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Vaia da oposição não tem, por si só, relevância alguma e é até mesmo esperada

Vaia da oposição não tem, por si só, peso nenhum, relevância alguma. Não considero o caso da vaia que a presidenta da república, Dilma Rousseff, levou na abertura dos trabalhos parlamentares de 2016 relevante, de nenhum ponto de vista possível. O Governo Dilma é efetivamente ruim. Antes de se preocupar com as vaias, devia melhorar o desempenho.
Postarei vídeos abaixo que trazem o debate que se estabelece entre o primeiro ministro britânico e o líder da oposição na House of Commons, no que se conhece como Prime Minister’s Questions (PMQ, na sigla em inglês), que acontece toda quarta-feira, ao meio-dia, na House of Commons. Dura uma hora. O ânimo varia de acordo com os tipos de questões que são colocadas, com os debatedores e também com o clima político então vigente.
Num dos vídeos abaixo, o debate entre James Cameron (primeiro ministro do Partido Conservador Britânico) e Jeremy Corbyn (líder do Partido Trabalhista Britânico) ocorrido no último dia 14/10/2015 está longe de ser travado num clima ameno (num certo momento, Corbyn cobra seriedade à questão que ele vai fazer, dizendo que não é engraçado para um certo Mathew o problema relacionado à moradia que ele enfrenta). A última coisa que se espera nas PMQs é que a oposição aplauda ou seja “agradável” com o primeiro ministro.
Antes que digam que isso não significa autorização para vaiar, a oposição não só vaia, como faz piada, ridiculariza a figura do primeiro ministro. Chama-o de “fraco”, “mentiroso” e “incompetente” com todas as letras, dentre outros ataques. E ninguém se escandaliza com isso, num ambiente democrático de alta intensidade e exercício pleno do contraditório. Tudo bem que a coisa não descamba para a baixaria e falta de educação, mas tem vaia também, algazarra, ironia, comentários ácidos, desqualificação de todo tipo.
Eu considero um modelo de democracia incrível o britânico. Muito mais civilizado e inteligente. Inglaterra é categoria, cria uma independência e segurança nas pessoas. Ninguém se alarma ou se escandaliza com o contraditório, mesmo o mais ferrenho e implacável. Faz parte, simplesmente isso. Política não é uma “panelinha” para abrigar apaniguados ou compadres. Sempre foi e sempre será conflito, briga de interesses. Democracia é isso. Tem que testar o contraditório ao máximo, até isso entrar por osmose. No Brasil, as pessoas ainda engatinham nisso. Se você discorda de alguém no Brasil, é quase 100% certo, na maioria esmagadora das vezes, que você adquiriu um inimigo pessoal para o resto da vida hehe. O Reino Unido é um modelo do que eu chamo de democracia de alta intensidade.
Noutro dos vídeos abaixo, retirado do site do Parlamento britânico, temos uma audiência, ocorrida ontem (02/02/2016), do Secretário de Estado para os Negócios, Inovação e Habilidades (Secretary of State for Business, Innovation and Skills), um descendente de paquistaneses do partido conservador, chamado Sajid Javid. Os deputados questionam o secretário de estado para os negócios, inovação e habilidades das mais diversas formas. A pauta da discussão é sobre a indústria automobilística britânica. No Brasil, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, ou qualquer de suas Comissões, poderão convocar Ministro de Estado ou quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República para prestarem, pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado, importando crime de responsabilidade a ausência sem justificação adequada (caput do art. 50 da Constituição Federal). Quando isso acontece, geralmente estamos diante de uma crise política. No Reino Unido, esse tipo de interação é o habitual, o comum.
Portanto, as vaias são uma bobagem tremenda e a preocupação com elas mostra apenas o quanto este país não tem a menor ideia do que é uma verdadeira democracia. Brasileiro é, na média, autoritário e averso ao contraditório. Isso é assim também porque se perde neste país o foco no que realmente deve importar.
Essa diferença entre as realidades das políticas britânica e brasileira, quando o assunto é a forma com que reagimos ao contraditório e como lidamos com ele, em comparação ao que é observado no Reino Unido, é mais uma questão cultural mesmo. O exercício pleno do contraditório é uma tradição cultural existente no Reino Unido há séculos que os brasileiros precisam assimilar. Isso deve ser aplicado em todas as áreas, não apenas na política, frise-se. Não penso que exista democracia sem esse exercício e sem essa tolerância ao contraditório. A origem de nossa pouca prática democrática advém do regime de opressão e autoritário classista que dominou durante séculos e ainda domina este país.
O povo não era chamado para participar do debate político. As elites dirigentes, autoritárias, não permitiam e tratavam o povo na base da truculência e do desrespeito. Claro que isso termina se espalhando para muitos outros setores. Não temos um povo educado para exercer plenamente o contraditório, máxime na política. Isso, no entanto, precisa ser superado, para o bem de nossa democracia.
Vaia da oposição, reitere-se, não tem, por si só, significado nenhum relevante para a avaliação do governo. Mesmo se a Dilma estivesse fazendo o melhor governo possível, o que não está, ao contrário, faz provavelmente o pior governo possível, a tendência sempre será a de ser desaprovada e desprezada pela oposição. Muito mais importante é que ela melhore e se reporte aos seus eleitores e ao povo. Querer que a oposição seja “boazinha” com ela é uma piada. Oposição existe, dentre outras coisas, para vaiar mesmo. Isso é naturalmente esperado. O resto é ranço autoritário de um povo que ainda não aprendeu a conviver com o contraditório e a se impor com suas ideias. Esse vitimismo brasileiro, eterno sinal de imaturidade, é um atraso. Não gostou da vaia? Simples: Reaja à altura na hora em que ela acontece. Não adianta choramingar depois. Isso sim é ridículo.
David Cameron vs Gordon Brown:
Tony Blair vs. John Major – “Weak, weak, weak!”: 
Jeremy Corbyn vs. James Cameron:
Questionamento do Secretário de Estado para os Negócios, Inovação e Habilidades (Secretary of State for Business, Innovation and Skills), ocorrido na data de 02/02/2016 (ontem), um descendente de paquistaneses do partido conservador, chamado Sajid Javid: http://www.parliamentlive.tv/Event/Index/4158bf1d-1621-4577-a4fa-d42525c79d42

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O argumento que Jean Wyllys não soube desenvolver sobre a existência de Israel

 

A questão palestina-israelense é, de fato, complexa. Jean Wyllys tem razão quando fala isso. No que ele está errado é usar essa complexidade para eximir Israel das críticas que devem ser feitas pelas atrocidades que o país pratica, pois existe um excesso de força na defesa do Estado Judeu de seus interesses. No entanto, algo milita em favor de Jean Wyllys quando ele fala da “complexidade” do conflito, apesar dele não ter sabido desenvolver o argumento, até porque mostrou não ser próximo ao assunto.

