Arquivo do mês: novembro 2015

Informação atribuída a Snowden é um hoax

Anda circulando na Internet um texto que diz que o ex-funcionário da National Security Agency (NSA) dos Estados Unidos, Edward Snowden, hoje refugiado na Rússia depois de divulgar documentos americanos sigilosos, acusa os serviços secretos de Israel, da Grã-Bretanha e dos EUA de terem criado o Estado Islâmico numa operação cognominada “Ninho da Vespa”.

Segundo eu li num site americano chamado PunditFact (ver o link do texto aqui: http://www.politifact.com/…/edward-snowden-leaked-nsa-docu…/), cuja principal fonte é um texto de Alan Kurtz, intitulado “The Snowden Hoax – How a Lie Traveled Around the World Before the Truth Could Get Its Boots On” ou “O Hoax de Snowden – Como uma mentira viajou ao redor do mundo antes que a verdade pudesse calçar as botas” (ver aqui: http://snowdenhoax.blogspot.com.br/2014/08/andreasept.html…), na verdade é um hoax (boato ou informação falsa, não confirmada) que vem sendo divulgado desde julho deste ano em alguns sites árabes.

Glenn Greenwald, um dos principais contatos de Snowden na mídia ocidental, que escreveu no prestigiado jornal inglês The Guardian, de onde divulgou o material que Snowden lhe disponibilizou, e atualmente trabalha no The Intercept, tratou logo de desmentir o boato em sua conta no Twitter, quando postou que “never heard him (Snowden) say any such thing, nor have I ever heard any credible source quoting him saying anything like that.” (traduzindo: “Nunca o ouvi dizer algo parecido com isso, nem nunca ouvi qualquer fonte com credibilidade que o tivesse citado (Snowden) dizendo qualquer coisa parecida com isso”).

Portanto, é informação falsa, sem qualquer fonte confiável que confirme o boato. Até aqui, Edward Snowden nunca disse isso. O tweet do jornalista Glenn Greenwald pode ser lido aqui: https://twitter.com/ggreenwald/statuses/497058967026429953

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A falsa e leviana tese de que os EUA e a França “financiaram” o Estado Islâmico (ISIS)

Em recente artigo publicado no site Opera Mundi, intitulado “CHORO DE HOLLANDE, LÁGRIMAS DE CROCODILO“, o diretor editorial do site, Sr. Breno Altman, comentando os atentados terroristas praticados em Paris na última sexta-feira, 13 de novembro de 2015, assumidos pelo grupo jihadista mundialmente conhecido como Estado Islâmico, fez o que seria, em sua visão, um pequeno resumo dos fatos recentes relativos à intervenção de países ocidentais no Oriente Médio, especialmente os EUA e a França e especificamente na Síria e no Iraque, tudo no bojo da assim chamada “guerra contra o terror”.

O que importa para esse meu post, que tem a finalidade de contestar uma tese que é vendida como “verdade insofismável” por pessoas interessadas em relativizar ou amenizar a responsabilidade dos atentados terroristas praticados por grupos jihadistas contra alvos ocidentais, é o trecho do artigo em que o Sr. Altman afirma expressamente que a França Ao lado dos Estados Unidos e outros países, alimentou vasta fauna de falanges oposicionistas, com recursos financeiros e militares, entre estas o Estado Islâmico” (grifos e negrito por minha conta).

Em outras palavras, o diretor editorial do site Opera Mundi disse, com todas as letras, que EUA e França alimentaram, com recursos financeiros e militares, o Estado Islâmico, da mesma forma que fizeram com outros grupos oposicionistas ao regime de Bashar al-Assad na Síria. Ou seja, ele disse que o Estado Islâmico, o grupo terrorista jihadista ultrafundamentalista, recebeu da França e dos EUA exatamente o mesmo tratamento que os outros grupos de rebeldes que lutam na guerra civil da Síria para derrubar Assad. Foi isso o que ele disse e isso é falso, como inclusive demonstra uma matéria publicada pelo próprio site Opera Mundi, a qual, tendo como fonte documentos divulgados pela entidade WikiLeaks, aponta, no máximo, uma atuação do Estado Islâmico junto a outros grupos de rebeldes sírios que teriam sido financiados, inclusive com recursos militares, pelos EUA, relação que teria permitido o grupo jihadista ter acesso a armas. Como se observa, uma coisa são as armas irem para o grupo A ou B de rebeldes sírios não jihadistas. Outra coisa são, a partir do desenrolar dos fatos na guerra civil da Síria, por acordos desses grupos com o Estado Islâmico, as armas repassadas pelos americanos terem caído nas mãos do Estados Islâmico. São coisas absolutamente diferentes.

O diretor editorial do Opera Mundi, Sr. Breno Altman, em nenhum momento ressalva as circunstâncias. Ele simplesmente acusa o presidente da França de ser um hipócrita, pois ele teria fomentado o Estado Islâmico, diretamente, assim como fizeram, segundo ele acusa gravemente, os EUA. Daí a minha crítica, daí a minha indignação com o que ele declarou. Essa NÃO é uma postura esperada de um jornalista sério. Para mim, esse tipo de acusação é leviana, sem qualquer credibilidade. Ele precisa se retratar, urgentemente. Dizer que errou, que os EUA e a França nunca foram parceiros ou fomentaram o Estado Islâmico diretamente e conscientemente. Se ele realmente acredita nisso, ele não tem solução. É um caso perdido.

Como será demonstrado ao longo desse post, os EUA desde sempre combateram o Estado Islâmico, cujo embrião existia desde  2004 (“Al Qaeda no Iraque”, criada pelo jordaniano al-Zarqawi, o pai do Estado Islâmico). Em nenhum momento da história recente do Oriente Médio, máxime no bojo da doutrina da assim denominada “guerra contra o terror” dos “neocons”, os EUA trabalharam ao lado de grupos jihadistas como o Estado Islâmico. Em nenhum momento. Ao contrário, sempre combateram de perto e de forma incessante esse grupo jihadista.

O atual Estado Islâmico (cujo nome completo é “Estado Islâmico do Iraque e do Levante”) passa por três fases anteriores: “Al Qaeda no Iraque” (AQI), Conselho Consultivo Mujahidin e Estado Islâmico do Iraque. Em todas essas fases, os EUA o combateram ferrenhamente, sem tréguas. A principal diferença da atual fase para a terceira fase é a anexação de territórios sírios. Além disso, existe o recrutamento de jovens de outros países e regiões.

A tese falsa levantada pelo Sr. Altman se mostra inclusive ignorante: ao contrário dos financeiramente hipossuficientes grupos de rebeldes sírios, o Estado Islâmico sempre foi rico, apoiado por financiadores da Arábia Saudita e do Qatar, sem falar do apoio dos ricos iraquianos de origem sunita e dos recursos que o grupo extraía dos poços de petróleo do Iraque, em cuja região norte veio a ser fundado o assim chamado Estado Islâmico do Iraque, uma das versões embrionárias do atual Estado Islâmico como o mundo veio a conhecer.

O texto publicado pelo Opera Mundi mostra que temos no Brasil um monte de palpiteiros irresponsáveis, sem ética e não afeito aos fatos, que tentam provar as coisas com base em desejos e vontades. Essa não é uma postura jornalística séria. O Sr. Altman, como está suficientemente evidenciado, não conhece o Estado Islâmico, o que é o grupo, sua história. Simples assim. Ele acha que o Estado Islâmico é apenas mais um grupelho terrorista ou amador de rebeldes sírios, quando a realidade é completamente outra. O Estado Islâmico sempre foi forte e rico. Não é por acaso que sustenta uma guerra com os EUA há mais de dez anos, no mínimo. Não há ligação nenhuma do Estado Islâmico com os EUA, a não ser de inimigos figadais e irreconciliáveis. Sempre foi assim, desde o início.

O diretor editorial do Opera Mundi ignora que é logicamente inconcebível, na doutrina da “guerra contra o terror”, que os EUA façam acordos ou alianças com grupos jihadistas, a exemplo do mais perigoso deles, o Estado Islâmico. Isso é simplesmente impossível. Sem falar que os próprios grupos jihadistas não aceitam o acordo ou aliança. Preferem morrer a entrar em acordo com os EUA.

