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Formação da comissão especial do impeachment não tem amparo no regimento interno da Câmara dos Deputados

É importante perceber e notar como Eduardo Cunha age e pensa, onde este caso da eleição da comissão especial do impeachment mais uma vez ilustra isso. Cunha se movimenta nas sombras dos dispositivos legais, sempre manipulando o texto legal. É uma tática positivista imediata essa, a interpretação rasa e literal da lei, de forma manipulada, ocasionando ilegalidade. Cunha é um caso sui generis que mostra o quanto as normas podem ser manipuladas para atender a interesses escusos. Ele coloca todo mundo em polvorosa. Tudo o que ele faz é da caso pensado e calculado. Cada vez mais eu fico perplexo como funciona o cérebro desse sujeito.

Veja o que diz a Lei nº 1.079/1950, em seu art. 19:

Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma.

Diante desse texto, surge logo a primeira dúvida: quem receberá a denúncia? Veja que a lei não especifica que é o presidente da Câmara, mas aí o regimento interno do órgão diz, em seu art. 218, § 2º, que é o presidente.

Depois vem o trecho que diz que a denúncia será lida e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de TODOS os partidos para opinar sobre a denúncia (dizer se tem fundamento ou se não é capaz de sustentar uma acusação de prática de crime de responsabilidade por parte do presidente da república).

E é exatamente neste ponto que entra a artimanha de Eduardo Cunha, a movimentação nas sombras da lei, dando uma aparente feição de legalidade aos atos que ele pratica.

Ao invés de receber a lista dos deputados indicados pelos respectivos líderes dos partidos políticos, obedecida a proporcionalidade, que é a forma prevista para a formação das comissões permanentes e temporárias da Câmara dos Deputados, de acordo com o arts. 10, inciso VI, e 33, inciso I e § 1º, do regimento interno da Câmara dos Deputados, e assim “eleger” a comissão especial do impeachment,  Cunha criou uma esdrúxula possibilidade de concorrência entre chapas avulsas, onde a proporcionalidade é obedecida, mas não configura aquela indicada pelos líderes dos partidos na Câmara.

Na verdade, o presidente tão-somente designa os indicados pelos líderes dos partidos com representação na Câmara dos Deputados para compor a comissão especial do impeachment, que é um tipo de comissão temporária, sendo dos líderes o ato que poderia ser classificado como “eleição”, até mesmo porque a Constituição Federal, em seu art. 58, diz  no caput que “O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação”. A rigor, não há eleição de qualquer espécie, pois a formação das comissões temporárias e permanentes deve obedecer, de acordo com o caput do art. 58 da Constituição Federal, o disposto no regimento interno de cada uma das Casas Legislativas, quais sejam, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados. E o regimento interno da Câmara dos Deputados prevê que a formação da comissão especial se dará por escolha dos líderes dos partidos, como dito anteriormente.

No entanto, de acordo com a interpretação feita por Eduardo Cunha, cada subgrupo dos partidos teria autonomia para formar as chapas que irão concorrer na eleição. Foi aí que surgiram duas chapas: uma, com 39 nomes e outra, com 47 nomes. Ou seja, essa chapa é “eleita”, como diz a lei, para formar a comissão especial do impeachment, aparentemente de acordo com o que diz o art. 19 da Lei nº 1.079/1950.

Mas a pergunta é: isso é certo? Claro que não! A comissão deve ser formada de acordo com a indicação dos líderes dos partidos, sob pena de violação do princípio democrático e do que dispõe o caput do art. 58 da Constituição Federal, que diz que as comissões serão formadas de acordo com as disposições regimentais. Veja que os 39 primeiros deputados eleitos para compor a comissão especial, em que pese pertencerem a diversos partidos, são majoritariamente formados por deputados favoráveis ao impeachment.

E de onde surge o vício que proporciona que isso aconteça? Não tenha dúvidas: surge da cabeça de Cunha, que escolhe o procedimento, baseado no espaço interpretativo concedido pelas palavras “eleita” e “proporção” inseridas no art. 19 da Lei nº 1.079/1950.

Eu entendo que a regra da chapa avulsa, construída por subgrupos partidários, é uma burla à lei e à Constituição Federal. Penso que a finalidade do dispositivo constitucional NÃO é essa. O procedimento de escolha da comissão especial previsto na Constituição Federal e especificado no regimento interno da Câmara dos Deputados, descartando a superada e revogada redação do art. 19 da Lei nº 1.079/1950 quanto ao ponto da formação da comissão especial, é muito mais simples e consiste basicamente em que a comissão especial reproduza, a exemplo de uma amostra estatística, de forma proporcional, a representação partidária dos deputados federais existentes na Câmara. Nada de concorrência de chapas entre si. Isso é fraudar a lei e a Constituição Federal e permitir o que aconteceu: uma chapa de 39 deputados, majoritariamente favoráveis ao impeachment, a.k.a. golpe.

Se a comissão deve ter 65 integrantes, esses devem ser colhidos de forma proporcional junto às bancadas partidárias. Cunha viu na palavra “eleição” espaço para o que foi feito. Como a oposição está com mais votos, elege-se uma comissão majoritariamente favorável ao golpe, apesar de respeitada a proporcionalidade prevista em lei. Claro, escolheu-se uma chapa somente entre os favoráveis ao golpe, ora.

Isso é burlar o equilíbrio e a imparcialidade que brota do texto legal. A lei fala em proporcionalidade, mas não uma proporcionalidade previamente dirigida em termos de opinião política quanto ao pedido de impeachment, que é o que foi feito. Quem deveria indicar os representantes de cada partido eram os líderes das bancadas. Essa é a única “eleição” cabível e não outra, muito menos uma concorrência entre chapas avulsas, como foi feito.

Como se viu, a Constituição Federal de 1988 não estabeleceu a regra a ser aplicada para a formação das comissões permanentes e temporárias. A Carta Política brasileira apenas disse que as regras seriam as indicadas no respectivos regimentos internos de cada Casa Legislativa. E o regimento interno da Câmara dos Deputados diz que a formação das comissões temporárias e permanentes segue as indicações dos líderes dos partidos políticos.

Entendo que esse deveria ser o procedimento de formação da comissão especial de impeachment, inclusive com base no art. 10, inciso VI¹, e 33, inciso I e § 1º², do regimento interno da Câmara dos Deputados. A aplicação do art. 33, inciso I e § 1º, se dá ainda que por analogia. Essa eleição para escolher entre chapas avulsas não tem qualquer amparo normativo no regimento interno da Câmara dos Deputados.

1 – Art. 10. O Líder, além de outras atribuições regimentais, tem as seguintes prerrogativas:

(…)

VI – indicar à Mesa os membros da bancada para compor as Comissões, e, a qualquer tempo, substituí-los.

2 – Art. 33. As Comissões Temporárias são:
I – Especiais;
(…)

§ 1º As Comissões Temporárias compor-se-ão do número de membros que for previsto no ato ou requerimento de sua constituição, designados pelo Presidente por indicação dos Líderes, ou independentemente desta se, no prazo de quarenta e oito horas após criar-se a Comissão, não se fizer a escolha.

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