Os judeus não criaram Israel por acaso. Eles sempre foram vítimas históricas, isso é inegável. Com o Holocausto, mais ainda isso ficou comprovado. Eles ganharam o reforço moral de que necessitava o sionismo. Permitir a criação de Israel foi até uma forma de compensar isso, séculos de opressão. Isso jamais pode ser desconsiderado. Eles estão certos quando têm isso em mente. Isiah Berlin, filósofo e historiador da ideias letão de origem judaica radicado na Inglaterra (chegou a ser reitor de Oxford durante muito tempo), que era amigo dos fundadores de Israel, como Chaim Weizmann (primeiro presidente do país), disse certa feita que os judeus, mais do que ninguém, sabem que, no frigir dos ovos, somente poderão contar com eles mesmos. Essa percepção, que não surge por acaso, é muito forte na cultura judaica e se fortaleceu a partir do Holocausto. Eu respeito isso na cultura judaica, me identifico com esse sentimento.

A pergunta é: como você vai dialogar com uma sociedade que nasceu dentro desse “espírito” e que até hoje reverbera isso na formação de suas gerações de cidadãos, ao ponto de convencê-los a voltar a viver sob uma situação que em muito os faz lembrar da época em que não tinham uma nação, seja a partir do fim de Israel, seja a partir do momento em que eles voltem a ser minoria num país que se crie integrando os palestinos ao Israel de hoje? Ou, de outro lado, como você vai convencer os israelenses a baixar a guarda contra um povo com quem eles estão tecnicamente em estado de guerra latente há décadas, como os palestinos e os países árabes de uma forma geral?

Não foi por outro motivo que Michel Gherman, professor da UERJ, um dos intelectuais judeus que falaram em defesa de Jean Wyllys durante a polêmica que se estabeleceu na página do deputado, citou a questão da existência de Israel como algo que diz respeito à sua “sobrevivência”. Confiar que uma ameaça real à sua sobrevivência não acontecerá como antes não é algo tão fácil assim, analisando a história dos judeus, um povo com muita história, mas com pouca ou nenhuma geografia, ao contrário dos eslavos, povo com muita geografia, mas com uma história não à altura, como escreveu Berlin num ensaio enaltecedor sobre Israel.

Foi a ingenuidade judaica, especificamente a ingenuidade política de nunca terem tido um país só para eles administrarem, com autonomia, independência e soberania, assim como o ato de confiar nos outros que comandavam as nações nas quais eles tentavam, a duras penas, se integrar, o sentimento de achar que seus perseguidores não chegariam a tanto, um dos inequívocos fatores que contribuíram e muito para fazê-los vítimas no Holocausto. Hannah Arendt fala um pouco sobre isso em “Origens do Totalitarismo”.

Essa lição eles aprenderam e não é tão fácil assim se livrar disso, seguir em frente de uma forma segura, de um modo convicto de que o que aconteceu nunca mais acontecerá. Israel foi criado para romper com todo esse risco e essa insegurança. Eles já discutiram isso entre si ad nauseam. Israel é a melhor resposta que eles encontraram para esse problema e a determinação com que eles se lançam em defesa de Israel tem muitas relações com tudo isso. Portanto, Jean Wyllys tem razão quando fala da complexidade do problema, apesar de não saber direito do que está falando quando faz esse tipo de afirmação.

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A “captura” de Jean Wyllys pela propaganda sionista israelense

 

Jean Wyllys em Jerusalém

Causou muita polêmica nas redes sociais, nos últimos dias, a viagem que o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) fez a Israel, finalizada no dia de hoje (12/01/2016), supostamente à convite da Universidade Hebraica de Jerusalém, para participar de uma conferência intitulada “Brasil e Israel: desafios sociais e culturais”, que aconteceu nos dias 5 e 6 de janeiro de 2016, conforme ele mesmo havia inicialmente divulgado em sua página no Facebook num post publicado no último dia 05/01. As polêmicas aconteceram basicamente na página do deputado no Facebook, nos comentários feitos aos “relatos” que Jean Wyllys publicou depois das visitas e atividades que realizava em Israel.

No primeiro relato publicado na data de 06/01/2016 em sua página do Facebook, intitulado “CIDADE DOS POVOS”, Jean Wyllys afirmou, logo no início do texto, que a viagem “não custou um único centavo ao erário público, já que eu viajei a convite de uma universidade e meus dois assessores pagaram suas próprias passagens”, omitindo o fato de que a iniciativa havia sido custeada diretamente por membros da comunidade judaica do Rio de Janeiro, como divulgou a Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (FIERJ) em nota publicada em sua página no Facebook no dia 07/01/2016.

Num tom professoral, muitas vezes ingênuo e desinformado, visivelmente exibindo pouca aproximação com o assunto da questão palestina-israelense, Jean Wyllys causou perplexidade a muita gente, inclusive ao autor destas linhas, ao repetir, em pontos importantes, um discurso padrão do status quo israelense quando este tenta defender a legitimidade da sua política beligerante que oprime os palestinos, ainda que Wyllys tenha identificado o seu discurso com o de uma esquerda sionista específica que existiria em Israel e com quem ele diz ter se encontrado. Por exemplo, ao narrar, nesse primeiro relato, o encontro com uma ONG intitulada Ir Amin (“Cidade dos povos”), que, segundo Jean Wyllys, “defende a solução pacífica para o conflito entre judeus e palestinos”, o deputado federal do PSOL afirma literalmente o que se segue:

“Visitamos bairros israelenses e palestinos e tivemos a oportunidade de ver com nossos próprios olhos o que a frieza dos mapas com as diversas fronteiras (as anteriores e as posteriores à guerra dos seis dias, e também as que impõe o muro construído por Israel para impedir os atentados terroristas, com efeitos desumanos para os palestinos) e dos livros e artigos que eu já tinha lido, com diferentes opiniões sobre o conflito, não poderiam mostrar.

Contra os preconceitos de muita gente, que acha que todos os judeus israelenses têm as mesmas posições políticas, os ativistas do Ir Amin me explicaram que se opõem à política do governo Netanyahu (para quem não pouparam qualificativos), são solidários com o povo palestino que vive nos territórios ocupados e acreditam que Israel deve reconhecer o estado palestino e negociar um acordo definitivo de paz que reestabeleça fronteiras próximas às de 1967, acabe com os muros e assentamentos, a militarização e a segregação social (a diferença entre os bairros judeus e palestinos é semelhante à que separa a zona sul e as periferias no Rio de Janeiro) e permita construir condições para a coexistência pacífica entre ambos os povos, com dois estados soberanos.