Quer dizer, mesmo que os EUA queiram fazer um acordo, os jihadistas não aceitam estender a mão para o “cruzado”. Existe um código de honra para os jihadistas. Eles não são meros guerrilheiros sem princípios ou mercenários. Eles têm princípios, uma ideologia forte. O que é outra desinformação de analistas como o Sr. Breno Altman do Opera Mundi: ele não conhece como funciona a mentalidade de um jihadista. Eles não são grupos abertos a acordos com qualquer um, muito menos com os EUA. Não são “vendidos”, não se “corrompem”. Eles possuem um código de honra, têm princípios. Quando lemos os depoimentos dos jovens sauditas que se filiam ao Estado Islâmico, ficamos impressionados. Não são jovens normais. Pensam em coisas muito diferentes. Pensam em honra, em ser respeitado pelos colegas, em ser um líder, um exemplo para os outros. É totalmente diferente do que se imagina. Todos eles têm profunda formação islâmica, conhecem a fundo a interpretação da religião que eles encampam etc. Muitos possuem escravas sexuais e por aí vai. É esse tipo de vida que os jovens muçulmanos sunitas procuram ao se filiar ao Estado Islâmico. O Oriente Médio é diferente de tudo o que as pessoas ocidentais costumam imaginar, inclusive analistas desinformados da imprensa brasileira, como se viu. Eles têm outra visão de mundo. A visão que passa na mídia ocidental é muito distorcida do que eles são. Nas imagens e reportes da mídia ocidental, eles parecem um bando de malucos agindo sem qualquer comando etc. A verdade é que não é nada disso. É um grupo absolutamente organizado e cerebral.

Quando li o texto do Sr. Altman pela primeira vez, fiquei Impressionado com o quanto era leviano e desfundamentado, principalmente com a acusação de que a França, ao lado dos EUA e de outros países, alimentou, com recursos financeiros e militares, grupos terroristas jihadistas como o que veio a ser conhecido como Estado Islâmico (doravante identificado no texto por apenas “EI”, para facilitar), que fundou um califado em regiões do Iraque e da Síria.

É o tipo de afirmação, da forma que foi feita, pomposa, sem qualquer fonte ou referência factual, que só poderia vir de um articulista brasileiro ignorante e sem compromisso com a verdade. O pior foi classificar o EI de “violência anticolonial” (sic). A tese é falsa até a medula. Enfim, é o péssimo jornalismo brasileiro dando os seus palpites irresponsáveis e atrasados.

De fato, os analistas que escrevem na imprensa brasileira são tão irresponsáveis e nada sérios, que eles mal sabem dizer como a França e os EUA iriam apoiar o EI e sua jihad global contra o mundo ocidental. É uma incongruência lógica e factual.

Nunca houve esse apoio, por uma razão muito simples: o EI se formou de um grupo embrionário que atuava no Iraque, mais conhecido como “Al Qaeda no Iraque”, que na verdade era uma dissidência da Al Qaeda original de Bin Laden, criado pelo conhecido terrorista jihadista jordaniano chamado Abu Musab al-Zarqawi (o nome do grupo de al-Zarqawi era Tanzim Qaidat al-Jihad fi Bilad al-Rafidayn ou “Organização de Base da Jihad na Mesopotâmia”). Abu Musab al-Zarqawi foi morto em 2006 por um bombardeio realizado pelos EUA. O EI, como atualmente formatado, foi criado contando com o avanço dos fatos na guerra civil da Síria, inclusive com pessoas de vários lugares do mundo e o embrião desse grupo terrorista (EI),  a “Al Qaeda no Iraque”, nome pelo qual era chamado o grupo terrorista jihadista criado por al-Zarqawi,  foi desde sempre atacado, combatido pelos países ocidentais como grupo terrorista que sempre foi considerado.

Afirmar que houve financiamento do EI por parte da França e dos EUA é uma afirmação falsa, impossível de ser sustentada, porque simplesmente o EI não existia, com a formatação atual, desde o início do apoio ocidental, exclusivamente destinado aos grupos de rebeldes MODERADOS sírios na guerra civil que assola o país desde 2011, não defendia o que defende atualmente etc, além do grupo que o precedeu, a “Al Qaeda no Iraque”, ser um grupo declaradamente inimigo dos EUA e seus aliados e por eles considerado terrorista jihadista, ao ponto de ser combatido de perto e de forma incessante pelas potências ocidentais, especialmente pelos EUA.

Além da acusação ser falsa, como se observa, é desonesta do ponto de vista intelectual. É dizer, por outras palavras, que o EUA e a França financiaram um grupo que eles sabiam que queria criar um califado jihadista (principado Salafista) em áreas da Síria e do Iraque, acerca do qual os países ocidentais não teriam qualquer controle e seriam inclusive considerados inimigos. Absurda a acusação, sem pé nem cabeça. Nos EUA e na Europa, gente desse nível é motivo de piada.

A maior piada do texto do Sr. Altman é classificar o EI de “violência anticolonial” (sic). Os terroristas jihadistas do EI defendem uma visão expansionista do Islamismo fundamentalista, a exemplo da época em que ficaram oito séculos na Península Ibérica, isso num nível global, e o articulista enxerga nisso uma mera “violência anticolonial”. Para além da falta de compromisso com o sentido das palavras, o que denota o pernosticismo do texto, acredito que o problema aí seja mesmo falta de intelecto para escrever coisas que façam o mínimo sentido.

O EI jamais pode ser considerado uma resistência anticolonial. Simplesmente porque ele tem uma proposta expansionista, beligerante, do Islamismo fundamentalista. Ele pretende alcançar outras plagas. Não se restringe à Síria e ao Iraque. A verdade é que o EI vem no bojo do movimento jihadista global, contemporaneamente capitaneado pela Al Qaeda, mas que tem raízes históricas antigas, muito antes de existir o imperialismo colonial ou até mesmo o capitalismo.

Trata-se de uma ideologia que nasce de uma forma específica sobre como eles interpretam o conceito islâmico de jihad. Não tem nada a ver com o que o articulista escreve. Ele não sabe de nada. O EI poderia se formar independentemente da política externa aplicada pelo Ocidente no Oriente Médio. Pode-se identificar a contribuição da instabilidade na Síria e no Iraque para o seu surgimento. Mas isso são fatores acessórios e nada fundamentais. O fundamento do EI é outro, está numa ideologia radical fundada num específico conceito de jihad. Isso não tem nada a ver com imperialismo, colonialismo ou capitalismo, que é o que pretende demonstrar o articulista/jornalista, Sr. Breno Altman, diretor editorial do site Opera Mundi.

O EI, a propósito, é combatido por simplesmente todo o mundo. Nem os outros grupos extremistas islâmicos são aliados do EI. É unânime a repulsa que ele provoca. O Irã é contra, a Al Qaeda é contra, o Hezbollah é contra, a Arábia Saudita é contra, o Hamas é contra, a Rússia é contra, Israel é contra, os EUA e a Europa Ocidental são contra. Enfim, todo o mundo é contra o EI.

Ficar com discursos que, na entrelinhas, esquecem o problema que é o EI para querer atacar a “culpa” do Ocidente na situação é uma asneira política completa. Somente o fato da ampla maioria dos grupos islâmicos serem contrários ao EI já mostra que a sua atuação nada tem a ver exatamente com uma reação à “violência colonial” (reação essa que seria a tal “violência anticolonial” citada pelo Sr. Altman). Se isso fosse verdade, grupos como o EI já teriam existido muito antes em tempos recentes, mas eles são uma inovação da jihad global contemporânea.

Como expliquei em post anterior, há um mercado de informações organizado que alimenta grupos como o EI. Pensar que tudo foi um “acidente de percurso”, algo mal planejado pelas potências ocidentais, ou, o que é ainda mais absurdo, algo intencionalmente planejado por países como EUA e França, é puro desvario e ignorância. Ao contrário do que dizem, a visão de mundo que permitiu que surgisse o EI já existia há muito tempo e, mais recentemente, sempre esteve presente e organizada em sites, blogs, várias entidades islâmicas e nas redes sociais. Eles se valeram de técnicas de propaganda veiculadas para uma sociedade de massas. Foi uma evolução de uma situação pré-existente, com um certo “romantismo” na estratégia do EI de conquistar adeptos. Camile Paglia, em recente entrevista publicada na Folha de São Paulo, tem muita razão quando identifica o elemento da sede por “ação física e aventura”, ao fato de integrarem uma “irmandade”, na adesão de jovens muçulmanos nascidos e criados na Europa. Portanto, o EI não foi uma mera estratégia de atuação geopolítica equivocada do Ocidente. Ele surgiria mais cedo ou mais tarde. A guerra civil na Síria apenas proporcionou, contribuiu ou facilitou que isso acontecesse. O que motiva grupos como EI são conceitos jihadistas fundamentalistas, o ataque aos infiéis e a conversão deles nem que seja na base da força ou da violência. O EI defende o expansionismo islâmico de outras épocas históricas. Não é uma coisa restrita ao nosso tempo, a não ser na forma como eles hoje atuam. Ideologicamente, a semente do EI é intrínseca a uma certa interpretação do islamismo.

