzidos pela Marvel.

“Logan” é um filme tão “adulto” quanto possível, paradoxalmente, se levarmos em conta a presença de atores infantis no filme. É um drama sobre o cansaço diante da vida, de um lado, e a esperança de dias melhores que nos mantém vivos, de outro lado. Nesse confronto dialético encontra-se o brilho do filme de James Mangold, onde a morte chega com gosto de redenção.

Deixe um comentário

Arquivado em Cinema, HQs

O dia em que Leandro Karnal “saiu do armário” em termos políticos

Jantar

Leandro Karnal, o filósofo/historiador midiático dotado de voz de padre, finalmente se revelou politicamente para quem nunca tinha percebido seu verdadeiro perfil político ao se encontrar para jantar com o juiz federal Sérgio Moro. Não seria demais afirmar que, até que enfim, Leandro Karnal “saiu do armário” em termos políticos. Eu não me surpreendi nem um pouco com a notícia. Diferentemente da “neutralidade” civilizada que apregoa o fingido Karnal, ele tem lado sim e o lado dele é o do dinheiro que ele ganha bancando o racional que a todos respeita. Posar ao lado do juiz federal Sergio Moro durante um jantar, onde inclusive projetos em comum foram discutidos, segundo o próprio Karnal, diz muito sobre quem ele realmente é.

Neste momento do país, onde Sérgio Moro é corretamente apontado como um juiz federal parcial e um dos maiores protagonistas do golpe de estado perpetrado contra Dilma Rousseff, estando inclusive denunciado na ONU pela defesa do presidente Lula como violador de direitos humanos, é realmente constrangedor ver um sujeito que ganhou notoriedade bancando o pensador racional e ético dar de ombros para todos os atos ilegais e denotativos de desvios de caráter praticados por Sérgio Moro.

Karnal assumiu de vez seu perfil de picareta interessado em ganhar dinheiro sem qualquer compromisso político com a luta contra o golpe de estado fomentado pela Lava Jato. Desconfio inclusive de cooptação, como algo que era o que faltava para ele assumir de vez o que sempre teve vontade de fazer. A imparcialidade de Leandro Karnal é a “imparcialidade” de Sérgio Moro.

Vendo a foto do jantar (acima), postada na página de Leandro Karnal no Facebook, inegável não perceber que ele ostenta na foto o sorriso de quem acabou de conversar sobre “grandes projetos” com o juiz do golpe. É o sorriso de quem está muito satisfeito com a situação no Brasil. Que diferença da postura do escritor Raduan Nassar.

Alguém do alto empresariado brasileiro que financia o golpe provavelmente bancou esse encontro. É uma estratégia de marketing político. Ajuda ambos os lados perante uma parcela da população. Favorece à causa de Moro, o juiz parcial, que tenta a todo custo condenar Lula, mesmo sem provas, e favorece à carreira de Leandro Karnal, que agora ampliará seu rol de admiradores ao atrair a presença ou atenção para a sua carreira dos reacionários que apoiam as ilegalidades da Lava Jato, os quais antes o viam como um filósofo defensor de ideias esquerdistas. Pelo visto,  Leandro Karnal vai agora palestrar para o público da Lava Jato sobre como violar direitos humanos em nome do combate à corrupção. Não pode esquecer, nas palestras, do tópico sobre como um estado de exceção vira algo palatável. Vai ser um “$uce$$o”. Karnal engordou um pouco mais o seu alto faturamento com essa jogada.

Karnal corria atrás de ganhar dinheiro com palestras para um público cada vez maior. Claro que uma pessoa assim não podia ter lado que não o do dinheiro. Um intelectual sério até pode dar palestras. Mas ele não faz disso o objetivo maior de sua vida profissional. Muito menos neutralizando o discurso para parecer “imparcial” politicamente. Essa foi a maior deixa para que Karnal jamais pudesse ser considerado exemplo de defensor de causas políticas que exigem uma tomada de posição. O que puder prejudicar os ganhos dele, ele abdica. É diferente de um palestrante como Lula, que deixa claro sua posição em termos políticos.