Eles acreditam, como eu, que a paz não pode ser construída sem o reconhecimento mútuo da existência e dos direitos do outro: tanto Israel quanto Palestina têm direito a existir, tanto judeus quanto palestinos têm direito à sua terra. Dois povos, dois estados, em paz. Claro que a partilha não é fácil, como não é fácil acabar com uma guerra continuada durante décadas, mas a paz deve ser um imperativo, um objetivo vital a ser alcançado. A ultra-direita israelense, hoje no governo, e os grupos terroristas e fundamentalistas islâmicos conspiram contra a paz e o medo ajuda ambos os extremos a manter muito poder, mas ainda há muita gente sensata tentando construir pontes de diálogo. Há esperanças!”

Como se observa, filtrando todo esse elogio feito aos membros da ONG Ir Amin, o que sobra no discurso do Jean Wyllys é a ideia de que todo o problema que impede o estabelecimento da paz entre palestinos e judeus israelenses são os extremistas de ambos os lados, a extrema-direita israelense e os grupos terroristas e fundamentalistas islâmicos. Inegável que Jean Wyllys, ao afirmar isso, criou uma espécie de relação simétrica e proporcional entre palestinos e judeus israelenses em termos de responsabilidades pelo conflito, ainda que atribua isso aos grupos extremistas que existem no seio dos dois povos. Para ele, os palestinos são tão culpados pelo conflito quanto os judeus israelenses.

A seguir, Jean Wyllys fala que, na palestra que proferiu na Universidade Hebraica de Jerusalém, fez assertivas sobre as relações similares que ele consegue encontrar entre homofobia e antissemitismo, tendo afirmado que “sempre senti empatia pela dor do povo judeu, que enfrenta, como nós, homossexuais, um ódio antiquíssimo e os preconceitos e incompreensões da direita e da esquerda” e que “Falei da dificuldade de parte da esquerda (e falei isso como militante de esquerda) para enxergar e combater o antissemitismo e a homofobia em suas fileiras, assim como do oportunismo da ultra-direita, que tenta acusar o conjunto da esquerda (como se houvesse uma só e não, como eu vejo, esquerdas, no plural) por esses desvios”. Como se observa, Jean Wyllys deixou claro que faz parte da esquerda que não possui os vícios das outras “esquerdas” que seriam, segundo ele, “homofóbicas” e “antissemitas”.

Nessa linha, ele passa a acusar os críticos, que já haviam se manifestado contrário à viagem desde o primeiro post em que ele anunciou que estava em Jerusalém, de reproduzirem “argumentos sobre o “sionismo” que parecem tirados dos discursos antissemitas mais anacrônicos”, o que fez repetindo um argumento standard dos sionistas que justamente implementam a política beligerante de Israel contra os palestinos, que sempre acusam os críticos desse tipo de atuação política de Israel de serem “antissemitas”.

Aprofundando os seus argumentos, o deputado federal Jean Wyllys, que ano passado foi escolhido pela revista inglesa The Economist como uma das 50 personalidades que defende a “diversidade” no mundo, passa a discorrer sobre as diferentes correntes de pensamento político que convivem em Israel, afastando generalizações especificamente descabidas, afirmando sobre isso que “Acusar todo sionista (ou todo israelense, ou todo judeu) pelas barbaridades praticadas pelo governo de Israel nos territórios palestinos é tão equivocado como acusar todo muçulmano (ou todo palestino, ou todo árabe) pelos crimes do terrorismo do Hamás ou do ISIS ou de outras facções criminosas” e que “É possível repudiar o terrorismo do Hamás e os crimes de Netanyahu, ser a favor do reconhecimento do estado palestino e do direito a existir do estado de Israel e almejar a paz e a coexistência entre ambos os povo”.

Nada disso é exatamente novidade. Só para citar um exemplo do lugar comum que é essa alegação de que em Israel existem pessoas contrárias à política israelense opressora imposta aos palestinos, esse tipo de postura pode ser encontrada naqueles jovens que se recusam a servir ao exército israelense por questões políticas (objetores de consciência), atitude que foi divulgada, acredito, pela primeira vez de forma mais abrangente em termos internacionais, em 2008, num vídeo que mostrava o que significa, em hebraico, ser um “shministim”:

Omer Goldman, que é filha de uma liderança do Mossad (o serviço secreto israelense), foi talvez a mais conhecida desses ativistas. Chegou a dar entrevistas à imprensa internacional e à própria mídia israelense, como se pode ver aqui:

Por fim, no primeiro relato, ao abordar o ponto mais sensível de sua viagem a Israel, Jean Wyllys afirma, sobre o movimento BDS, sigla em inglês para Boycott, Divestment and Sanctions Movemento movimento que defende um boicote internacional a Israel nas mais diversas áreas, a exemplo do boicote feito contra a África do Sul na época em que este país implementava o regime do apartheid contra os negros sul-africanos, uma vez que muitos analistas internacionais visualizam o mesmo problema na postura de opressão israelense imposta ao povo palestino, o que se segue:

“Por último, muita gente me questionou sobre o “boicote a Israel” ou BDS. De acordo com esse boicote, para ser solidário com os palestinos, eu não deveria ter aceitado um convite de uma universidade israelense (a mesma pressão foi feita para que Caetano e Gil não fizessem um show em Israel). Eu sou contra boicotes contra qualquer povo. Acho equivocado confundir governo, estado e população. O boicote detona as pontes e favorece os extremistas de ambos os lados, seja o Likud ou o Hamás.

E vou repetir aqui o que falei no final da minha palestra na universidade: da mesma forma que sou contra o boicote a Israel, acho uma contradição imperdoável que o governo israelense apoie na ONU o bloqueio norte-americano a Cuba!”

Ou seja, Wyllys refutou a validade do movimento BDS porque enxerga nisso uma injusta sanção imposta ao povo israelense, que não pode se confundir com o governo do Estado de Israel. Além disso, Wyllys considera que isso seria uma política equivocada, pois impediria a construção do diálogo em busca da paz e favoreceria os extremistas de ambos os lados, seja o Likud, seja o Hamás. Por fim, ele faz uma analogia do boicote a Israel com o bloqueio americano imposto à Cuba, afirmando ser ambos equiparáveis e igualmente injustos ou inválidos, argumento notoriamente inválido, pois Cuba é quem assume a figura de parte oprimida na questão do bloqueio imposto pelos EUA, enquanto Israel é opressor em relação aos palestinos.

Se a reação ao primeiro dos posts, que tão-somente havia anunciado a visita a Israel, já tinha, por si só, detonado inúmeras críticas de setores importantes da esquerda brasileira, esse primeiro relato publicado pelo deputado Jean Wyllys deu início a uma das maiores polêmicas nas redes sociais brasileiras nos últimos tempos. Muitos militantes da esquerda brasileira ou que simplesmente se declaram como sendo de orientação política “de esquerda” discordaram veementemente das posições assumidas pelo deputado, apesar de muita gente ter manifestado apoio às palavras de Jean Wyllys, entre eles inúmeros judeus da comunidade judaica brasileira, muitos deles que vivem em Israel.

