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Senado Federal pode impedir Dilma de ser afastada do cargo

O processo de impeachment é claríssimo: à Câmara dos Deputados compete editar o que a lei chama de “decreto de acusação”, que surge quando o parecer da comissão especial, que eventualmente acate os fundamentos da petição do impeachment protocolado por qualquer do povo, é aprovado pelo plenário, em votação nominal, onde cada deputado é chamado pelo nome para votar abertamente (nada de voto secreto, já que a democracia exige que se dê a cara à tapa).

Nessa linha, o decreto de acusação é o que é: uma acusação formal proferida pela Câmara dos Deputados contra o primeiro mandatário da nação. O efeito imediato disso é o afastamento do presidente da república do cargo em até 180 dias, DESDE QUE O SENADO, que é o órgão que julga em definitivo o mérito do pedido de impeachment, RECEBA O DECRETO DE ACUSAÇÃO E DÊ CONTINUIDADE AO PROCESSO.

Aliás, a própria Constituição Federal diz que a suspensão do presidente da república só se dá a partir da instauração do processo no Senado Federal, art. 86, § 1º, inciso II, o que significa que a Lei nº 1.079/1950 não vigora mais quando diz, no § 5º do art. 23, que o mero decreto de acusação editado pela Câmara dos Deputados tem o efeito de automaticamente suspender do exercício das funções do cargo o presidente da república. Esse dispositivo da lei do impeachment não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e foi revogado em razão da redação do inciso II do § 1º do art. 86 (não há inconstitucionalidade, neste caso, pois a lei é anterior ao novo texto constitucional, existindo apenas uma mera revogação, segundo entendimento do STF em relação ao que acontece com leis anteriores à nova Constituição Federal e que com ela sejam incompatíveis). A suspensão da presidenta da república do exercício das funções do cargo somente acontecerá caso o Senado Federal efetivamente receba a denúncia, devendo ser interpretado o art. 24 da Lei nº 1.079/1950 à luz do inciso II do § 1º do art. 86 da Constituição Federal.

Isso é assim porque se aplica subsidiariamente ao processo de impeachment as regras do Código de Processo Penal. Como a Câmara dos Deputados funciona como órgão de acusação (equivalente ao Ministério Público no processo penal), o decreto que ela edita é formalmente a denúncia contra o presidente. E o juiz, no caso, o Senado Federal, a exemplo do juiz de direito que atua em processos penais, pode INDEFERIR a denúncia, não acatá-la, conforme previsto nos arts. 395 e 396 do Código de Processo Penal, repita-se, de aplicação subsidiária ao processo de impeachment por expressa previsão legal, art. 38 da Lei nº 1.079/1950.

Portanto, o fato, isto é, o afastamento da presidenta da república após a edição do decreto de acusação por parte da Câmara dos Deputados, não é nem pode ser considerado consumado, pois sujeito ao endosso do órgão julgador, que é o Senado Federal. Quando o art. 24 da Lei nº 1.079/1950 fala em “recebida a denúncia”, não significa que isso tem que acontecer, em todo e qualquer caso. Ao Senado Federal é dado sim o direito, enquanto órgão julgador, de INDEFERIR LIMINARMENTE O DECRETO DE ACUSAÇÃO, sob pena de dizer que o órgão julgador não pode, ao se deparar com um decreto de acusação completamente inepto e sem justa causa para instaurar o processo, deixar de dar início a um processo de impeachment que não deveria existir desde o primeiro momento.

O Senado Federal não está obrigado a receber o decreto de acusação se entender que a denúncia não deve ser acatada pela falta dos requisitos legais. O golpe pode e deve ser afastado a qualquer momento pelo Senado Federal.

O argumento que alguns andam defendendo, qual seja, de que existiria um fato consumado do afastamento da presidenta da república a partir da edição do decreto de acusação por parte da Câmara dos Deputados, é inclusive ruim pela evidente contradição que lhe é inerente: se fosse verdade que estaríamos diante de um fato consumado, em virtude da desmobilização do governo acusado e da formação de um novo governo, sequer teríamos que levar em consideração a decisão do Senado Federal que apreciasse o mérito do pedido, pois, em havendo absolvição, todo o novo governo teria que ser igualmente desmobilizado. A questão é que não temos que aceitar que uma acusação inepta ou sem justa causa para instaurar o processo de impeachment gere tantos prejuízos se ela pode ser indeferida de plano. Se pode desfazer a acusação ao final, no prazo de 180 dias, é óbvio que se pode fazer isso desde o momento em que o decreto de acusação chegue ao Senado Federal.

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Arquivado em Direito e Justiça, Política