No caso do jantar com Sérgio Moro, a explicação pela opção, que normalmente implicaria perder uma parcela do público, a mais progressista e contrária aos arroubos ilegais e antidemocráticos da Lava Jato, é que ele retardou até onde pôde, isto é, até quando a realidade econômica permitiu. Deve ter feito uma análise mercadológica e viu, no atual cenário econômico do país, que era mais positivo para a carreira dele de palestrante, de onde ele certamente extrai a maior parte de sua renda, ficar do lado dos que apoiam Moro. Afinal, a classe trabalhadora viverá tempos de desemprego e de arrocho salarial daqui em diante. Qual o público que sobrará para as palestras dele? Claro que é o público que apoia incondicionalmente a parcial Lava Jato, formado pelos que bateram panela nas varandas dos apartamentos em favor do golpe de estado perpetrado com a Presidenta da República eleita, Dilma Rousseff.

De outra banda, incrivelmente passou despercebido por muita gente o fato do jantar ter acontecido exatos dois dias depois que o TRF da 4ª região, incorretamente, visando blindar o querelado, não recebeu a queixa-crime subsidiária proposta por Lula, Da. Marisa e filhos contra o juiz federal Sérgio Moro, relativa aos atos que ele praticou durante as investigações, como a condução coercitiva feita em franca violação à lei, as interceptações telefônicas ilegais, que culminaram na quebra criminosa do sigilo a partir das divulgações à imprensa, e à busca e apreensão determinada ao arrepio da lei, visando exclusivamente constranger Lula e família, proporcionando um espetáculo midiático com fins manifestamente políticos. Leandro Karnal definitivamente aderiu ao movimento golpista.O jantar entre ele e Moro não foi por acaso. Ele foi pensado estrategicamente. Não pode passar despercebido o relevante fato de que o evento aconteceu exatamente na época em que a queixa-crime subsidiária proposta por Lula e família contra Moro foi invalidamente rejeitada. O jantar, como se observa, tem esse efeito de mostrar solidariedade e apoio a Moro e à Lava Jato.

A atitude do filósofo/historiador careca com voz de padre atrás de rebanho não me surpreendeu em nada. Para mim ele nunca passou de um empresário tentando ficar rico ao difundir suas ideias. Não há qualquer compromisso político com a melhoria da situação do país. Karnal é um elitista que só quer ganhar dinheiro, mesmo que isso implique posar, anunciando amizade e parceria profissional, ao lado de um sujeito que até crime já cometeu no exercício da magistratura quando divulgou conversas gravadas em interceptações telefônicas das mais altas autoridades do país, além de fazer isso com as conversas privadas de Da. Marisa e filhos. Karnal merece ser criticado como um fingido interesseiro atrás de lucro.

Isso se os garotos da Virgínia não chegaram a lustrar a careca do filósofo/historiador com voz de padre para ele dar uma forcinha ao recruta mór na implementação do golpe de estado. Que me desculpem os politicamente corretos, mas é evidente que Leandro Karnal tem o típico perfil do gay enrustido terceiro mundista que sonha em ter o seu lugar ao Sol no Jet Set internacional. Moro tem know how nisso: Até em evento organizado pela revista americana Time já foi homenageado. Leandro Karnal está atrás disso. Em breve estará palestrando na Universidade de Columbia, como fez Sérgio Moro. Nada de novo no front.

São apenas subdesenvolvidos new riches sendo cooptados pelos grupos americanos. Eu sei há muito tempo que gente de origem pobre ou classe média sem consciência política que ascende na vida nunca teve a altivez nacionalista que se deve ter. Isso é coisa geralmente que, no Brasil, só gente de um certo padrão de vida e consciente politicamente tem. A história brasileira é marcada por essa característica. Os maiores nacionalistas brasileiros geralmente vêm da elite brasileira, isso quando adquirem a consciência política necessária. Ascendente social tem uma grande chance de ser colonizado e sem altivez.