O que eu vejo é um monte de repetidores de clichês, que não acompanham o debate, que falam de coisas que se discutem há décadas como se fossem a “última novidade”, que acham que o expansionismo islâmico fundamentalista defendido por grupos como o EI é algo contemporâneo (santa ignorância, Batman!). O mais engraçado é que tais pessoas costumam argumentar, em favor de suas teses alopradas, mandando os outros, que deles discordam, lerem livros de história (!). Eles atribuem a gênese do EI a coisas como o colonialismo imperialista do século XIX ou ao capitalismo, isso quando a jihad global bebe em fontes muito mais antigas.

É a maldita mentalidade atrasada da esquerda brasileira que parou na “guerra fria”, anos 60, por aí. Boa parte da esquerda brasileira (não toda ela, frise-se) é tão burra e ignorante que ela se alia ao que no mundo civilizado se chama de islamofascismo contemporâneo (a formatação atual da jihad global) de grupos como o EI. Ate aqui, nenhuma novidade. Boa parte da autodeclarada esquerda brasileira não sabe o que é fascismo, como eu abordei em outro post deste blog. Para essa parte, qualquer um que discorde dela é “fascista”, quando qualquer pessoa que domine o mínimo do conceito político de fascismo sabe que a sua mais exata formatação nos dias atuais está precisamente no islamofascismo de grupos como o EI.

Afirmar que os EUA e a França “alimentaram” com “recursos financeiros e militares” grupos jihadistas como o EI não tem a menor lógica ou amparo nos fatos. A afirmação é auto-refutável. O Sr. Breno Altman não sabe nem o que diz, assim como muitas pessoas que defendem essa tese aloprada. Falta rigor, noção mínima sobre as coisas, honestidade intelectual, compromisso com o verdadeiro sentido das palavras etc. Enfim, é mais um brasileiro desatento falando sobre o que não entende, sem conhecimento de causa, falando bobagem, falando pelos cotovelos. É impossível provar a veracidade da afirmação. Não há como “provar” a veracidade da informação quando o EI é um grupo QUE, QUANDO SURGIU, é declaradamente anti-Ocidente, jihadista, terrorista, fundou um califado etc.

Ou seja, o máximo que o Sr. Breno Altman e outros poderão comprovar é que, em algum momento, países ocidentais investiram em grupos disformes que participavam da guerra civil na Síria. Essa é uma afirmação MUITO diferente da que consta no texto do Sr. Breno Altman. Ele faltou com a verdade quando disse que os EUA e a França financiaram o ESTADO ISLÂMICO, como este grupo veio a ser conhecido mundo afora, distorceu os fatos e as informações para provar uma tese que, ao fim e ao cabo, é auto-refutável, não tem o menor sentido, é totalmente falsa em sua falta de lógica, mínima que seja.

A verdade é que ele até hoje não entendeu a dinâmica do EI, que é algo novo em termos de jihad. O EI é inovador, em vários aspectos, e contou com a participação de pessoas de vários lugares do mundo, de forma organizada, em fóruns virtuais de discussão, redes sociais, etc. Não são pessoas da Síria ou do Iraque que receberam dinheiro já se mostrando como seriam. Isso é coisa de gente ignorante, que não sabe de nada. O quadro é totalmente outro, diferente dessa asneira defendida pelo Sr. Altman. A afirmação é uma bobagem, completamente idiota, sem sentido. Coisa de gente que não é testada com rigor nas coisas que afirma. Num jornal americano, inglês, francês ou alemão, ele seria mandado embora sumariamente depois da avalanche de críticas que receberia.

A verdade é que o texto do Sr. Altman, que deveria ler a imprensa internacional para se informar melhor sobre os fatos, os autores internacionais, prova que os analistas da imprensa brasileira não sabem nem direito o que é o Estado Islâmico, como ele se formou, como funciona, quem participa etc. Simplesmente não sabem. Pelo que eu li do texto, fica claro que ele acha mesmo que o Estado Islâmico é formado por pessoas da Síria que simplesmente se juntaram de uma hora para outra e fundaram um califado. Aí é muita ignorância. Isso não é o Estado Islâmico. O Estado Islâmico é uma organização terrorista jihadista com um projeto internacionalista, que domina vastas áreas da Síria e do Iraque, que extrai recursos de poços de petróleo no Iraque, vendendo no mercado negro (alguns especialistas, como Theodore Karasik, do Institute for Near East and Gulf Military Analysis – INEGMA – e Robin Mills, autor do livro “The Myth of the Oil Crisis” – “O Mito da Crise do Petróleo” -, calculam que o EI ganhe um milhão de dólares por dia com a exploração do petróleo iraquiano, informação que pode ser confirmada clicando aqui), com raízes e braços em vários lugares do mundo, com expertise, especialistas em psicologia de massa, propaganda, linguagem comunicacional apurada e direcionada para os seus propósitos, pessoas que vem se preparando para suplantar os métodos da Al Qaeda de forma muito mais sofisticada do que despreparados de “turbante na cabeça”. Conta com intelectuais formados na Europa (Jihadi John, o terrorista que ficou conhecido aparecendo em vídeos usando uma balaclava para impedir o reconhecimento facial, segurando uma faca que era ameaçadoramente apontada para as câmeras de vídeo e, logo depois, decapitava os prisioneiros nas imagens, por exemplo, era graduado em ciências da computação por uma universidade inglesa), com estudiosos do islamismo, com um sistema de recrutamento global e por aí vai. É uma coisa muito maior do que o Sr. Altman dá a entender. Ele simplesmente não sabe o que é o EI, não tem a menor ideia. Isso está evidenciado. Assim como a maioria dos que comentam o assunto no Brasil não sabe nem direito o que é o EI. É uma vergonha para o jornalismo brasileiro esse tipo de texto. Pura ignorância. Os palpiteiros sequer entendem como são feitos os recrutamentos pelo EI. Terrível a desinformação.

Qualquer pessoa minimamente inteligente e bem informada sobre o EI sabe o quanto é grave a situação, o quanto a elite dos países ocidentais não está sabendo lidar com o problema. Os atentados em Paris são uma prova disso. Com toda a tecnologia, com toda a troca de informações pelos serviços secretos, com todo o monitoramento, as autoridades francesas não conseguiram impedir os atentados. Tudo indica que foi ação de aliados internos do EI na própria França (existe uma suspeita de que uma pessoa que entrou como refugiado sírio pode ter participado dos atentados de sexta-feira em Paris, mas a informação ainda não é conclusiva, pois o passaporte que foi encontrado, que pertencia a um refugiado sírio, segundo as autoridades gregas, não permite isso, já que pode ter sido roubado ou até mesmo plantado para confundir e criar uma paranoia contra os refugiados). Ou seja, o EI espalha-se por diversos locais do mundo, não é algo isolado, age com técnica, tem estratégias, sabe trabalhar psicologicamente com o medo das pessoas etc. Tem braços na África (principalmente no norte da África), na Europa, etc. Até no Brasil já foram encontradas pessoas com ligações com o EI. O EI é diferente de tudo o que existiu antes em termos de terrorismo. É um terrorismo autenticamente global.

O EI não é uma criação americana ou foi financiado pela França e pelos EUA. A situação é outra. Os terroristas jihadistas do EI fundaram um califado, um tipo de organização política islâmica que não existia fazia séculos no mundo islâmico, e pregam a versão beligerante do conceito de jihad. Não é uma coisa que depende de ideias modernas ou do capitalismo/colonialismo ou seja lá o que for. É uma ideologia que tem séculos de história. É uma visão ultrarradical do islamismo, numa versão inovadora dos métodos da Al Qaeda, que já era em si uma rede global de terrorismo jihadista. O EI veio para suplantar a Al Qaeda, daí a disputa entre eles. É ignorância interpretar o EI como se fosse um mero efeito colateral das políticas do Ocidente no Oriente Médio. Simplesmente não é, isso é falso. É outra coisa, muito mais complexa e séria.

De outra banda, é importante perceber, ter a clara noção de que financiar grupos disformes que atuavam no início da guerra civil da Síria, de perfil claramente moderado, É DIFERENTE de financiar o Estado Islâmico, como este grupo veio a se consolidar, criador de um califado, jihadista, ultrafundamentalista, terrorista etc.Não se trata de negar o apoio, por parte dos EUA e da França, a certos grupos rebeldes anti-Assad na Síria. Entender dessa forma a negativa de que os países ocidentais investiram no EI é puro analfabetismo funcional, sendo desonestidade intelectual, má-fé, tentar dizer que o apoio a certos grupos de rebeldes anti-Assad pode se confundir com apoio a grupos terroristas ultrafundamentalistas que são declaradamente anti-Ocidente.

