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STF não esclareceu o procedimento de formação da comissão especial do impeachment

Falando sobre o julgamento histórico de hoje no STF da Medida Cautelar (MC) na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 378, na qual se discute a validade de dispositivos da Lei 1.079/1950 que regulamentam o processo de impeachment de presidente da República, proposta pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), com o objetivo específico de definir o rito a ser adotado no processo de impeachment, para mim não ficou claro qual o procedimento de formação da comissão especial. A indicação é feita pelos líderes dos partidos ou blocos parlamentares, mas por que então se fala em votação aberta? Que votação aberta é essa?

O caput do art. 58 da Constituição Federal de 1988 fala em regimento interno como parâmetro normativo da formação da comissão especial do impeachment, espécie de comissão temporária. E o regimento interno da Câmara dos Deputados fala em indicação dos líderes dos partidos ou blocos parlamentares. Uma vez indicado pelos líderes, que votação aberta terá que ser realizada? Não faz sentido. Vai ser uma eleição homologatória da formação da comissão especial,  feita pelo plenário da Câmara dos Deputados? Pode nunca ser formada, caso o plenário não homologue os integrantes da comissão especial indicados pelos líderes dos partidos ou dos blocos parlamentares? Isso para mim ainda não está claro.

Li as notícias divulgadas no STF que trazem os resumos dos votos dos ministros e não está claro este ponto. Eu entendi do voto do ministro Luís Roberto Barroso que ele considera que a formação da comissão especial é feita por indicação dos líderes dos partidos ou blocos parlamentares. Depois, ele desanda a falar em eleição interna nos partidos para escolher os seus representantes, o que parece contrariar a ideia de que os líderes devem indicar os representantes dos seus partidos que integrarão a comissão especial.

Enfim, esse ponto do julgamento para mim ficou extremamente obscuro e eu prefiro ler o acórdão para dirimir essa dúvida. A dúvida é: qual o procedimento de formação da comissão especial do impeachment? Se é por indicação dos líderes, como preconiza o regimento interno da Câmara dos Deputados, por que se fala em eleição aberta? Que eleição aberta é essa?

No meu entendimento, Barroso defendeu eleição apenas no âmbito interno de cada bancada partidária, mas isso me parece contrariar o regimento interno quando este fala em indicação dos líderes. Indicar não é o mesmo que eleger, apesar do ministro Barroso interpretar a palavra “eleição” como “escolha”. Mas mesmo assim ele disse que existiria uma eleição entre os membros de cada partido. Esse ponto está ainda obscuro e aparentemente contraditório. Cabem embargos de declaração, assim me parece, para esclarecer este ponto e afastar eventual contradição.

No link a seguir, que traz o resumo dos votos dos ministros, o único resumo que não aparece é justamente do voto divergente do ministro Barroso, redator para o acórdão: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp…

Não está ainda claro e publicizado qual o procedimento a ser adotado para a formação da comissão especial do impeachment. Só saberemos mesmo amanhã. Nós sabemos o que não é válido (voto secreto, candidaturas avulsas etc). Mas qual será exatamente o procedimento, só quando o ministro Barroso apresentar o seu voto.

Em outro link, a contradição que eu identifico no voto do ministro Luís Roberto Barroso aparece mais claramente. O link é este abaixo, que se reporta especificamente ao resumo do voto do ministro Luís Roberto Barroso: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp…

Vejam a contradição no voto do ministro Luís Roberto Barroso:

Voto aberto

No entendimento do ministro, a eleição da votação da comissão especial da Câmara dos Deputados deve ser feita por voto aberto. Segundo ele, embora os casos de votação secreta elencados na Constituição seja absolutamente fechado, é possível que em um documento infraconstitucional preveja voto secreto. Entretanto, observou, a Lei 1.079/1950, que regulamenta o processo de impeachment, não prevê voto secreto para formar a comissão. Destacou ainda que o regimento interno da Câmara, ao tratar da composição de comissões, sejam elas temporárias ou permanentes, em nenhum momento menciona votação secreta.

“O voto secreto foi instituído por uma deliberação unipessoal e discricionária do presidente da Câmara. Portanto, sem autorização constitucional, sem autorização legal, sem autorização regimental. A vida em democracia não funciona assim”, assinalou.