Deixe um comentário

Arquivado em Direito e Justiça, Internet, Política

O erro da censura prévia a Bolsonaro na Hebraica de São Paulo

O deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) havia sido convidado pelo clube Hebraica de São Paulo para dar uma palestra. Um grupo de judeus brasileiros se mobilizou e redigiu um manifesto, colocando para que outros judeus o assinassem, se posicionando contra a presença de Bolsonaro na Hebraica e defendendo que ele fosse censurado previamente, ou seja, que fosse negado a ele o direito de falar naquele espaço.

Os motivos para a defesa da efetiva censura praticada contra Bolsonaro, de acordo com o que acusou o manifesto, são as supostas ideias que ele defende, tais como homofobia, machismo, racismo, defesa do regime militar brasileiro e da tortura etc. Os judeus que assinaram e redigiram o manifesto lembraram que judeus morreram no regime militar brasileiro (1964-1985), como Vladimir Herzorg, Iara Iavelberg, Ana Rosa Kucinski, Gerson Reicher e Chael Charles Schreier.

O assunto foi objeto de matéria da coluna do jornalista Ancelmo Gois no O Globo no dia de ontem. Bolsonaro respondeu à coluna com um vídeo em sua página no Facebook em que acusa uma perseguição da grande imprensa à sua pessoa pelo fato dele encontrar-se em segundo lugar nas pesquisas eleitorais para a corrida presidencial (chegou inclusive a acusar Gois de ser um “comunista mentiroso”, citando uma entrevista que ele deu em julho de 2009, onde falava que precisou da ajuda da KGB para se disfarçar na época do regime militar brasileiro).

Eu desaprovo a medida defendida no manifesto redigido contra a presença de Bolsonaro na Hebraica de São Paulo. O debate deve ser livre e sem censuras. Sou contra qualquer tipo de cerceamento, ainda mais quando Bolsonaro nega a ligação com ideias nazistas ou neonazistas. Ele tem o direito de expressar suas ideias. Considero errado o “desconvite”. Impedi-lo de falar na Hebraica é o mesmo que condená-lo sem que ele possa rebater as acusações. Sou terminantemente contra esse tipo de postura. Sou favorável ao debate livre e sem censuras prévias. Quem se sentir ofendido por alguma palavra de Bolsonaro sempre pode recorrer ao judiciário. Liberdade de expressão não significa irresponsabilidade pelo que se declara. Censura é atraso.

Bolsonaro vem negando todas as acusações de homofobia, racismo, misoginia etc. É no debate livre que se mostrará o quanto essa postura dele é uma farsa eleitoreira. Cerceando o contraditório, abre-se espaço para que mentiras ganhem ares de verdade. Quem tem razão no debate não precisa lançar mão de qualquer tipo de censura.

A ideia que se passa é a de que somente pessoas que se alinham à comunidade representada pelo Hebraica ou pelo manifesto redigido contra a presença de Bolsonaro é que podem falar na entidade. Isso é antidemocrático e cerceia a liberdade de expressão. A postura da Hebraica é antidemocrática e censura a liberdade de expressão. Bolsonaro tem o direito não só de expressar suas ideias como o de rebater as acusações feitas contra ele. Acusá-lo e negar a resposta no ambiente adequado, perante seus acusadores, é antidemocrático.

O manifesto defende claramente a censura e o cerceamento à livre circulação da informação, além de se colocar contra o contraditório e o direito de se defender de acusações. Isso era o que os militares brasileiros faziam durante a ditadura militar, a propósito. A Hebraica acabou de criar uma nova noção de.democracia: Aquela em que apenas se fala pessoas com quem a gente concorda antes. De quem a gente discorda, nem direito de se defender a gente concede. A gente simplesmente censura. “Democrático”, hein?