Algumas pessoas tentam “provar” a tese de que os EUA e seus aliados, como a França, apoiaram grupos terroristas jihadistas como o EI citando textos que saíram em alguns órgãos da imprensa internacional, como o jornal britânico, de perfil de esquerda liberal, The Guardian, o qual, em matéria opinativa (expressava meramente o ponto de vista pessoal de quem opinou, a forma como ele interpretava os fatos citados no texto), assinada pelo colunista do jornal, editor de 2001 a 2007, Seumas Milne, intitulada “Now the truth emerges: how the US fuelled the rise of Isis in Syria and Iraq” (tradução minha: “Agora a verdade emerge: como os EUA abasteceram o surgimento do Estado Islâmico na Syria e no Iraque”, publicada na data de 3 de junho de 2015, defendia a tese de que os EUA, de fato, POR OMISSÃO, contribuíram para permitir que o Estado Islâmico fosse criado e ganhasse poder na Síria e no Iraque, tudo como forma de enfraquecer o regime de Bashar al-Assad na Síria, o que faz baseado principalmente num reporte do Pentágono confeccionado em agosto de 2012 que faz uma análise geopolítica da situação na região do leste da Síria e em partes do norte do Iraque, região dominada pelo grupo originalmente criado por al-Zarqawi.

A verdade é que o colunista do The Guardian, Seumas Milne, apenas confirma nesse texto o que eu digo ao longo desse post. A notícia do The Guardian linkada (jornal de perfil liberal de esquerda, anos-luz à frente da esquerda que estamos acostumados a ver no Brasil) fala de apoios a grupos opositores ao regime de Assad que não eram ainda o EI nem poderiam ser. Aliás, o jornalista do The Guardian, tentando provar o seu ponto, chega a dizer que o EI era a “Al-Qaeda no Iraque”.

Primeiro, como dito anteriormente, a Al Qaeda no Iraque não é a Al Qaeda de Bin Laden, mas sim um grupo formado por al-Zarqawi quando o jordaniano rompeu com Bin Laden, grupo este que era incessantemente combatido pelos EUA e seus aliados, ao ponto de al-Zarqawi ter sido morto num bombardeio americano no ano de 2006. Tudo isso simplesmente confirma o que eu disse: não houve apoio ao que se convencionou chamar formalmente de EI, de nenhuma forma possível, isto é, nem antes ou depois da criação do Estado Islâmico do Iraque, a primeira versão do grupo, criada em 2004, sob a liderança de al-Zarqawi, nem depois da criação do Estado Islâmico do Iraque e do Levante, a versão atual, criada em 2014, dessa vez sob a liderança de Abu Bakr al-Baghdadi.

O reporte do Pentágono (documento citado no texto do colunista Seumas Milne), que é meramente uma análise escrita em linguagem que o próprio colunista classifica como “ambígua” e que faz interpretações acerca da possível construção de um principado Salafista (califado) no leste da Síria, não afirma posições oficiais e tampouco as conclusões do colunista do The Guardian comprovam ou servem de prova de que houve apoio dos EUA e da França ao Estado Islâmico.

O que existe é um reporte do Pentágono, datado de agosto 2012, que fala em apoio a rebeldes que formavam a “Al Qaeda no Iraque” que poderiam servir para enfraquecer o regime de Assad. O colunista do The Guardian diz que a “Al Qeada no Iraque” depois veio a se tornar o EI, o que, a rigor, não é muito correto, pois a Al Qaeda existe independentemente do EI, é óbvio, sendo dois grupos distintos e o grupo que foi o embrião do ISIS, “Organização de Base da Jihad na Mesopotâmia”, é o que foi criado por al-Zarqawi, que já tinha fundado um Estado Islâmico muito antes na região do Iraque dominada por ele e seus aliados sunitas, isso no ano de 2004, muito antes da guerra civil na Síria, que eclodiu em 2011. Esse grupo de al-Zarqawi, de fato, é o embrião do Estado Islâmico, como fala o colunista do The Guardian (falar em “Al Qaeda no Iraque” induz ao erro de pensar que tem relações com a Al-Qaeda de Bin Laden, quando na verdade se trata de uma dissidência da Al Qaeda original).

Nada disso muda os meus argumentos, que continuam válidos e completamente intactos. Apoio a grupos de rebeldes moderados sírios, jamais extremistas, não significa apoio ao EI como veio a ser consolidado. Esse é o encadeamento lógico e por isso a tese é absurda. As palavras, expressões, têm sentido. Se os defensores da tese não são rigorosos com isso, é um problema da forma como eles estão acostumados a lidar com as coisas, de forma não séria, como é típico neste país onde as coisas são tratadas displicentemente.

O fato é que o The Guardian é um famoso jornal de perfil de esquerda liberal da Inglaterra que tenta, por argumentos controvertidos, provar o seu ponto. Como é de se esperar, o nível de apego aos fatos é um tanto superior ao péssimo jornalismo brasileiro, como o ilustrado pela matéria do Opera Mundi assinado pelo Sr. Breno Altman. Ainda que o nível da tentativa do colunista do The Guardian seja superior ao nível existente no jornalismo brasileiro autodeclarado de esquerda, a tentativa do jornalista do The Guardian é frustrada e apresenta um grave problema de falta de ética jornalística, o que evidencia má-fé do autor, Seumas Milne.

No texto, Milne omite, ao que tudo indica, de má-fé, pois são fatos conhecidos da imprensa que se dedica a cobrir o assunto e um jornalista como ele, que foi editor do The Guardian, jamais poderia não conhecer, informações que tornavam implausível a sua tese: Apesar de registrar, corretamente, que o EI é apontado como uma evolução do grupo criado por al-Zarqawi no Iraque, “Al Qeada no Iraque”, o colunista do The Guardian não esclareceu que o grupo terrorista jihadista em questão foi combatido de perto, durante anos a fio, pelos EUA, que classificava o grupo corretamente como terrorista e que inclusive chegou a matar al-Zarqawi num bombardeio em 2006, tendo continuado a combater o grupo durante muitos anos depois disso. A omissão dessa informação no texto do The Guardian, assinado por Seumas Milne, deixa de mostrar a ilogicidade da tese de se sustentar que países que combatiam um grupo que foi embrionário de outro podem ser considerados “financiadores” do grupo que foi gerado. Quer dizer, a tese de que os países ocidentais, entre eles EUA e França, chocaram o “ovo da serpente” é implodida, de cima a abaixo, a partir dessa constatação, mas o colunista do The Guardian teve o “cuidado” de omitir essa informação dos seus leitores, falando apenas que a “Al Qaeda no Iraque” veio a ser converter no atual EI como o conhecemos hoje em dia. Manipular os outros dessa forma, omitindo fatos relevantes, é condenável do ponto de vista da ética jornalística, o que não deixa de ser lamentável.

No máximo, em que pese a lamentável omissão, o que o colunista do The Guardian fez é o que muitos fazem: o Ocidente apoiou grupos de rebeldes sírios, mas não o EI formalmente consolidado ou qualquer outro grupo extremista. Ele chega a falar em conversão da “Al Qaeda no Iraque em EI, sendo pouco recomendado usar essa terminologia ao se referir ao grupo criado por al-Zarqawi, uma vez que a Al Qaeda ainda existe hoje em dia. O EI é um fenômeno recente e em 2012 os fatos ainda estavam em pleno desenrolar. A matéria, que é meramente opinativa, faz apenas uma interpretação, bastante pessoal, do que se considera apoio ao EI. No máximo, o que existe no documento do Pentágono é uma análise geopolítica da situação que supostamente favoreceria ao apoio das forças ocidentais aos rebeldes que lutavam contra o regime de Assad. Isso não é uma posição oficial. É um documento que promove uma análise geopolítica da situação, trabalhando com variáveis. Só isso.

O próprio colunista é categórico ao afirmar que o documento do Pentágono não comprova que os EUA criaram o ISIS, conforme o seguinte trecho:

That doesn’t mean the US created Isis, of course, though some of its Gulf allies certainly played a role in it – as the US vice-president, Joe Biden, acknowledged last year. But there was no al-Qaida in Iraq until the US and Britain invaded. And the US has certainly exploited the existence of Isis against other forces in the region as part of a wider drive to maintain western control.”

Apesar de fazer a ressalva de que aliados dos americanos no Golfo teriam exercido um papel de apoio ao EI, conforme o vice-presidente Joe Biden teria reconhecido em 2014, ele nega que os EUA seriam os responsáveis pela criação do grupo terrorista. O máximo que ele chega a afirmar é que os EUA, ao terem conhecimento das intenções do grupo originalmente criado por al-Zarqawi de criar um principado Salafista,  teriam certamente explorado a existência do EI contra outras forças na região como parte de um esforço mais amplo visando a manter o controle ocidental. Teria sido, nessa linha, um apoio indireto mediante a não intervenção direta dos EUA, uma espécie de negligência ou omissão americana, que sabia da natureza extremista jihadista do grupo e não interveio porque isso supostamente contrariaria os seus interesses. Ainda que se dê crédito a essa tese, ela não é nem de longe equivalente a se afirmar que os EUA apoiaram com recursos financeiros e militares o EI, como é bastante claro.