O ministro Barroso ressaltou que, além da impossibilidade dogmática de se criar um procedimento sem previsão legal ou constitucional, em um processo como o de impeachment, com grande impacto sobre a legitimidade democrática, pois pode representar a destituição constitucional de um presidente da República, deve prestar a máxima reverência aos princípios republicano, democrático, representativo e da transparência.

“Eu acho que o cidadão brasileiro tem o direito de saber a postura de cada um de seus representantes. Esse não é um procedimento interno, é um procedimento que tem que ser transparente para a sociedade brasileira”, disse.”

Depois, quando fala das candidaturas avulsas, ele afirma a indicação dos membros da comissão especial a ser feita pelos líderes dos partidos ou dos blocos parlamentares:

Candidaturas avulsas

No entendimento do ministro, as candidaturas avulsas para a composição da comissão especial que analisará a admissibilidade do impeachment são ilegítimas. Segundo ele, a Lei 1.079/1950 estabelece participação proporcional dos partidos na comissão, dessa forma, a escolha dos membros deve ser realizada pelos respectivos líderes, e não pelo plenário da Câmara.

Observou ainda que a Constituição delega a cada uma das casas legislativas a forma de composição das comissões, mantida a proporcionalidade. Entretanto, o regimento interno da Câmara dos Deputados estabelece que os integrantes da comissão devem ser indicados pelos líderes de partidos.”

Como conciliar estes dois entendimentos? Os líderes indicarão os membros da comissão especial do impeachment e depois haverá uma votação homologatória? Ou antes da indicação dos líderes, existirá uma eleição interna na bancada para a escolha dos membros da comissão especial?

Não ficou claro, definitivamente.

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Formação da comissão especial do impeachment não tem amparo no regimento interno da Câmara dos Deputados

É importante perceber e notar como Eduardo Cunha age e pensa, onde este caso da eleição da comissão especial do impeachment mais uma vez ilustra isso. Cunha se movimenta nas sombras dos dispositivos legais, sempre manipulando o texto legal. É uma tática positivista imediata essa, a interpretação rasa e literal da lei, de forma manipulada, ocasionando ilegalidade. Cunha é um caso sui generis que mostra o quanto as normas podem ser manipuladas para atender a interesses escusos. Ele coloca todo mundo em polvorosa. Tudo o que ele faz é da caso pensado e calculado. Cada vez mais eu fico perplexo como funciona o cérebro desse sujeito.

Veja o que diz a Lei nº 1.079/1950, em seu art. 19:

Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma.

Diante desse texto, surge logo a primeira dúvida: quem receberá a denúncia? Veja que a lei não especifica que é o presidente da Câmara, mas aí o regimento interno do órgão diz, em seu art. 218, § 2º, que é o presidente.

Depois vem o trecho que diz que a denúncia será lida e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de TODOS os partidos para opinar sobre a denúncia (dizer se tem fundamento ou se não é capaz de sustentar uma acusação de prática de crime de responsabilidade por parte do presidente da república).

E é exatamente neste ponto que entra a artimanha de Eduardo Cunha, a movimentação nas sombras da lei, dando uma aparente feição de legalidade aos atos que ele pratica.

Ao invés de receber a lista dos deputados indicados pelos respectivos líderes dos partidos políticos, obedecida a proporcionalidade, que é a forma prevista para a formação das comissões permanentes e temporárias da Câmara dos Deputados, de acordo com o arts. 10, inciso VI, e 33, inciso I e § 1º, do regimento interno da Câmara dos Deputados, e assim “eleger” a comissão especial do impeachment,  Cunha criou uma esdrúxula possibilidade de concorrência entre chapas avulsas, onde a proporcionalidade é obedecida, mas não configura aquela indicada pelos líderes dos partidos na Câmara.

Na verdade, o presidente tão-somente designa os indicados pelos líderes dos partidos com representação na Câmara dos Deputados para compor a comissão especial do impeachment, que é um tipo de comissão temporária, sendo dos líderes o ato que poderia ser classificado como “eleição”, até mesmo porque a Constituição Federal, em seu art. 58, diz  no caput que “O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação”. A rigor, não há eleição de qualquer espécie, pois a formação das comissões temporárias e permanentes deve obedecer, de acordo com o caput do art. 58 da Constituição Federal, o disposto no regimento interno de cada uma das Casas Legislativas, quais sejam, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados. E o regimento interno da Câmara dos Deputados prevê que a formação da comissão especial se dará por escolha dos líderes dos partidos, como dito anteriormente.