Neste ponto, concordo com Noam Chomsky. O debate deve ser livre e sem censuras. É necessário ouvir o que Bolsonaro tem a dizer. Até para criticá-lo com mais fundamentos. Quando você censura alguém, dar a ele um poder que ele não tinha. Quem assinou esse manifesto errou e errou feio. Defendeu censura como meio válido de impor ideias.

Além das previsíveis justificativas de que pessoas como Bolsonaro devem mesmo ser censuradas pelo que supostamente defendem, alguns defenderam o que foi feito alegando que, primeiro, a Hebraica não é um espaço público, é um clube, um espaço privado, portanto, e que não há obrigação de se permitir que alguém fale lá e, segundo, não haveria censura porque Bolsonaro pode falar em outros lugares.

Nenhum desses argumentos serve para afastar a efetiva censura prévia observada neste caso. Todo espaço onde pessoas públicas são convidadas a falar se torna um espaço público de debate, onde a liberdade de expressão deve ser respeitada. Ademais, a ideia de eficácia dos direitos humanos fundamentais em espaços privados é de longa data defendida. Não basta mais contrapor a ação do Estado às liberdades fundamentais. É preciso exigir que os direitos humanos sejam também observados nas relações privadas. O professor Daniel Sarmento, da UERJ, tem brilhante tese de doutorado sobre o assunto. Chama-se “Direitos Fundamentais e Relações Privadas”, tese de Doutorado em Direito Público, defendida na UERJ em junho de 2003 e que foi lançada em livro pela Editora Lumen Juris.

Se isso não for assim, poderia até se defender que, por exemplo, numa assembleia de um condomínio, as pessoas poderiam ter suas palavras cassadas porque não é um espaço público. O veto dado pela maioria, neste caso, não encontra abrigo na Constituição Federal. É claramente um cerceamento da liberdade de expressão. A liberdade de expressão não pode ser cerceada, sob hipótese alguma, muito menos sob a alegação de que é a maioria quem defende o cerceamento numa dada circunstância. O “voto da maioria”, neste caso, não torna válido o cerceamento à liberdade de expressão. A liberdade de expressão não é um direito sindicável, isto é, que pode ser cassado pelo “voto da maioria”, é o que eu quero dizer.

Ainda que se argumente que o direito de Bolsonaro se expressar, neste caso, dependeria de um convite prévio, que a Hebraica não tem obrigação de deixá-lo falar, apesar disso ser verdadeiro, o fato é que houve esse convite antes e, depois, em razão dos protestos de um grupo de judeus brasileiros, houve o desconvite.

Ainda que não houvesse o convite prévio, não se poderia dizer que não houve censura, pois é claro que há censura prévia quando se proíbe alguém previamente de falar num determinado espaço em razão das supostas ideias que defende, ideias que Bolsonaro inclusive nega que defende. Em suma, afirmar que o espaço é privado e a Hebraica convida quem ela quiser, não significa que deixou de haver censura, ao contrário, isso apenas reforça a censura, pois deixa claro que Bolsonaro não atende ao perfil dos que podem falar na Hebraica.

O segundo argumento, o que de que não houve censura porque Bolsonaro pode falar em outros lugares, ele tem outros espaços para falar, é completamente inválido e não afasta a efetiva censura prévia praticada contra Bolsonaro na Hebraica.

É claro que há censura prévia em desconvidar. O fato dele poder falar em outros lugares e espaços não significa que não houve censura prévia na Hebraica, pois é óbvio que houve. Se a possibilidade de se falar em outro lugar retirasse a censura, ninguém mais seria censurado. Imagine uma notícia ser censurada num jornal e alguém dizer: “não há censura porque você sempre pode publicar em outro lugar”. Não vinga, evidentemente. Houve efetiva censura a Bolsonaro por parte da Hebraica e de quem assinou o manifesto.