Essa é uma interpretação bastante pessoal do colunista do The Guardian, mas que não muda a lógica da minha argumentação. Minha alegação é a de que o EI, seja antes ou depois de formalmente consolidado, jamais foi financiado por França e pelos EUA. Veja que o jornalista fala em explorar a existência do ISIS por parte dos EUA como estratégia de manter o controle do Ocidente na área. Mas isso carece de evidências na própria matéria. É uma opinião dele e só dele, extraída de um mero reporte do Pentágono que analisa a situação geopolítica na região naquela altura.

Muita gente que mal sabe interpretar um documento, o que são provas, etc, mal entende a natureza da matéria do The Guardian e o que exatamente o colunista afirma nela. A própria manchete deixa claro que se trata de um apoio ao que supostamente seria uma situação pretérita à formação do EI (“rise” é o termo usado). Não tenho culpa se a tara neste país é não se ater aos fatos e aos seus significados, na melhor tradição desse país, e quer discutir assuntos sérios como esse. Na imprensa inglesa, os jornalistas são cobrados pelo que afirmam.

Seumas Milne é todo cuidadoso e traz uma matéria muito mais acurada do que o texto chinfrim do Opera Mundi assinado por Breno Altman, apesar dos problemas éticos anteriormente indicados, admitindo que não se tratou de um mero lapso de um jornalista experiente. O nível é claramente outro, mas ainda não prova nada de financiamento dos EUA e da França ao EI. Ninguém faz afirmações levianas. Argumentam com fatos, são rigorosos com as palavras, o que nem de longe acontece no jornalismo brasileiro. No máximo, o que a matéria provou foi a existência de um reporte do Pentágono que faz uma leitura positiva da presença da um grupo extremista no leste da Síria no sentido de enfraquecer o regime de Assad e que isso interessaria ao Ocidente. Daí a concluir que houve financiamento ao ISIS (Estado islâmico), é um salto muito grande e não comprovado. Vontade de provar é diferente de efetivamente provar. É preciso aprender a lição: tem que provar, caso contrário, não se pode afirmar. Acusar sem provas é coisa de gente leviana, muito comum no jornalismo brasileiro.

A matéria do The Guardian em tela apenas ratifica o fato de que não está comprovado nenhum financiamento dos EUA e da França ao que se convencionou chamar de EI. Não está provado nem poderia estar, pois é uma situação absurda do ponto de vista lógico e factual. Todo o resto é wishful thinking de boa parte da esquerda desinformada brasileira que aplaude terrorista jihadista.

O que o documento do Pentágono efetivamente permite extrair, o que é corroborado pelos fatos, é que o erro dos EUA em relação ao EI foi acreditar que ele estivesse enfraquecido frente ao avanço de outros grupos rebeldes da Síria. Essa leitura americana foi fortalecida pelo rompimento da célula da Al Qaeda na Síria, a Frente al Nusra, com o EI. Os EUA assistiram ao quadro para ver o que acontecia. Não deu certo a estratégia. O EI conseguiu fazer acordos com rebeldes sírios antes moderados, concedendo certa autonomia em algumas cidades e, estrategicamente, recrutaram adeptos depois de massacres perpetrados por forças pró-Assad (sim, os massacres na Síria não são obra exclusiva do EI: as forças pró-Assad também perpetram massacres, tão bárbaros quanto os praticados pelo EI). Com essa estratégia, o EI cresceu e se fortaleceu. Quando os EUA se deram por si, já era tarde. Eles tinham se tornado hegemônicos em grandes áreas e hoje dominam cerca de 50% do território sírio. Observe que nada disso significa apoio dos EUA ao EI de qualquer natureza. Houve um erro de avaliação ou, como disse Hillary Clinton, uma “omissão”.

Alguns consideram essa inação uma “negligência” dos EUA, uma espécie de “apoio”, ainda que indireto, ao EI. Dizem que entender de forma contrária seria uma interpretação “subjetiva”. Na verdade, a interpretação que enxerga um “apoio” americano ao EI, a partir de um determinado momento, é que é extremamente subjetiva e nada objetiva De forma alguma não identificar o “apoio” ao EI na postura americana, em determinado momento na Síria, significa uma interpretação “subjetiva” dos fatos. Na verdade, é até bastante objetiva, revendo o retrospecto. Os EUA, repito, sempre foram inimigos do EI. Não ter combatido o EI diretamente na Síria, num determinado período de tempo, não significa “apoio” ao grupo jihadista. Eles estavam atuando em outra frente. Os EUA se retiraram do Iraque, por força de pressões internacionais e internas. Isso sim fortaleceu o EI.

Com relação à recusa dos EUA de ajudar Assad a combater o EI,  aspecto apontado pelos críticos para fortalecer o que eles enxergam ter sido um “apoio” americano ao EI, isso estava fora de cogitação. A Síria é inimiga histórica de Israel, que é um aliado estratégico dos EUA. O cerco a Assad, na minha opinião, fazia parte de um plano maior de atacar o Irã, caso isso fosse necessário. Como a coisa na Síria degringolou completamente, os EUA tiveram que atacar o EI, a grande ameaça atualmente. Por outro lado, na forma como eu interpreto o quadro na região, o ato de atacar o EI por parte dos EUA não pode ser interpretado como uma ajuda americana a Assad, ao menos não uma ajuda intencional, da mesma forma que não ter atacado o EI em determinados momentos não significa um “apoio” ao grupo jihadista. Os EUA continuam querendo a derrubada de Assad, sem agir diretamente para que isso aconteça, como fizeram no Iraque para derrubar Sadam Hussein. E com a Rússia presente na região, isso não vai acontecer.

Curioso que muitos dos que usam matérias opinativas como essa do The Guardian se definem como supostos leitores “críticos” da grande imprensa (a mesma imprensa que tem a revista VEJA acusando todo fim de semana Dilma e Lula), mas não pensam duas vezes, vejam vocês, em tentar PROVAR as suas afirmações com base em matérias de jornal pouco ou nada lastreadas em provas convincentes. Seria a mesma coisa que os tucanos reacionários chegarem e quererem provar que Lula e Dilma são corruptos com matéria da revista VEJA ou qualquer outro jornal. Aliás, o Sr. Altman deveria começar a empenhar-se mais para fazer jornalismo verdadeiramente de qualidade e não essa porcaria de jornalismo declaratório, desprovido de fatos e informações, enfim, de provas. Ele afirma algo e quer que isso seja tomado como verdade. Ora, isso a revista VEJA também faz.

O Sr. Altman deveria se basear na imprensa inglesa e americana, as melhores do mundo do ponto de vista técnico. Ainda que a matéria opinativa do The Guardian não sirva de prova de que os EUA e a França financiaram o grupo terrorista que passou a ser conhecido como Estado islâmico, contendo um defeito que conota má-fé ou desonestidade intelectual, é forçoso reconhecer que o nível do jornalismo do The Guardian está, na média, anos-luz à frente de matérias como a que foi assinada pelo diretor editorial do Opera Mundi. Isso porque na Inglaterra, o nível é outro e as pessoas são exigentes, coisa que nem de longe acontece no Brasil e o seu público leitor formado, boa parte, por gente despreparada e desqualificada, quando não analfabetas funcionais.

O jornalismo é uma das atividades mais prestigiadas no primeiro mundo. Sabem por quê? Porque lá as coisas são rigorosas. Não é a “banda voou” que existe no Brasil, onde qualquer desclassificado sai fazendo afirmações sem qualquer responsabilidade, sem qualquer embasamento sério, sem estar fundamentado em fatos concretos etc. Aliás, se fosse para exigir jornalismo de qualidade neste país, iria acontecer uma debandada geral na área. Brasileiro, na média, não gosta de ser cobrado, de fazer as coisas com rigor. Tudo é muito feito “nas coxas”, de forma displicente, indisciplinada. O jornalismo como ele é praticado no primeiro mundo é incompatível com a cultura, com o modo de ser do brasileiro, considerando o padrão médio. Iriam reclamar: “Assim não dá, assim não pode” e coisas do tipo.

Voltando ao assunto principal do post, o próprio Robert Ford, ex-embaixador dos EUA na Síria, que lá serviu durante muitos anos, antes um entusiasta do apoio americano aos rebeldes moderados, que chegou a romper virulentamente com Obama porque ele se negou a continuar a apoiar os rebeldes sírios, declarou que era impossível saber quem era o “inimigo” numa certa altura da guerra civil na Síria. Todos esses fatos, ao contrário do alegado pelo texto do Opera Mundi, evidenciam justamente o contrário do que ele pretende fazer passar como fato comprovado. Os EUA jamais iriam financiar um grupo terrorista como o Estado Islâmico, muito menos um grupo derivado de outro criado embrionariamente por al-Zarqawi, a quem os americanos tinham matado em um bombardeio em 2006. Enfim é uma tese sem pé nem cabeça, como eu disse desde o início. A “Al Qaeda no Iraque”, o grupo de al-Zarqawi, sempre foi combatida ferrenhamente pelos americanos, mas o Sr. Altman e os aloprados de sempre tentam dizer que os americanos financiaram o “surgimento” do EI. Vou te contar. É cada absurdo que pela madrugada.