No entanto, de acordo com a interpretação feita por Eduardo Cunha, cada subgrupo dos partidos teria autonomia para formar as chapas que irão concorrer na eleição. Foi aí que surgiram duas chapas: uma, com 39 nomes e outra, com 47 nomes. Ou seja, essa chapa é “eleita”, como diz a lei, para formar a comissão especial do impeachment, aparentemente de acordo com o que diz o art. 19 da Lei nº 1.079/1950.

Mas a pergunta é: isso é certo? Claro que não! A comissão deve ser formada de acordo com a indicação dos líderes dos partidos, sob pena de violação do princípio democrático e do que dispõe o caput do art. 58 da Constituição Federal, que diz que as comissões serão formadas de acordo com as disposições regimentais. Veja que os 39 primeiros deputados eleitos para compor a comissão especial, em que pese pertencerem a diversos partidos, são majoritariamente formados por deputados favoráveis ao impeachment.

E de onde surge o vício que proporciona que isso aconteça? Não tenha dúvidas: surge da cabeça de Cunha, que escolhe o procedimento, baseado no espaço interpretativo concedido pelas palavras “eleita” e “proporção” inseridas no art. 19 da Lei nº 1.079/1950.

Eu entendo que a regra da chapa avulsa, construída por subgrupos partidários, é uma burla à lei e à Constituição Federal. Penso que a finalidade do dispositivo constitucional NÃO é essa. O procedimento de escolha da comissão especial previsto na Constituição Federal e especificado no regimento interno da Câmara dos Deputados, descartando a superada e revogada redação do art. 19 da Lei nº 1.079/1950 quanto ao ponto da formação da comissão especial, é muito mais simples e consiste basicamente em que a comissão especial reproduza, a exemplo de uma amostra estatística, de forma proporcional, a representação partidária dos deputados federais existentes na Câmara. Nada de concorrência de chapas entre si. Isso é fraudar a lei e a Constituição Federal e permitir o que aconteceu: uma chapa de 39 deputados, majoritariamente favoráveis ao impeachment, a.k.a. golpe.

Se a comissão deve ter 65 integrantes, esses devem ser colhidos de forma proporcional junto às bancadas partidárias. Cunha viu na palavra “eleição” espaço para o que foi feito. Como a oposição está com mais votos, elege-se uma comissão majoritariamente favorável ao golpe, apesar de respeitada a proporcionalidade prevista em lei. Claro, escolheu-se uma chapa somente entre os favoráveis ao golpe, ora.

Isso é burlar o equilíbrio e a imparcialidade que brota do texto legal. A lei fala em proporcionalidade, mas não uma proporcionalidade previamente dirigida em termos de opinião política quanto ao pedido de impeachment, que é o que foi feito. Quem deveria indicar os representantes de cada partido eram os líderes das bancadas. Essa é a única “eleição” cabível e não outra, muito menos uma concorrência entre chapas avulsas, como foi feito.

Como se viu, a Constituição Federal de 1988 não estabeleceu a regra a ser aplicada para a formação das comissões permanentes e temporárias. A Carta Política brasileira apenas disse que as regras seriam as indicadas no respectivos regimentos internos de cada Casa Legislativa. E o regimento interno da Câmara dos Deputados diz que a formação das comissões temporárias e permanentes segue as indicações dos líderes dos partidos políticos.

Entendo que esse deveria ser o procedimento de formação da comissão especial de impeachment, inclusive com base no art. 10, inciso VI¹, e 33, inciso I e § 1º², do regimento interno da Câmara dos Deputados. A aplicação do art. 33, inciso I e § 1º, se dá ainda que por analogia. Essa eleição para escolher entre chapas avulsas não tem qualquer amparo normativo no regimento interno da Câmara dos Deputados.

1 – Art. 10. O Líder, além de outras atribuições regimentais, tem as seguintes prerrogativas:

(…)

VI – indicar à Mesa os membros da bancada para compor as Comissões, e, a qualquer tempo, substituí-los.

2 – Art. 33. As Comissões Temporárias são:
I – Especiais;
(…)

§ 1º As Comissões Temporárias compor-se-ão do número de membros que for previsto no ato ou requerimento de sua constituição, designados pelo Presidente por indicação dos Líderes, ou independentemente desta se, no prazo de quarenta e oito horas após criar-se a Comissão, não se fizer a escolha.

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