A polêmica somente se aprofundou mais ainda com a publicação do segundo relato sobre a viagem a Israel, intitulado “VER: AMOR”, em que Jean Wyllys começa descrevendo uma visita ao Museu do Holocausto (Yad Vashem), tendo como guia a pessoa de Vraham Milgram, o “Tito”, identificado por Wyllys como “inteligente, sensível e generoso historiador e pesquisador sênior da instituição (…) organizador dos “Fragmentos de memórias” escritos pelos veteranos do movimento juvenil sionista-socialista Dror, fundado em 1945.” De acordo com Wyllys, Vraham Milgram seria um “corajoso” crítico das políticas de Benjamin Netanyahu e da direita israelense em relação aos palestinos e seus territórios ocupados por assentamentos de judeus e que teria declarado a ele que “o povo judeu, vítima de tamanha atrocidade, não tem o direito de ser insensível às violências perpetradas pelo governo de Israel contra os palestinos.”

Depois de relatar um encontro com o escritor David Grossman, que Wyllys disse ser um dos intelectuais judeus cujas obras mais contribuíram para a sua formação (o título do segundo relato, aliás, seria o mesmo de uma obra de Grossman), Jean Wyllys passou a descrever um encontro que ele disse ter tido com representantes do “FFIFP”(cuja verdadeira sigla parece ser FFIPP, segundo informou o jornalista Andrew Fishman, no artigo que escreveu sobre a polêmica envolvendo a visita de Jean Wyllys a Israel no site The Intercept), organização que faz parte do movimento BDS.

O encontro com representantes do FFIPP, que seria um grupo internacional sem fins lucrativos que se denomina uma “rede educativa de direitos humanos Palestina/Israel”, foi descrito por Jean Wyllys nos seguintes termos:

“Depois da visita ao museu e antes do encontro com Grossman, encontrei também com representantes do FFIFP, organização que faz parte do BDS (campanha de “boicote” contra Israel). Conversei com eles porque, embora eu seja contra o boicote (como Grossman e Milgram também o são!), queria ouvir seus argumentos. Eu sempre tento atuar com discernimento, ouvindo diversas opiniões e consultando diversas fontes de informação.

Contudo, se a minha disposição era ouvir, a deles era me “ensinar” aquilo que eles achavam que eu não sabia e me mostrar que eu estava sendo “ingênuo” e ouvindo apenas “o outro lado”. Primeiro preconceito: a subestimação. Segundo: todos os representantes da comunidade judaica (tanto brasileiros quanto israelenses) com os quais conversei nesses dias falaram contra a ocupação dos territórios palestinos, contra (e muito críticos do) governo Netanyahu e a favor da solução dos dois estados, inclusive no debate na Universidade Hebraica de Jerusalém. Terceiro preconceito: eles achavam que, por ser homossexual, eu seria influenciado pela “propaganda” de Israel, que eles chamam de “lavagem rosa”, que supostamente busca seduzir lideranças LGBT mostrando que o país tem políticas de igualdade de direitos, para que apoiem seu governo e sejam “contra” os palestinos. Quanta teoria da conspiração e quanto desrespeito a nós, LGBTs!

Eu ouvi e depois falei a minha opinião. E acho que consegui convencê-los, em primeiro lugar, de que parte da esquerda precisa abandonar seu maniqueísmo e sua visão dicotômica do mundo, dividindo-o em “bons” e “maus”, “heróis” e “violões”. A realidade costuma ser muito mais complexa. Há muito mais do que dois lados no conflito israelense-palestino, porque ambos os povos, como qualquer outro, são diversos. E há israelenses e palestinos que querem a paz e a coexistência e outros que conspiram contra elas. Eu falei que a minha atuação política sempre tenta construir pontes e que acredito que não haja solução que negue a existência e os direitos de um desses povos, seja qual for. A paz e a justiça social deverão ser construídas por ambos. Por isso, a política do boicote a Israel (ou seja, contra o seu povo) é um equívoco: só produz mais ressentimento, fortalece os extremistas de ambos os lados, detona as pontes e impede o diálogo. Se eu tivesse aderido ao BDS, não teria viajado a Jerusalém e não teria podido conversar com ninguém, inclusive com eles! (Aliás, por que não há boicote contra a Síria, cujo governo é responsável por dezenas de milhares de mortes, ou contra a ditadura iraniana, que enforca homossexuais? Será porque não são judeus?).

Concordamos também que parte da esquerda precisa superar sua homofobia. Se outro deputado do PSOL tivesse viajado a Israel, não teria sido subestimado e visto como sensível à “lavagem rosa”. E que conceito horrível! Os direitos conquistados pelos LGBTs israelenses são uma luz numa região dominada pelo fundamentalismo, o totalitarismo, a misoginia e a homofobia, e eu parabenizo esse povo por seus avanços. Contudo, isso não me impede de ser solidário com outros oprimidos nessa terra, como os palestinos, por exemplo, da mesma forma que muitos judeus israelenses o são. E a solidariedade com os palestinos não deveria impedir a esquerda de denunciar a opressão que (por exemplo) os homossexuais sofrem nos países islâmicos, ou reconhecer as conquistas democráticas em Israel! De fato, eu também gostaria de ir a outros países do Oriente Médio, mas não posso, porque em muitos deles poderia ser enforcado ou preso por ser gay. A esquerda também precisa ver isso (e ver a barbárie do terrorismo e dos regimes teocráticos e as ditaduras da região) e parar de priorizar umas causas em prejuízo de outras e subestimar o sofrimento de tanta gente.

Muitos querem que compremos seu discurso pronto, fechado, cheio de “verdades” inquestionáveis e imperativas. E se não o fizermos, atacam-nos nas redes sociais, ofendem-nos e nos desqualificam, exigindo obediência a suas posições. Eu procuro ver, escutar, dialogar, analisar e discernir. Amanhã irei visitar Belém e talvez Hebron, na Cisjordânia, e depois viajarei a Tel Aviv. E continuarei, como até agora, com a cabeça aberta, sem preconceitos e imune às pressões e insultos dos que querem me impor suas “verdades perfeitas”.” (sic)

A partir daí, as críticas às posições de Wyllys, externadas em seus relatos sobre a viagem a Israel, somente se aprofundaram. Quem puxou o coro das críticas nas redes sociais foi o diplomata brasileiro, ex-secretário dos direitos humanos do governo FHC e um dos ex-presidentes da Comissão Nacional da Verdade, Paulo Sérgio Pinheiro, que, em seu perfil no Facebook, publicou um vídeo, que pode ser assistido na página do Facebook intitulada “Rede Social Comunistas” (ver aqui: https://www.facebook.com/200699703303905/videos/vb.200699703303905/1133600520013814/?type=2&theater), afirmando que as notas de Wyllys sobre sua estadia no país são “lamentáveis e deploráveis” e que o deputado revela “uma crassa ignorância e uma total desinformação sobre a política de direitos humanos em Israel.”, conforme também divulgou matéria publicada no site da Caros Amigos.