Depois de ler tudo isso, quem se der ao trabalho de ler o texto pomposo do jornalismo meramente declaratório e puro wishful thinking do Sr. Altman, perceberá o absurdo, a leviandade, a falta de rigor e de apego aos fatos e da mais mínima lógica no que ele defende. Não há encadeamento lógico nenhum, fundamento nenhum. É pura irresponsabilidade, jornalismo de quinta categoria travestido de “opinião crítica abalizada”. Enfim, é pura picaretagem.

Como facilmente se percebe, a tese de que a França e os EUA “apoiaram”, “criaram” ou “financiaram” (termos que são usados pelos levianos, desonestos e irresponsáveis de todas as sortes e qualidade) o que hoje se conhece por Estado Islâmico é falsa, uma sandice, não tem qualquer lógica ou amparo nos fatos.  Enfim, pura bobagem. O que existe é uma confusão entre apoiar grupos de rebeldes sírios moderados anti-Assad com o apoio ao grupelho terrorista parido por al-Zarqawi e seus aliados sunitas, que depois degringolou, a partir da aliança com grupos sírios radicais, como a frente al Nusra, para o atual Estado Islâmico como o conhecemos. Nada a ver as acusações que fazem para amenizar ou relativizar o terrorismo do EI, chamado estupidamente de “violência anticolonial” (sic). As evidências das acusações de apoio do Ocidente ao EI são simplesmente patéticas. O máximo que se conseguiu até hoje foi um reporte do Pentágono, de agosto de 2012, que faz apenas uma análise da situação geopolítica na região, durante a guerra civil da Síria, e da possibilidade de ser criado um principado Salafista no leste do país, situação que poderia fortalecer a posição dos rebeldes em detrimento do regime de Assad, o que é interpretado por alguns como um “apoio” ao EI. Não é apoio nem prova de nada. É um mero reporte que trabalha com variáveis geopolíticas. O EI se criou por si mesmo e o grupo embrionário do qual ele derivou, criado pelo famoso terrorista al-Zarqawi, dominou áreas importantes do Iraque desde mais de dez anos (desde pelo menos 2004).

 A criação do EI não tem nada a ver com o efeito da atuação americana na Síria ou no Iraque. É muito mais provável o contrário, isto é, a saída dos EUA do Iraque permitiu a criação do EI como hoje o conhecemos (inclusive o grupo de al-Zarqawi do qual ele é uma evolução).

Tem gente que mal sabe dizer como a França e os EUA iriam apoiar o Estado Islâmico e sua jihad global contra o mundo ocidental. A afirmação é tão absurda, para quem conhece o mínimo da questão no Iraque e na Síria, que simplesmente supor isso é passar atestado de imbecil nas redes sociais (que um jornalista brasileiro, como parece ser o Sr. Altman, seja capaz de escrever isso num órgão de imprensa, desconhecendo ou omitindo os fatos citados acima, é simplesmente constrangedor, enfim, exercício de má-fé ou de leviandade). Como se observa, é uma incongruência lógica e factual.

A tese é tão absurda que os EUA guerrearam durante anos com a “Al Qaeda no Iraque”, o grupo dissidente da Al Qaeda que é apontado pelos especialistas como o embrião do Estado Islâmico como hoje o conhecemos. Os EUA chegaram a matar o líder do grupo em 2006, al-Zarqawi, e nunca deixaram de combatê-lo, mas mesmo assim os ignorantes e desonestos, negando essa realidade, conseguem enxergar em tudo isso um “apoio” dos EUA ao surgimento do Estado islâmico (!). É muita burrice, muito estupro à lógica e aos fatos.

Em suma, os EUA brigam, matam, jogam bombas no grupo terrorista que é apontado como embrião do Estado Islâmico e as pessoas ainda dizem que os EUA criaram, financiaram, apoiaram o EI. O que é isso senão burrice, desonestidade, picaretagem? Francamente. Eu quero saber que tipo de apoio é esse em que os EUA mataram al-Zarqawi em 2006, o líder da “Al Qaeda no Iraque”, e continuaram combatendo o grupo anos depois? Como assim se “apoia” a criação do EI jogando bomba e guerreando com o grupo do qual ele deriva? Se alguém conseguir me explicar essa “lógica”, eu agradeço.

Não fosse por todas as outras razões, esse quadro objetivo (EUA confrontando militarmente, durante anos a fio, o grupo do qual o EI se originou) é um obstáculo intransponível à tese sustentada por algumas pessoas, entre elas o diretor editorial do site Opera Mundi, Sr. Breno Altman. A “Al Qaeda no Iraque” era um grupo terrorista jihadista, razão suficiente para afastar qualquer apoio dos EUA ou da França ao EI, a bem da lógica e dos fatos. Os EUA combatiam o embrião do EI como o conhecemos. Essa é a única verdade. O resto é mentira, falsas conclusões sem amparo na lógica, mínima que seja.

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As leituras políticas incorretas dos ataques terroristas em Paris

Fico perplexo com certos comentários, com certas leituras políticas, inclusive a respeito da reação que suscitaram os ataques terroristas realizados em Paris na noite dessa sexta-feira, 13 de novembro de 2015, que deixaram um saldo, até aqui, de pelo menos 127 mortos, segundo fontes oficiais, e inúmeros feridos em estado grave. O grupo terrorista Estado Islâmico (EI) assumiu a autoria dos atentados.

Alguns fazem comentários deprimentes, como, por exemplo, lamentar que Chico Buarque não estivesse em Paris para ser uma das vítimas. Esses são os cretinos de sempre. No entanto, existe outro tipo de comentário que eu considero extremamente equivocado.

Falo dos comentários que comparam a reação aos ataques terroristas em Paris com a reação a fatos trágicos ocorridos no Brasil nos últimos dias. Teve um cidadão de Fortaleza que foi no perfil da presidenta Dilma Rousseff e comentou, em resposta à manifestação de solidariedade ao povo francês que ela registrou em sua página no Facebook, para dizer que não viu a mesma reação em relação a uma chacina que matou 12 pessoas em Fortaleza no dia de ontem, como se Dilma fosse insensível ao que aconteceu na cidade por não ter se manifestado no mesmo tom. Evidentemente que é um comentário totalmente errado, já que Dilma se manifestou como uma chefe de estado diante de um ataque terrorista brutal contra um país com quem o Brasil mantém excelentes relações diplomáticas. Violência urbana não é terrorismo, apesar de matar também. São situações diferentes. De modo algum a manifestação de solidariedade de Dilma pode ser interpretada como se a presidenta desse mais valor à vida de um cidadão francês do que à de um brasileiro. É uma obtusidade tratar as coisas dessa forma.

Existe outro tipo de comentário que eu também considero equivocado: é o que enxerga na solidariedade ao povo francês uma espécie de “colonização” política e cultural e compara com a reação supostamente tímida, quando não inexistente, principalmente por parte da grande imprensa, por exemplo, à tragédia causada pelo rompimento de uma barragem recentemente em Minas Gerais, na cidade de Mariana. Esse argumento pode ser expandido para qualquer outra tragédia, num país pródigo em tragédias, como é o Brasil.

Discordo desse tipo de crítica, por vários motivos. Considero inapropriada, impertinente, equivocada e meramente oportunista, da pior forma possível. O argumento se volta contra ele: Foi preciso esperar a reação da imprensa ao que aconteceu em Paris para criticar a alegada falta de atenção ao caso brasileiro. Ou seja, a suposta (e falsa) omissão já existia antes, mas os críticos não se manifestaram antes. E o que eles fizeram ou fazem além de criticar a imprensa? Provavelmente nada.

A comparação é ate irrazoavel. Num caso, temos um ataque terrorista deliberado, intencional. No outro, temos um acidente, que certamente tem os seus responsáveis, mas é muito diferente de um ataque terrorista como o que aconteceu em Paris, onde pessoas foram executadas por meio de detonação de granadas e tiros de armas automáticas (AK-47) quando estavam em restaurantes e num show de rock. A comoção ao que aconteceu em Paris é justificadamente muito maior. Não há nem como comparar. Comparar as duas situações é burrice.

