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A despedida de Hugh Jackman do papel que o consagrou em “Logan”

Assisti ao filme “Logan” ontem de noite, a despedida do ator Hugh Jackman no papel do mutante Wolverine, que o consagrou. Gostei dos resultados. O filme é cheio de referências para quem é próximo aos quadrinhos dos X-Men. Caliban, o mutante albino, personagem clássica dos Morlocks, a comunidade formada por mutantes renegados que viviam nos subterrâneos de Nova Iorque, a personagem que uma vez raptou Kitty Pride para se casar com ela, faz uma ponta.

O filme é um tanto quanto pessimista, apesar do tom mais uma vez político que aparece nas entrelinhas, uma vez que a mutante X-23, a garota Laura Kinney ou Laura Howlett, que possui os poderes parecidos com os do Wolverine, é filha de uma mãe mexicana. Essa parece ser uma tendência contemporânea na Hollywood pós-Trump. Parece que Hollywood tomou partido contra o Governo Trump e não faz nenhuma questão de esconder isso nos roteiros dos filmes. O laço entre EUA e México está presente em “Logan”.

Não chego a dizer, como alguns fizeram, que o filme foge da proposta original dos X-Men enquanto personagens, isso numa análise “filosófica” ou “política” das HQs. Existe uma espécie de conflito de perspectivas com os demais filmes da franquia, sem exatamente fugir da proposta original das personagens. É verdade que o roteiro de “Logan” ficou um tanto quanto “solto” se tentarmos enquadrá-lo dentro de uma sequência de roteiros. É certo que os filmes do Wolverine tem essa característica mais isolada, sem tanta comunicação com os demais filmes dos X-Men. Esse filme “Logan” aprofundou isso e rompeu de forma mais incisiva com a tendência dos roteiros dos outros filmes. Se bem que os X-Men nunca exibem uma perspectiva otimista, na verdade. Eles sempre estão em dificuldades e sofrem perseguições das mais variadas. É um grupo atípico de heróis. As HQs refletiam isso de diversas formas, a começar pelo subtítulo, que dizia que eles eram odiados por um mundo que prometeram proteger.

O maior conflito de perspectivas do roteiro de “Logan”, ao meu ver, é com o filme “X-Men: Dias de um Futuro Esquecido”, o segundo da nova franquia do grupo de mutantes. Tentar enquadrar “Logan” na tendência do segundo filme da nova franquia dos X-Men é frustrante. Não faz qualquer sentido. Se os Sentinelas deixaram de existir, era esperado que o futuro tivesse sido menos sombrio como o que foi mostrado em “Logan”. A estória de “Logan”, de forma um tanto surpreendente, tornou todo aquele esforço inútil.

O filme se passa num futuro não tão distante (2029), onde as coisas não deram tão certo para os mutantes liderados por Charles Xavier, agora nonagenário e precisando dos cuidados de Logan, inclusive para controlar seus poderes telepáticos em razão de uma doença neurodegenerativa. Logan ganha a vida fazendo serviços com uma limosine para poder comprar medicamentos para Xavier. Nisso tudo, entra na trama a garota X-23, Laura, pretendida por um grupo que caça mutantes em nome de uma empresa que faz pesquisas para desenvolver uma nova geração de mutantes, com o objetivo de usá-los como armas de guerra. O roteiro gira em torno disso, mas existem metáforas interessantes que apontam para um possível recomeço dos mutantes.

O destaque fica por conta da interpretação magistral dos atores. Hugh Jackman está mais convincente do que nunca no papel de Logan. Patrick Stewart está brilhante como sempre interpretando Charles Xavier. A jovem atriz que interpreta a mutante Laura, Dafne Keen, já nasceu uma estrela. O ator inglês Stephen Merchant dispensa comentários como o mutante “farejador” Caliban (o filme resgata esse termo, “farejador”, que já foi usado nos quadrinhos dos X-Men para se referir à função desempenhada por Rachel Summers, filha de Scott Summers e Jean Grey, num futuro alternativo, onde ela era usada pelos esquadrões que caçavam mutantes para rastreá-los e exterminá-los).