Em outra parte de seu pronunciamento, Pinheiro afirmou que “Se já é temerário um lutador de direitos humanos visitar, hoje, Israel, é ainda mais lamentável que não visite a Palestina ou Gaza ou se refira a ocupação (da Palestina por Israel)”. Por fim, o diplomata brasileiro afirmou que “Há vários temas que o deputado poderia ter tratado, como as 800 crianças, desde os nove anos, presas por Israel por jogar pedras em forças de ocupação. A romancista que teve seu livro proibido por tratar de uma relação entre um judeu e um árabe. A censura do beijo entre um árabe e um judeu e de outros casais do mesmo sexo. A censura que está sendo impostas às organizações de direitos humanos em Israel. É tudo isso que o deputado Jean Wyllys desconheceu e deveria ter levado em conta na sua visita.”

Quem também chegou a participar da polêmica, tendo publicado um belo comentário na página de Jean Wyllys no Facebook junto ao primeiro relato por ele publicado, que foi replicado em outros sites e por inúmeras outras pessoas nas redes sociais, foi o militante histórico da esquerda brasileira, Waldo Mermelstein, fundador da “Convergência Socialista” e do PSTU, assim como chegou a militar no Chile, durante a época do governo Salvador Allende, sendo ele próprio filho de pais judeus e, portanto, judeu que chegou a morar em Israel num kibutz. O comentário, evidentemente, foi publicado originalmente na data de 07/01/2015, um dia depois da publicação do primeiro relato por Jean Wyllys em sua página no Facebook e, portanto, antes de Jean Wyllys anunciar que visitaria os territórios palestinos ocupados por Israel (algumas pessoas chegaram a trabalhar com a hipótese de que o deputado somente decidiu visitar os territórios palestinos ocupados por causa da reação crítica que sofreu nas redes sociais diante dos seus dois primeiros relatos sobre a viagem a Israel, isto é, essa agenda não estaria prevista desde o primeiro momento, apesar do professor doutor americano James Green ter desmentido isso, como se verá adiante). O texto foi publicado primeiramente num dos comentários registrados no primeiro relato sobre a viagem, mas logo foi publicado em outros lugares da Internet, a exemplo do site VIOMUNDO, do jornalista Luiz Carlos Azenha, como pode se observar no link a seguir: http://www.viomundo.com.br/politica/waldo-mermelstein-jean-wyllys-e-a-velha-cartada-do-antissemitismo.html.

O deputado do PSOL do Rio de Janeiro reagiu às críticas de Paulo Sérgio Pinheiro da pior forma possível, o que provavelmente influenciou o diplomata inclusive a apagar o seu perfil no Facebook. Em dois posts consecutivos publicados, respectivamente, no dia 08/01/2016 e 09/01/2016, Wyllys, levando as críticas desproporcional e irrazoavelmente para o lado pessoal, atacou o diplomata, inclusive insinuando, no primeiros dos posts, que ele teria motivos “obscuros” que precisavam ser “investigados” para ter feito as críticas que fez contra ele, além de atacá-lo como “invejoso” e “desonesto intelectual”.

De fato, assim se pronunciou Jean Wyllys na primeira vez em que responde às críticas de Paulo Sérgio Pinheiro, o que aconteceu no segundo relato sobre a viagem a Israel:

“Enquanto eu concluía essa viagem, recebi, de uma amiga, uma intelectual do Rio cujo nome vou preservar para poupá-la dos insultos e outros ataques vis por parte da legião de imbecis de direita e de “esquerda” que vigora na internet; recebi, dela, um texto de Paulo Sérgio Pinheiro tecendo considerações sobre minha vinda a Israel que são quase um ataque pessoal e gratuito. Só estive na presença de Paulo Sérgio Pinheiro uma única vez, de modo que não existe, entre nós, nenhum episódio específico que justifique sua atitude.

Embora afirme que leu as crônicas anteriores e as chame de “constrangedoras”, está claro que Paulo Sérgio Pinheiro não leu nada, uma vez que, se tivesse lido, saberia que o programa da viagem ainda não se encerrou e que este incluía a viagem de hoje para além dos muros erguidos por Israel. Sendo assim, então a que interesses corresponde esse ataque de Paulo Sérgio Pinheiro? Quais forças o movem? É algo a se investigar…

Ora, um intelectual da envergadura de Paulo Sérgio Pinheiro não se prestaria a se ocupar da viagem de um parlamentar como eu de modo tão vulgar e desonesto intelectualmente se não houvesse motivo maior (e oculto!) que o aparente! Até porque, ao meu lado na atividade da Universidade Hebraica, estavam dois intelectuais que Pinheiro conhece bem (James Green e Renato Lessa), mas sobre os quais não teceu qualquer comentário. Fico até lisonjeado de um intelectual como Pinheiro se prestar a me patrulhar ideologicamente pelo Facebook (Ele, que recentemente integrou a Comissão da Verdade, que teve, por objetivo, resgatar a memória da patrulha ideológica, assédio moral, censura e violências físicas perpetradas pela Ditadura Militar contra intelectuais, ativistas e parlamentares como eu entre 1964 e 1985; aliás, o que seriam dessas pessoas se os intelectuais e artistas europeus e americanos não aceitassem, à época, convites das universidades e intelectuais de esquerda brasileiros para saberem o que se passava de fato no Brasil? É no mínimo curioso que, hoje, Pinheiro exija que eu me negue a aceitar convite semelhante da esquerda israelense e chame minha viagem de “turismo histórico deslumbrado”!). Fico lisonjeado, mas não deixo de lamentar que um intelectual da envergadura de Paulo Sérgio Pinheiro suje sua biografia com texto tão constrangedor (este adjetivo agora cabe de fato!) porque eivado de má fé, desonestidade intelectual e inveja.”

Na sequência desse trecho, ele ainda faz comentários desairosos a Emir Sader e a Milton Temer (que foi deputado federal pelo PT no período de 1995-2002 e hoje é membro da Executiva Estadual do PSOL no Rio de Janeiro, mesmo partido de Jean Wyllys e do qual Temer foi um dos fundadores quando rompeu com o PT por discordar de algumas políticas implementadas no primeiro governo Lula), de quem ele disse sempre ter defendido das “acusações de antissemitismo”, apesar de achar “horrorosas” algumas expressões que ele supostamente usa a respeito, pois sempre pensou que fosse por “desinformação” e não por “maldade”, tendo ainda atribuído a Temer a culpa por ter influenciado que supostos “homofóbicos de esquerda” engrossassem o ataques contra ele pelos seus relatos sobre a sua viagem a Israel.

