Arquivo do mês: janeiro 2018

As relações entre Política e Guerra: alguns aspectos positivos e negativos e o caso do Brasil

A última moda linguística, tanto na Internet quanto fora dela, é chamar as pessoas de “guerreiras”. É “guerreiro” para lá e “guerreira” para cá. O termo tem uma conotação aparentemente positiva, significando a pessoa empenhada em lutar pelos seus direitos ou por melhorias na sociedade em geral. O uso da palavra traz ínsita a noção de que a arena política tem muito de uma arena de guerra. A política é a guerra por outros meios, ditos civilizados. Os mesmos conflitos de interesses que levam a uma guerra continuam presentes na política. Isso é uma constatação objetiva que, como em tudo na vida, tem os seus aspectos positivos e negativos.

É positiva a substituição da guerra pela política porque se abre mão das armas e das mortes em massa na hora de resolver conflitos de interesses. Foi mais ou menos o mesmo sentimento que levou à criação do Poder Judiciário para ser o terceiro imparcial que iria resolver os conflitos entre os cidadãos com base na lei, impedindo que as pessoas aderissem à violência para resolver os seus litígios. Toda a história da construção dos Estados e das relações sociais é marcada pelo objetivo de abandonar a violência como meio válido de resolução dos conflitos.

O aspecto negativo é que, por mais que exista um esforço para impedir o clima de guerra entre as partes envolvidas numa determinada disputa, ele nunca é totalmente dissolvido ou afastado. O clima beligerante sempre se fará presente e influenciará comportamentos, atitudes e ações. A questão é que, apesar de ser normal essa animosidade beligerante, pelo menos até certo ponto, o fato é que não se pode violar certas regras éticas e legais, que são o que garantem que a disputa não assuma ares destrutivos, como acontece numa verdadeira guerra, onde o inimigo deve ser eliminado.

O que acontece atualmente no cenário político brasileiro evidencia esse aspecto negativo muito bem. O golpe de estado dado por Michel Temer et caterva e as reformas antipopulares do seu governo golpista são praticamente “atos de guerra”, se considerarmos a reação violenta que lhes é intrínseca a toda uma política mais democrática e voltada ao combate à desigualdade social.

Também é possível detectar esse clima de guerra inerente à Política no uso distorcido do Poder Judiciário como arma estratégica e muito eficiente de ataque aos adversários políticos, como o tipo de ação judicial perpetrada pela Lavajato, onde Lula é a principal vítima.

O termo em inglês para esse tipo de atuação ilegítima do Poder Judiciário é “lawfare”, que basicamente significa o uso distorcido do Direito, entendido como o ordenamento jurídico, e do aparato judicial como verdadeiros instrumentos ou armas que devem ser usados para atacar adversários ou inimigos políticos. Esse uso distorcido do Direito e do aparato judicial sempre estará a serviço de determinados interesses políticos e econômicos.

O lawfare atualmente, no cenário internacional e dentro das disputas que existem, assume características de uma estratégia oficial de guerra, encampada por muitos países, principalmente os EUA, que são pioneiros em usar o aparato jurídico-normativo e judicial para atacar quem venha a ser considerado adversário ou inimigo político.

O lawfare é hoje uma das maiores ameaças ao Estado Democrático de Direito porque ele implica uma nefasta distorção dos objetivos e da própria natureza do Direito e do Poder Judiciário. Noções como imparcialidade do juízo, aplicação correta da lei, investigações sérias, que não forjam provas, tudo isso fica gravemente comprometido.

O pior nesse tipo de situação é que o ataque político ilegítimo, perpetrado por meio dos sistemas oficiais de justiça, praticamente funciona como uma blindagem a todo tipo de injustiça, passando-se por algo aceitável simplesmente porque a ação parte dos órgãos oficiais do Estado, com tudo sendo feito aparentemente dentro do que está previsto em lei.

O golpe de estado no Brasil, que é considerado muito sofisticado por analistas políticos internacionais, está impregnado dessas características. Eles usaram uma possibilidade prevista na lei para forjar uma acusação de crime de responsabilidade e, dessa forma, tomarem o poder por meio de um golpe parlamentar.

É a tentativa de constitucionalizar um golpe de estado, estratégia que, como se viu, é muito eficiente quando se tem poder para implementá-la. No caso do Brasil, foi mais fácil de executar esse tipo de golpe porque, paradoxalmente, a Constituição brasileira tende a abrir espaço para esse tipo de ação ilegítima do parlamento. De certa forma, a Constituição brasileira abriga esse tipo de iniciativa golpista. É como se o golpe fosse uma possibilidade real admitida pela Constituição.

Isso fica claro quando a atuação do Parlamento no processo de impeachment é soberana e não se submete a nenhum tipo de controle popular. O povo é completamente alijado do processo de impeachment. O Poder Judiciário somente exerce um controle superficial das ações do Parlamento, podendo verificar, no máximo, se os ritos e procedimentos foram cumpridos. O Judiciário não está, por exemplo, autorizado a entrar no mérito de uma decisão do Parlamento tomada no processo de impeachment. Por mais que a a decisão do Parlamento esteja desprovida de provas e sem amparo em lei, não há nada que se possa fazer.

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Arquivado em Direito e Justiça, Política