O filme tem uma perspectiva sombria sobre os projetos pacifistas de Charles Xavier, sendo bastante melancólico em relação a isso. O roteirista, James Mangold, que também é responsável pela direção do filme, não poupou esforços para retratar isso, numa atmosfera acima da média em termos de violência para os filmes da franquia X-Men, que talvez sejam os mais violentos produzidos pela Marvel.

“Logan” é um filme tão “adulto” quanto possível, paradoxalmente, se levarmos em conta a presença de atores infantis no filme. É um drama sobre o cansaço diante da vida, de um lado, e a esperança de dias melhores que nos mantém vivos, de outro lado. Nesse confronto dialético encontra-se o brilho do filme de James Mangold, onde a morte chega com gosto de redenção.

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“X-Men: Dias de um Futuro Esquecido” é o ótimo retorno dos mutantes ao cinema

xman CartazSegue texto de minha autoria originalmente publicado no site do Jornal GGN na data de 25/05/2014.

“X-Men: Dias de um Futuro Esquecido” é o ótimo retorno dos mutantes ao cinema

Assisti ontem ao filme “X-Men: Days of Future Past” (“X-Men: Dias de um Futuro Esquecido”, no título brasileiro). Fiquei muito satisfeito com a adaptação da clássica HQ americana da Marvel do início dos anos 80 (lançada no Brasil em 1986, na antiga revistinha Superaventuras Marvel, da Editora Abril), criada por Chris Claremont e John Byrne, última parceria de ambos no comando das histórias em quadrinhos dos X-Men, depois de anos de sucesso e de uma conturbada parceria. Os dois discordavam muito dos destinos das personagens de X-Men e isso foi determinante para que o desenhista Byrne abandonasse o título dos X-Men e passasse os próximos cinco anos revolucionando o Quarteto Fantástico (ficou responsável pelos desenhos e pelos roteiros das HQs). A ideia essencial da versão original foi preservada, que é a tentativa de alterar o curso da história, mantendo um certo suspense sobre isso e uma certa indecisão.

A peculiaridade desse novo filme da nova franquia dos X-Men está na direção de Bryan Singer, que cria links com os primeiros filmes dos X-Men, principalmente os dois primeiros que foram por ele dirigidos, isso no início dos anos 2000. O filme é muito bom. Possui uma competente direção de Singer, que prova que detém pleno domínio sobre as personagens e o universo das HQs dos X-men. É uma cineasta talentoso na construção das cenas. Ninguém é melhor do que ele para recriar o universo dos X-Men. Ele domina a linguagem, conhece as personagens, os dramas existenciais que marcam cada uma delas. É um craque. Mantém o clima impactante do primeiro filme da nova franquia, “X-Men: First Class”, indo um pouco além com as cenas de um futuro sombrio dominado pelos super-robôs Sentinelas.

A participação dos atores da primeira franquia de X-Men, além dos que interpretam os novos mutantes que são apresentados no filme, como os mutantes do futuro, deu uma força extra ao filme. Hugh Jackman está muito bem, como sempre, no papel de Wolverine, assim como Patrick Stewart e Ian McKellen, respectivamente, nos papeis de Charles Xavier (Professor X) e Erik Lehnsherr (Magneto) mais velhos. Destaque também para a participação de atrizes como Ellen Page, que interpreta a mutante Kitty Pride, responsável pela viagem no tempo de Wolverine, e Halle Berry, que interpreta a mutante Tempestade. Os novos mutantes apresentados, todos no futuro, são Blink, interpretada pela atriz Fan Bingbing, com poderes de manipular dimensões, teletransportando pessoas e objetos, um mutante brasileiro superpoderoso chamado Roberto da Costa, o Mancha Solar, com capacidade de absorção de energia solar, o que o faz deter grande força bruta e emitir rajadas de energia, detendo inclusive poder de vôo, Apache, um descendente de índios americanos com força sobrehumana, sentidos aguçados, velocidade, agilidade e vigor, e Bishop, um mutante com a capacidade de absorver e re-canalizar a energia. Ao lado desses, atuam os veteranos Collossus, cujo poder está em transformar o corpo em aço orgânico quase indestrutível, e Homem de Gelo, que tem o poder de manipular a temperatura, gerando rajadas de gelo.