Milton Temer chegou a responder num dos comentários ao post que veiculou o quarto relato da viagem, nos seguintes termos:

“Fico feliz com a iniciativa da sua visita à Cisjordânia. Houvesse sido anunciada já nos primeiros dias, não me deixaria dúvidas quanto a ser consequência das manifestações múltiplas dos que, mesmo se inscrevendo entre seus partidários, se sentiram agredido com a empolgação de suas crônicas iniciais. Espero que tenha convencido você de que o existente nessa ocupação de uma Nação, onde os corajosos resistentes são taxados de terroristas, da mesma forma que comunistas e judeus o foram na resistência à ocupação nazista na II Guerra Mundial, não é política de uma “minoria extremista”. É, sim, um terrorismo de Estado conduzido por um governo xenófobo, racista e imperialista. Afinal, Netanyahu não é líder de grupúsculos. Ele é primeiro-ministro eleito por sufrágio universal. Minoria, mas minoria mesmo, quase insignificante da sua corajosa luta é a dos judeus que têm olhar fraterno em relação ao povo palestino. Sobre eles, aliás, eu já escrevia no “Teoria &e Debate”, revista da Fundação Perseu Abramo, lá nos anos 90, após visita oficial a Ramalah, na Cisjordânia, onde Arafat estava preso e cercado pelas tropas israelenses em sua própria residência oficial. No artigo, eu deixava claro o quanto de falacioso havia em que definia a situação como “conflito entre dois países”. Até porque o próprio Israel não reconhecem Palestina como tal. O que havia, repito o que escrevi então, era a ocupação atroz de um País equipado inclusive com armamento nuclear, com apoio financeiro e bélico dos EUA , sobre um povo encarcerado em seu próprio território nacional. Você acha que alguma coisa melhorou para os palestinos após tantos anos decorridos? Quanto à sua admiração pela forma como LGBTs têm tratamento digno em israel, vale te informar que, na realidade brasileira, são exatamente os seus principais adversários homofóbicos no Parlamento que têm pelo país a idéia de que seja “democrático”. Se vc quiser detalhes, segue o que acabei de postar, a propósito de nota na coluna do Ilimar, no Globo: “a Frente Parlamentar Evangélica decidiu se posicionar a favor da nomeação da Dany Dayan para embaixador no Brasil. Em nota, diz que a indicação é de um País “democrático e amigo” e que o conflito não interessa a ninguém”. Fica um PS final. Não preciso de sua defesa contra os que me chamam de antissemita por minha solidariedade expressa ao povo palestino. Sou semita de origem e sei quanto de simpáticos ao autoritarismo fascista existe entre os detratores.” (sic)

O deputado Jean Wyllys retomou os ataques aos seus críticos no dia seguinte, 09/01/2016, dessa vez valendo-se de um vídeo gravado pelo professor doutor James Green, da Universidade de Brown e um dos que acompanham a visita de Wyllys a Israel, especificamente à sua palestra na Universidade Hebraica de Jerusalém. Green trabalha na mesma universidade americana na qual o diplomata Paulo Sérgio Pinheiro lecionou como professor visitante. Green tão-somente questiona as declarações de Paulo Sérgio Pinheiro na parte em que ele teria omitido saber, por informações prestadas pelo próprio James Green quando supostamente teria estado em sua residência, que a visita de Jean Wyllys a Israel abrangeria os territórios palestinos ocupados por Israel. Green se diz atônito com o comportamento de Paulo Sérgio Pinheiro e chega a perguntar ao final “O que é isso, companheiro?”.

Ao comentar o vídeo, Jean Wyllys escreveu o seguinte em sua página no Facebook:

“O professor doutor James Green pergunta ao mentiroso e hipócrita tucano Paulo Sérgio Pinheiro (afinal, ninguém nunca viu ou ouviu Pinheiro dizer um “ai” publicamente acerca dos pastores evangélicos fundamentalistas brasileiros, para os quais políticos tucanos e petistas se ajoelham em altares, e que fazem trilha pra Israel a fim de fazerem alianças espúrias com a direita israelense islamofóbica!); Green lhe pergunta no vídeo abaixo: “O que é isso, companheiro?” “

Nesse momento, a polêmica havia atingido o seu clímax. No entanto, se Wyllys esperava que esse vídeo tivesse o efeito de desmentir ou refutar as críticas do diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, o máximo que ele conseguiu foi exibir um constrangedor destempero pessoal no debate, desequilibrado até, pois o vídeo era pura tergiversação quanto ao que exatamente havia criticado Pinheiro.

A mensagem gravada pelo professor doutor James Green NADA TEM A VER com o o cerne das críticas veiculadas, também por vídeo, pelo diplomata Paulo Sérgio Pinheiro em seu perfil no Facebook, que foram pontuais e muito claras (ele depois apagou o perfil, provavelmente contrariado pela reação destemperada do deputado, e o vídeo, obviamente, foi junto).

O diplomata Paulo Sérgio Pinheiro foi muito claro ao classificar os relatos que o deputado Jean Wyllys vem publicando em sua página no Facebook como “lamentáveis” e “deploráveis”, além de exibir “crassa ignorância” sobre as violações aos direitos humanos praticadas pelo estado de Israel contra o povo palestino, sendo esse o verdadeiro cerne das críticas que ele fez. Em nenhum momento do vídeo que divulgou no Facebook, o diplomata Paulo Sérgio Pinheiro se atém ao que estava programado para a viagem do deputado Jean Wyllys a Israel. Portanto, nada do que foi abordado no vídeo gravado pelo professor doutor James Green se refere, com exatidão, ao teor da crítica feita por Paulo Sérgio Pinheiro, a qual se dirigiu especificamente ao conteúdo deplorável, ignorante e não menos lamentável dos relatos que o deputado Jean Wyllys vem publicando em sua página no Facebook sobre a sua visita a Israel. Tanto isso é verdade que, mesmo com Jean Wyllys cumprindo a suposta agenda “programada” da visita, que incluiria os territórios ocupados por Israel, a linha política dos relatos que ele vem publicando se manteve. Ou seja, a visita que ele fez aos territórios palestinos ocupados por Israel não mudou em nada as críticas que o diplomata Paulo Sérgio Pinheiro dirigiu aos relatos do deputado.

Ridículo foi constatar o deputado Jean Wyllys partir, mais uma vez, como costuma fazer, para a desqualificação pessoal desfundamentada contra aqueles que criticam suas ideias e posicionamentos políticos, como fez contra o diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, chamando-o de “mentiroso e hipócrita tucano” supostamente omisso em relação aos pastores evangélicos brasileiros que, quando visitam Israel, fariam alegadas “alianças espúrias com a direita israelense islamofóbica”.