Esse tipo de argumento é tipicamente brasileiro. Brasileiro, na média, é mestre em criar dissensos em cima de consensos, pois é do caráter nacional o desentendimento, a picuinha etc. Tudo isso fundamentado em argumentos muito ruins, o que é o pior de tudo. Esse é o caso: o crítico que usa esse argumento consegue contrapor uma tragédia à outra. Ele vê na comoção dispensada aos ataques terroristas em Paris algo nocivo, como se as pessoas fossem insensíveis ao que aconteceu em Mariana (neste ponto, o argumento se baseia até numa premissa falsa: É MENTIRA que a imprensa não deu atenção ao rompimento da barragem, simplesmente mentirosa a alegação, posso colocar aqui dezenas de links que abordaram o assunto). O argumento parte do pressuposto de que as pessoas são canalhas, desprovidas de qualquer sentimento humanitário. Explicar de onde o crítico retira isso exatamente, por que ele acha que a imprensa é tão ruim assim, ao ponto de apenas dedicar atenção aos fatos ocorridos em Paris mas não no Brasil, isso ele não faz. Ele está interessado em aparecer fazendo a acusação leviana. É isso. A comparação é absurda, enfim. No Brasil, houve um acidente. Na França, houve ataques terroristas. A comoção em relação aos ataques terroristas é naturalmente maior, pois são atos intencionais.

O argumento usado para acusar a grande imprensa serve para acusar Dilma Rousseff, exatamente como fez ontem um sujeito de Fortaleza no perfil da presidenta no Facebook, que criticou o fato dela não ter a mesma reação que teve em relação aos ataques em Paris quando 12 pessoas foram assassinadas na quinta-feira última, em Fortaleza. É mais ou menos o mesmo argumento usado pelos críticos que enxergam uma indignação seletiva na grande imprensa. Ou seja, para esse tipo de crítica, a presidenta Dilma Rousseff é igual à imprensa em sua indignação seletiva.

Acesse o link a seguir e leiam o comentário de um certo Geovane Sousa Portela: https://www.facebook.com/SiteDilmaRousseff/posts/1017967694923488

O argumento leva ao absurdo paroxismo de que sempre que formos manifestar indignação contra alguma coisa, sempre que formos manifestar solidariedade diante de uma alguma tragédia, teremos que lembrar de todas as tragédias anteriores, caso contrário, estaremos sendo injustos, omissos, silentes, tendenciosos, enfim, mal intencionados. Não dá. O argumento é muito ruim. Nunca deu certo isso de criticar alguém por se manifestar contra uma coisa errada comparando com a reação dela em relação à outra coisa errada. O suposto silêncio num caso não é conclusivo. Muitas vezes isso acontece por razões práticas: a pessoa não vai se referir a todos os problemas do mundo sempre que tiver que manifestar a sua indignação ou solidariedade em relação a um determinado acontecimento. A crítica, no caso dos que acusam a indignação seletiva da grande imprensa e de algumas pessoas, que trataram de forma diferente o caso do terrorismo em Paris e o rompimento da barragem em Mariana, foi até injusta: as situações são diferentes, incomparáveis. Não se compara terrorismo com acidentes. Isso deveria ser básico.

Para essas pessoas eu digo apenas o seguinte: é bom começar a perceber que o mundo é globalizado, cada vez mais. Ser brasileiro não significa deixar de ser humano e não poder sentir solidariedade diante de uma tragédia como essa que caiu sobre Paris. A solidariedade é universal. E o caso de Paris foi mesmo chocante, quando vemos que pessoas foram executadas aos montes, sem qualquer chance de defesa quando estavam meramente num show de uma banda de rock ou num restaurante. Saíram de casa para serem brutalmente assassinadas. A violência dos ataques em Paris explica por que causou tanta comoção. As pessoas se colocam nos lugares das vítimas, como aconteceu no ataque terrorista a Oslo, em 22 de julho de 2011. Aliás, essa é uma marca do terrorismo do Estado Islâmico, autor dos ataques a Paris: ele atua para que todo mundo se sinta pessoalmente ameaçado em sua individualidade, em sua forma de viver. Não existem alvos estratégicos, exatamente. O alvo são os cidadãos comuns, atacados em suas individualidades. É uma guerra contra a forma que as pessoas pensam o mundo, é um ataque contra os valores mais básicos defendidos nas democracias ocidentais. Nessa linha, todo mundo que não se ajusta ao que eles querem é um alvo, sem qualquer espaço para a tolerância.

Não adianta muito querer se afastar disso e alegar questões geopolíticas fomentadas pelo Ocidente. Isso é um erro. A questão não é essa. A questão é que o terrorismo jihadista do Estado Islâmico tenta se impor na base da violência e não está disposto a dialogar democraticamente, longe disso. Com eles, não há qualquer entendimento possível. Ou é do jeito que eles querem ou é morte, guerra, escravidão etc. Diante dessa postura, a única alternativa civilizatória é mesmo a guerra. A guerra termina sendo, paradoxalmente, a melhor resposta da civilização contra grupos como o Estado Islâmico. É uma guerra totalmente legitimada pelos fatos.

O Estado Islâmico, a propósito, é combatido por simplesmente todo o mundo. Nem os outros grupos extremistas islâmicos são aliados do Estado Islâmico. É unânime a repulsa que ele provoca. O Irã é contra, a Al Qaeda é contra, o Hezbollah é contra, a Arábia Saudita é contra, o Hamas é contra, a Rússia é contra, Israel é contra, os EUA e a Europa Ocidental são contra. Enfim, todo o mundo é contra o Estado Islâmico. Ficar com discursos que, na entrelinhas, esquecem o problema que é o Estado Islâmico para querer atacar a “culpa” do Ocidente na situação é uma asneira política completa. A mesma coisa aconteceu na época do atentado ao Charlie Hebdo, ocorrido em janeiro deste ano. Tinha gente que preferia criticar o jornal a condenar o ataque que matou os cartunistas e editores. É uma questão de razoabilidade aí, de se colocar no lugar das vítimas, de ter um pouco daquilo que nos faz seres humanos capazes de entender uns aos outros, por mais que tenhamos diferenças. Quando se perde essa capacidade e se passa a odiar o outro por simplesmente pensar e agir diferente, a violência vem naturalmente. Contra a violência, as pessoas têm o direito de se defender.

É importante ter em mente que se hoje foi em Paris, amanhã pode ser perfeitamente no Brasil, principalmente considerando que o país passou a sediar eventos internacionais importantes, como Copas do Mundo e Olimpíadas (não preciso citar exemplos de ataques terroristas em Olimpíadas para sustentar esse ponto, basta pesquisar, pois tem até filme de Hollywood sobre isso). O terrorismo em Paris interessa a todo mundo, inclusive aos brasileiros também, lógico. E cada vez mais isso será uma realidade para um país que se pretende ser importante no cenário internacional. Discursar “politicamente” contra a solidariedade genuína que as pessoas manifestam é uma falta de humanidade.

Quem tenta minimizar o ocorrido, criticando ora o Ocidente (supostamente “culpado” pelo que o Estado Islâmico faz, eles dizem: Se alguém decide decapitar outrem ou fuzilar pessoas barbaramente, lembre-se de que sempre é possível culpar outras pessoas e poupar os assassinos que permitem a acusação), ora a reação legítima que o inegável ato de guerra causará (procurar se defender de terroristas que matam qualquer um sem dó nem piedade agora virou objeto de “preocupação” de quem acha ser fuzilado enquanto se está num restaurante ou num show de rock algo banal, digno inclusive de ser ignorado, pois o que importa é se preocupar com a reação do governo do país vitima do ataque, ao passo em que os terroristas, ah, esses podem continuar explodindo e fuzilando friamente as pessoas que não serão objeto de qualquer preocupação), deveria ter a oportunidade de vivenciar uma experiência dessas (por exemplo, estar num show onde pessoas fortemente armadas entram e começam a atirar em todo mundo que vêem pela frente) para nos contar depois como foi. Se conseguisse sair vivo, claro.

O fato é que a França tem o direito e o dever de se defender na situação. Nenhum país sério e decente vai aceitar candidamente que grupos pratiquem em seu solo atos de terrorismo e de guerra como os que foram praticados ontem em Paris. O país tem o direito e o dever de se defender. O povo está morrendo brutalmente apenas porque é cidadão do país. A situação é muito mais séria e grave do que fatos isolados que fazem a festa dos oportunistas de plantão. Retórica de brasileiro de esquerda bunda-mole (que não são todos, frise-se, mas apenas uma parte), que mal consegue defender a honra dos grupos políticos que integra (são chamados de “ladrões” e “safados” e ficam se borrando de medo, por exemplo), é descartável.

No Brasil, é comum a confusão e a perda de foco quanto ao que importa. Brasileiro, na média, é meio voador, barraqueiro e gosta de picuinha. Se você deixar, sempre considerando o padrão médio que se vê por aí, um brasileiro tomar uma decisão num momento importante, que afetará a vida de muitas pessoas, a chance de todo mundo “entrar pelo cano” é grande. No Brasil, a impressão que se tem é que as pessoas são criadas e formadas para escolher errado, para decidir errado. Falta objetividade, noção correta da realidade. Falta bom senso. Tudo isso explica certas opiniões em relação à reação que a França terá depois de ter sido atacada brutalmente. Eles se preocupam com isso e não com a grotesca ação terrorista. Eles acham que é mais um caso policial brasileiro, daqueles em que a classe média branda “bandido bom é bandido morto”.