Ao lado desses personagens, também merece menção a ótima interpretação de Peter Dinklage, o anão Tyrion Lannister de “Game of Thrones”, que interpreta o cientista obcecado por mutantes, Bolívar Trask, criador dos super-robôs Sentinelas, capazes de detectar mutantes. Trask, antes de ser um mero odiador de mutantes, é um profundo admirador das suas capacidades. No entanto, influenciado pela tese de doutorado de Charles Xavier, defendida em Oxford, como mostrou “X-Men: First Class”, enxerga nos mutantes uma ameaça real ao homo sapiens, assim como estes foram uma ameaça que se concretizou contra o homo neanderthalensis. Evitar que a situação chegue a este ponto é o objetivo de Trask.

Mas o protagonismo da trama ainda ficou concentrado nos atores que estrelam a nova franquia desde First Class, quais sejam, o brilhante ator escocês James McAvoy, que interpreta Charles Xavier jovem, o excelente ator alemão Michael Fassbender, que interpreta Magneto mais jovem, o competente ator inglês Nicholas Hoult, que interpreta Hank McCoy, o Fera, e a impressionante jovem atriz americana Jennifer Lawrence, perfeita como Raven ou Mística, de certa forma, a personagem central de “X-Men: Dias de um Futuro Esquecido” (na versão original da HQ ela já tinha o protagonismo também presente na versão do cinema).

Participação brilhante teve o ator Evan Peters, que interpreta o mutante Pietro Maximoff, cujo codinome mutante é Mercúrio, que detém o poder da supervelocidade. As cenas que ele interpreta estão entre as melhores do filme.

“X-Men: Dias de um Futuro Esquecido” é a clássica estória de um plano dramático, traçado para alterar o curso dos fatos programados para acontecer de uma determinada forma e que redundam numa realidade que se quer evitar, tudo isso diante do risco iminente da extinção certa. O plano é implementado como último recurso desesperado de um grupo de mutantes sobreviventes que vivem, no futuro, escondidos dos Sentinelas, que caçam mutantes, exterminando-os ou aprisionando-os, assim como os humanos normais também começam a ser vítimas dos Sentinelas, pois eles podem gerar novos mutantes a partir de seus genes. Os mutantes que formam uma espécie de resistência são liderados por Charles Xavier e Magneto.

É a luta de sempre entre o que oprime e o oprimido. É uma reflexão sobre as razões que as partes têm para levar seus interesses adiante, a qualquer custo. E do quanto nossas ações podem ter consequências nefastas, mesmo quando são tomadas supostamente para criar efeitos positivos ou benéficos, para proteger interesses legítimos quando nos encontramos em determinadas situações.

O principal interesse de “X-Men: Dias de um Futuro Esquecido” está na redenção da humanidade na superação de suas fraquezas, que podem ser usadas até em seu favor se encaradas de frente, assim como também está no reconhecimento da natureza humana nos momentos de maior adversidade e na certeza de que nem tudo pode ser tomado como certo e acabado. Afinal, sempre existe algo que pode mudar o curso da história no momento decisivo e esse algo é a capacidade de tomarmos a decisão certa quando chegar o momento certo. O filme tem uma proposta um tanto otimista, apesar das dificuldades que a realidade invariavelmente apresenta.

São esses temas que estão presentes no roteiro brilhante de “X-Men: Dias de um Futuro Esquecido”, onde o drama da existência está simbolizado na luta dos mutantes pela sobrevivência de toda a espécie humana, da qual eles seriam uma denominada “evolução” genética, mas, no entanto, não deixam de vivenciar e exprimir os mais básicos e singelos valores da humanidade. Os mutantes estão no filme para demonstrar que evoluir não significa negar a humanidade que lhes é intrínseca.

PS: Dica: Quem for ao cinema ver o filme deverá ficar na cadeira até o término dos créditos. Quem sair antes, perderá a última cena, que passa depois dos créditos, que é introdução do próximo filme da nova franquia dos X-Men, previsto para ser lançado em 2016. O título já anunciado por Bryan Singer, que será o produtor, co-roteirista e diretor, é “X-Men: Apocalypse”, título que fez menção a uma conhecida saga dos X-Men das HQs, “A Era do Apocalypse”. A sugestão do roteiro de “X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido”, da forma como eu entendi essa última cena, é a de que os fatos ocorridos neste filme geraram uma espécie de efeito colateral na escala do tempo.

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