Ora, Jean Wyllys não vai se defender validamente das corretas e pertinentes críticas feitas pelo diplomata Paulo Sérgio Pinheiro atacando uma alegada omissão em relação ao que supostamente pastores evangélicos brasileiros fazem ou deixam de fazer em Israel. Pelo próprio teor da crítica que Paulo Sérgio Pinheiro fez aos relatos do deputado sobre a sua visita a Israel, ficou muito claro qual a sua posição política em relação ao tema da causa palestina. Se ele deixou de falar sobre as viagens dos pastores evangélicos brasileiros, muito provavelmente foi porque não tomou conhecimento ou porque isso não teve e não tem qualquer importância na conjuntura política brasileira e internacional, algo muito diferente quando um deputado federal brasileiro como Jean Wyllys, que vem ocupando espaço na mídia nacional e internacional como proeminente defensor de direitos humanos, publica uma visão distorcida da questão em sua página no Facebook, quando, para a perplexidade geral, chegou a estabelecer uma relação de simetria entre palestinos e israelenses como causa do problema, esquecendo a muito maior responsabilidade de Israel enquanto opressor e violador sistemático de vários direitos humanos da população palestina, que sofre há décadas com uma ocupação criminosa perpetrada pelo estado sionista, notoriamente racista em suas políticas beligerantes, instituidor de um verdadeiro apartheid na região, principalmente na Cisjordânia e em Gaza.

De fato, essa postura totalmente agressiva e inadequada de Jean Wyllys passou uma péssima impressão a todos, ainda que não fosse exatamente uma novidade, mas algo que sempre foi uma característica da forma dele debater os assuntos com quem discorda dele.

Por exemplo, nas respostas que deu a Milton Temer, a impressão que se teve foi a de que o deputado Jean Wyllys era desonesto demais e arrogante demais em sua ignorância sobre a causa palestina para se convencer do óbvio, qual seja, que os crimes contra a humanidade praticados por Israel contra os palestinos não são coisas de uma “minoria extremista”. Ele está imbuído em mostrar para as pessoas que os dois lados padecem dos mesmos problemas, de uma forma simétrica. Os palestinos são tão culpados quanto os israelenses. Impossível não construir a visão de que essa é a opinião de um pelego que deve ter motivos inconfessáveis para agir dessa maneira vergonhosa para alguém que se declara “de esquerda” (sem qualquer passado de uma verdadeira e autêntica militância de esquerda, frise-se).

Em seus relatos, o deputado tem se notabilizado por ser um leitor superficial que vende uma falsa ideia de conhecedor de temas como esse. A postura esnobe e professoral que ele exibe no post em que atacou Milton Temer, Emir Sader e Paulo Sérgio Pinheiro, ao achar que estava descrevendo corretamente a “realidade” da situação ao ouvir uma ou outra pessoa, seria inaceitável com toda a pesquisa, estudos, reportes, matérias jornalísticas, relatos, livros e teses acadêmicas a respeito, se antes não fosse simplesmente patética. O que ele fez? De forma surpreendente em sua megalomania, pretende afirmar a verdadeira situação a partir de parcas experiências que remetem à mais manjada propaganda sionista que distorce os fatos (marca tradicional dos argumentos sionistas beligerantes é sempre ter uma explicação “aceitável” ou “justificativa” sobre os massacres e crimes que perpetram). Jean Wyllys é sionista (defende a existência do Estado de Israel no Oriente Médio, como pregavam os sionistas seminais) do tipo que enxerga legitimidade na ação “defensiva” israelense. Ele apoia essa ideia e está difundido isso entre os seus leitores no Facebook.

A questão não é apenas ele ter ido a Israel ou dizer que nem todo israelense apoia os crimes contra a humanidade praticados pelos sionistas israelenses beligerantes que comandam o país. A questão é relativizar tais crimes, buscando igualar os lados e tentando enxergar uma “complexidade” que justifica e até mesmo torna admissíveis os crimes praticados pelo estado sionista contra os palestinos.

Foi isso que o deputado do PSOL, de forma nitidamente deslumbrada, o midiático amigo de celebridades da Rede Globo, comentarista de redes sociais que exibe, vez ou outra, um insistente complexo de inferioridade (exemplo disso foi o segundo relato que ele publicou sobre a sua viagem a Israel, que é uma prova constrangedora disso, pois ele achou que representantes da organização FFIPP que apoiam o boicote a Israel tentaram “lecionar” para ele e isso não pode, agindo como um juiz de direito que fica com raiva ao ler uma petição bem fundamentada de um advogado porque, de forma despeitada, enxerga nisso uma tentativa do advogado de dizer que ele não sabe o assunto ou que sabe mais do que ele), que usa “cafona” como argumento contra as mulheres que o contrariam (a apresentadora de telejornais Rachel Sheherazade já foi alvo desse tipo de ataque em sua página, sim, isso mesmo, Jean Wyllys, defensor dos direitos humanos das mulheres e de outras minorias, se vale desse tipo de argumento para atacar uma interlocutora mulher, como se pode constatar num artigo de sua autoria intitulado “A subsombra desumana de Raquel Sheherazade“, publicado no site VIOMUNDO), cheio de hype, fez. Ele quis estar entre os judeus sionistas de Israel, porque ele, dentre outros motivos, acha isso cool e politicamente correto. Jean Wyllys exibe esporadicamente esse tipo de comportamento.

Em muitos momentos, ele foi completamente desonesto nesse debate, intelectualmente falando, faltou com a verdade (o que aconteceu quando, por exemplo, omitiu o fato da viagem dele a Israel ter sido financiada por membros da comunidade judaica do Rio de Janeiro, segundo divulgou a própria FIERJ em nota publicada em sua página no Facebook), desvirtuou as coisas, mudou o foco das críticas, acusou indevidamente pessoas sérias de serem homofóbicas, burras, desonestas, críticos de má-fé, que agiam por motivos obscuros, tudo isso com a intenção imatura de manter uma aparência de conhecedor dos temas que muito superficialmente domina. Ao agir assim, infelizmente Jean Wyllys emulou praticamente uma postura em tudo compatível com a de um farsante, cuja arrogância só aumentou com a popularidade midiática que vem alcançado nos últimos tempos.

De fato, é de se questionar sim esse ponto: por que deputado Jean Wyllys, no primeiro relato que publicou em sua página no Facebook sobre essa viagem a Israel, não tornou público que o financiamento da viagem foi feito por membros da comunidade judaica do Rio de Janeiro, como divulgou a FIERJ em recente nota publicada em sua página no Facebook? Por que ele omitiu esse fato e se limitou a dizer que não tinha viajado com dinheiro público e que seus assessores que lhe acompanham tinham pago as passagens?