E eu não vou nem me aprofundar muito no mérito da hipocrisia do manifesto: O judaísmo e o sionismo praticam e defendem muitas das ideias que o manifesto acusou que o deputado federal Jair Bolsonaro defende, muitas das ideias que ele inclusive nega que defende, como homofobia, racismo, machismo etc.

O sionismo, por exemplo, é todo ele baseado numa ideia fundamentalmente racista, a ideia de um Estado baseado numa etnia ou raça. A propósito do racismo na sociedade israelense, ele não se volta apenas contra os palestinos. Existem várias denúncias dando conta do racismo praticado contra uma minoria étnica de judeus etíopes, os falashas. Eles viveriam em “isolamento étnico” dentro de Israel, de acordo com o antropólogo franco-sinegalês Tidiane Ndiaye, que escreveu o livro “Os Falachas, Negros Errantes do Povo Judeu” (sic).

Sobre a defesa da tortura no regime militar, seria muito interessante Bolsonaro confrontar os sionistas citando a tortura efetivamente praticada pelos órgãos de segurança israelenses, como o Shin Bet. Ou seja, seria muito interessante Bolsonaro usar como exemplo da “validade” da tortura o uso que Israel efetivamente faz dela. Sobre isso os sionistas se calam, convenientemente. É por essas e por outras que o debate deve ser livre. Muita coisa poderia ser dita por Bolsonaro nesse debate.

Só para citar outro aspecto da discussão, Israel criou um regime que é acusado de ser parecido com o Apartheid em relação ao tratamento que é dispensado aos palestinos residentes nos territórios ocupados. Muita gente acusa Israel de praticar racismo institucionalizado contra os palestinos.

Sobre a homofobia defendida pela religião judaica ou pelo menos por interpretações do judaísmo, em julho de 2015, um judeu ortodoxo esfaqueou seis pessoas numa parada gay em Jerusalém. Ele inclusive matou uma menina de 16 anos, depois de esfaqueá-la pelas costas, durante essa parada gay realizada em Jerusalém. Detalhe: Ele já tinha esfaqueado outras pessoas antes e tinha inclusive cumprido pena por isso. Saiu e foi esfaquear de novo. Dessa vez com vitimas fatais. Em outras palavras, o judaísmo parece defender ideias homofóbicas.

Que o judaísmo é machista, isso está fora de discussão. São inúmeras as regras que estabelecem uma submissão feminina ao homem. Há alguns anos, ficou conhecido o caso de uma judia de Nova Iorque, chamada Gital Dodelson, casada com um membro de uma conhecida família de rabinos, Avrohom Meir Weiss, que precisou fazer campanha na imprensa local para obter um “passe-livre” do marido para se casar novamente, pois a religião judaica não permite que a mulher se case novamente sem essa autorização do homem. Chama-se “get” em inglês (o ato de obter a autorização) e “agunah” em hebraico, palavra que significa, metaforicamente, a mulher que está “acorrentada” ao homem, por assim dizer, e não pode se casar novamente sem que ele autorize, isso pelas regras da religião judaica. Escrevi sobre o caso em minha timeline do Facebook na época.

Ou seja, se for verdade o que acusaram em Bolsonaro, capaz até de não existir lugar melhor para ele falar do que uma entidade que defende ideias e valores defendidos pelo judaísmo e pelo sionismo ou que pelo menos tem entre seus associados pessoas que defendem tais ideias e valores. Está tudo lá: Machismo, racismo, homofobia, defesa da efetiva prática de tortura etc. O judaísmo (machismo e homofobia, especificamente, existindo acusações de que também defende racismo quando proíbe os casamentos entre judeus e não-judeus) e o sionismo (racismo e tortura, especificamente) defendem tudo isso, cada qual ao seu modo.

3 Comentários

Arquivado em Liberdade de Expressão, Política