Os comentários de boa parte dos internautas brasileiros que se autodeclaram “de esquerda” são qualquer coisa de ridículos. Eles realmente acham que a culpa do Estado Islâmico fazer atentados é de países como a França. Para eles, o Estado Islâmico é exclusivamente uma criação dos países que investiram na derrubada de Bashar Al-Assad, o que é falso. O Estado Islâmico cresceu no bojo de um movimento jihadista global cujas raízes contemporâneas foram lançadas pela Al Qaeda. É um movimento internacionalista que não se restringe a questões locais do Oriente Médio, seja na Síria, seja no Iraque. Se grupos paramilitares, embrionários do EI, se mimetizaram entre os vários grupos em conflito na guerra civil síria e conseguiram acesso a armas, isso não significa que os países que financiaram tais grupos conscientemente concordaram com a proposta da jihad global do EI. A conclusão não se se segue da premissa. O Estado Islâmico conta com adesão maciça de pessoas do norte da África e inclusive da Europa (geralmente, descendentes de muçulmanos, muitos deles jovens que mal chegaram à casa dos 20 anos). Existe um movimento ainda pouco estudado e compreendido.

Há um mercado de informações organizado que alimenta grupos como o EI. Pensar que tudo foi um acidente de percurso, algo mal planejado pelas potências ocidentais, é puro desvario e ignorância. Ao contrário do que dizem, a visão de mundo que permitiu que surgisse o EI já existia há muito tempo e, mais recentemente, sempre esteve presente e organizada em sites, blogs, várias entidades islâmicas e nas redes sociais. Eles se valeram de técnicas de propaganda veiculadas para uma sociedade de massas. Foi uma evolução de uma situação pré-existente, com um certo “romantismo” na estratégia do EI de conquistar adeptos. Camile Paglia, em recente entrevista publicada na Folha de São Paulo, tem muita razão quando identifica o elemento da sede por “ação física e aventura”, ao fato de integrarem uma “irmandade”, na adesão de jovens muçulmanos nascidos e criados na Europa. Portanto, o EI não foi uma mera estratégia de atuação geopolítica equivocada do Ocidente. Ele surgiria mais cedo ou mais tarde. A guerra civil na Síria apenas proporcionou, contribuiu ou facilitou que isso acontecesse. O que motiva grupos como EI são conceitos jihadistas fundamentalistas, o ataque aos infiéis e a conversão deles nem que seja na base da força ou da violência. O EI defende o expansionismo islâmico de outras épocas históricas. Não é uma coisa restrita ao nosso tempo, a não ser na forma como eles hoje atuam. Ideologicamente, a semente do EI é intrínseca a uma certa interpretação do islamismo.

Comentando um post citado por um amigo em seu perfil no Facebook, fiz algumas observações que considero pertinentes sobre os ataques terroristas de ontem contra Paris, de autoria atribuída ao Estado Islâmico. O post citado falava sobre o papel de países como EUA e França tiveram ou têm na forma como o EI conseguiu surgir e atuar no cenário internacional. Numa das passagens do post, o autor acusava a França de também praticar o que considerou “terrorismo”, da mesma forma que o EI faz. Transcrevo o trecho do post para que fique mais clara a ideia:

“(…” a França há meses vem atacando áreas supostamente onde o Estado Islâmico atua, todavia matando civis também. Terroristas da mesma laia. O problema é que um lado pode cometer atos terroristas, o outro não. Terrorismo é uma questão conceitual e depende de que lado você se encontra. Infelizmente morre gente inocente dos dois lados. Quem realmente tem culpa está sentado com sua bunda protegida.”

Comparar supostas mortes por “erros” com as mortes de ontem em Paris é um erro e tanto, além de ser um argumento absurdo, totalmente inválido. É dizer que a França conscientemente quis as alegadas mortes dos civis citadas, como os terroristas de ontem intencionalmente quiseram matar as vítimas dos atentados em Paris. Não enxergar a diferença é lamentável. Há uma diferença fundamental entre uma situação e outra: os alvos originais eram diferentes, as intenções eram diferentes. Sobre ser o terrorismo uma questão conceitual que depende do lado em que se encontra, eu até posso concordar com isso. Com o que eu não posso concordar é dizer que o que o EI fez e faz não é terrorismo. Aliás, faltou quem escreveu essas linhas se pronunciar expressamente sobre isso. Apesar de ter dito que eram “terroristas da mesma laia”, não houve a condenação expressa ao que o EI fez e ainda faz. É como se o EI estivesse reagindo com legitimidade aos ataques franceses.

Eu considero um grave problema de certos discursos tentarem relativizar ou minimizar as ações do grupo terrorista Estado Islâmico, usando, para isso, acusações contra ações militares desastradas de países ocidentais. Uma coisa não justifica a outra. No máximo, são ambas as ações condenáveis, sendo importante perceber que as ações de grupos terroristas como o EI, especificamente, não dependem exatamente do que os países ocidentais fazem em suas incursões no Oriente Médio. O que motiva grupos como o EI são questões relativas à interpretação que eles fazem do islamismo (o conceito de jihad que eles assumem como correto). Isso independe da política externa dos países ocidentais para o Oriente Médio. Fazer essa confusão apenas ajuda o EI em sua escalada de terror.

O amigo em questão, onde o comentário foi postado, argumentou com razão que “Acredito que o Ocidente viu nesse movimento jihad uma oportunidade que usa-los para seus fins escusos (desestabilizar países não afinados com suas políticas), mas esqueceram que poderiam provocar uma reação contrária.”

Isso se aplica certamente à Síria. Nisso eu concordo com ele. Os ocidentais não aceitam que Assad consegue manter esses radicais sob controle. A mesma coisa Sadam Hussein (não quero igualar os dois, obviamente, mas sim falar do papel de controle que eles exerciam nos seus países).

Mas temos que combater o terrorismo islamofascista do EI. É um erro das esquerdas enxergarem neles um aliado circunstancial. Não são aliados de ninguém. São inimigos de todos nós. Observe que, por vias tortas, o que a esquerda critica nas potências ocidentais pode acabar sendo o que ela mesma pratica, de forma diferente: deixa de atacar o EI quando deveria estar fazendo isso.

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No Brasil, confronto “oposição x governo” atrasa o país

No Brasil, tudo está muito convencional, repetitivo. Essa conversa de “governo x oposição” é completamente psicótica e nada criativa. Impede as pessoas de pensarem em outras coisas. O país fica cada vez mais conservador. Os intelectuais são pouco ou nada inventivos. A mesma coisa os artistas. Ninguém mais tem projeto genuinamente original e inovador para o país. Viraram repetidores do que outros já fizeram.

Antes, o artista era engajado. Ele pensava em novas ideias, influenciava a sociedade. Atualmente o artista brasileiro, em seu esnobismo imbecil, mal consegue se fazer conhecido e acha que a culpa é do público. O pior é que existe a patota imbecil que concorda com isso, quando o pais já pariu movimentos culturais relevantes em termos internacionais, como a Tropicália ou Bossa Nova. O último movimento cultural surgido no Brasil relevante que eu consigo me lembrar foi o mangue beat. Atualmente e já há um bom tempo, não há nada de criativo e inovador, militante e organizado, com peso e influência sobre a sociedade. Nada. Nem na ciência nem na arte (nem mesmo os projetos de Nicolelis contam porque cai no problema político atual, oposição x governo, perdendo força e influência). Os intelectuais brasileiros se limitam a debates estéreis. Ninguém tem projetos grandiosos que sejam percebidos assim pela sociedade e exerçam influência sobre as pessoas.

Inconcebível que em países como EUA, França, Alemanha, Inglaterra etc, a mediocridade impere entre os intelectuais e artistas. Isso seria inadmissível. Os caras pensam o país e criam ideias que se pretendem importantes, que influenciem a vida das pessoas. No Brasil, as pessoas estão preocupadas em brigar umas com as outras, em xingar uns aos outros. Um é chamado de “petralha” e o outro de “coxinha”. Sério, para ficar nesse tom monocórdico é preciso ser muito limitado. Esse papo de “oposição x governo” é o que está atrasando o país. Essa conversa tem que ser superada. Já deu. É preciso pensar em outras coisas. O país não pode ficar estagnado mais por causa disso. Tem gente que só fala disso, o ano todo. Vamos se tocar aí. O Brasil precisa que as pessoas pensem em outras coisas. Caso contrário, será o triunfo do marasmo, da burrice, da mesmice sobre a inteligência, a criatividade, o talento.

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