É uma omissão importante que até agora não foi explicada.

Além de tudo isso, inúmeros internautas que comentavam os relatos sobre a viagem a Israel publicados em sua página no Facebook reclamaram de que posts tinham sido apagados ou perfis haviam sido bloqueados, ou pelo próprio Jean Wyllys ou pela sua assessoria de comunicação, que muitas vezes responde aos comentários publicados pelas pessoas em geral.

Sempre que ele esteve acuado, ele usou a acusação de homofobia. Nisso ele se assemelha com os sionistas: sempre que estão acuados, usam a acusação do antissemitismo, valendo-se inclusive da eterna “carta nas mangas” do Holocausto. Aliás, não foi por acaso que ele, no primeiro relato que publicou sobre a viagem, disse que existiam semelhanças entre os homossexuais e os judeus em termos de perseguição. Isso já era um prenúncio do que estava por vir.

Nessa linha, antes de escrever o quinto relato sobre a viagem a Israel, Jean Wyllys continuou a colocar lenha na fogueira da polêmica, em post publicado no dia 09/01/2016, no qual transcreveu texto de Michel Gherman, professor da UFRJ e pesquisador do NIEJA, cuja íntegra reproduzo abaixo o que foi publicado pelo deputado em sua página no Facebook:

“São dias difíceis pra mim. A ideia de que um parlamentar da esquerda brasileira pode vir a israel para apresentar ao publico brasileiro multiplas formas de resistência e combate a ocupação tem sido desafiada por setores dessa mesma esquerda. Despejando dogmas e preconceitos, colegas a quem repeito e intelectuais que são referência pra mim destlilam ódio e simplificação nas redes sociais. Para eles, não basta ser contra Bibi, combater a ocupação e denunciar o fascismo que cresce em Israel; para eles a “Verdadeira Esquerda” deve ir além. Ela deve entender todo como um e a um como todos.

Nessa perpectiva Eu, Bennet, Dov Chanin, Yeshaihau Leibowitz, Meir Kahane, Amós Oz, David Grossman, Nitzan Horowitz, Charle Biton, Yosi Yona e outros seríamos a mesma coisa. Não importa nossa posição, o que pensamos, o que publicamos e o que fazemos; somos todos alvos de um boicote (não me refiro somente ao BDS) e trabalhamos para o governo a ocupação… sei lá pra quem.

Me sinto aqui invisível e imagino que tambem outros colegas que estão aqui comigo. Entendam, diferente daqueles que vomitam regras no facebook, o caso, para mim, é de outra ordem. Defender Jean Wyllys é garantir minha sobrevivência. E sabem o quê? Sei que não conto com vocês para isso.

Pior: não posso acusar vocês pela chacina de Vigário Geral, não posso dizer que vocês são todos bolsonaros, nao posso dizer que o menino da favela de manguinhos foi morto por vocês… sei que voces são o “outro lado”. Sei que vocês denunciam esses assasinos e esses assassinatos. Assim, se eu acusasse vocês de estarem do mesmo lado destas bestas, por serem brasileiros, eu seria desonesto. Vocês parecem não ter essa preocupação.

Por fim, acho estranho que o BDS seja mais importante que a denúncia da ocupação, acho estranho que o BDS seja mais importante que um relato de um palestino de Belém, ou que seja mais importante que a corajosa fala de Grossman. Tendo a desconfiar de posições dogmáticas e parece que apoiar o BDS é uma delas. Aliás, me estranha a forma de tratar tal deputado de alguns colegas e de alguns intelectuais. Eles tem chamado seus posicionamentos de “deslumbre”. Será que estes setores da esquerda resolveram sair do armário? Será que quando um deputado gay aponta uma posição diferente podemos acusá-lo de “deslumbrado”, sem sermos acusados de homofóbicos?”. (sic)

A coisa ficou pior a cada post. Agora, a postura de quem deixou de criticar os crimes contra a humanidade praticados por Israel, porque viu nisso um reflexo da “complexidade” da situação, que não permite falar em “bem” contra o “mal”, que viu nisso uma consequência das ações extremistas que existiriam, em igualdade de condições, frise-se, dos dois lados (palestinos e israelenses), como se os palestinos pudessem ser comparados, em pé de igualdade, com Israel, enfim, porque viu nisso uma forma de construir “pontes” entre as duas partes, pode ser comparada validamente a uma autorização para que se acuse os brasileiros que apontaram esses erros nos relatos do deputado Jean Wyllys de serem coniventes com os massacres perpetrados contra alguns grupos desfavorecidos no Brasil (o cidadão, colocando a cereja no bolo de sua falácia estúpida, chega a citar a chacina de Vigário Geral, vejam vocês).

Onde está a falácia? A falácia está no fato de que nenhum dos críticos que apontaram os erros nos relatos do deputado Jean Wyllys compactua ou deixou de fazer as críticas necessárias contra atos como o que foi praticado em Vigário Geral, ao passo que o deputado exibiu uma postura condescendente e lamentavelmente ignorante em relação à causa palestina, silenciando em relação aos crimes praticados contra os palestinos pelo estado sionista e vendo nisso um mero reflexo da “complexidade” do conflito, deixando claro que coloca os palestinos e Israel no mesmo patamar em termos de responsabilidades.

A comparação feita acima por Michel Gherman, portanto, é improcedente, é falaciosa e falsa, sem valor algum. Quem criticou Jean Wyllys jamais viu em chacinas como Vigário Geral um ato “justificável”, como a esmagadora maioria dos israelenses procura justificar os crimes que Israel pratica contra os palestinos, vide os comentários de muitos sionistas que aportaram na página do deputado no Facebook e transformaram-na num posto avançado de defesa da política beligerante israelense. Não se pode enxergar nos crimes praticados por Israel algo inerente à “complexidade” da situação, ao ponto dessa tal “complexidade” se tornar a panaceia que serve para absolver moralmente e legalmente Israel dos crimes que ele pratica. É para esse cenário que os relatos do deputado Jean Wyllys se dirigem, o cenário da condescendência e aceitação subserviente dos crimes praticados por Israel. Se ele não quer ser visto dessa forma, que mude a sua postura e passe a fazer as críticas a Israel que um verdadeiro defensor dos direitos humanos deve fazer.

De outra banda, chamar a postura de Wyllys de “deslumbrada” não tem nada de homofobia. É o uso de uma palavra que se ajusta perfeitamente a quem foi para Israel, financiado por membros da comunidade judaica do Rio de Janeiro, como divulgou em nota a FIERJ, para defender ideias que são em tudo pura propaganda sionista. Aí ele aparece nas fotos fazendo “turismo político”, posta nas redes sociais dizendo-se “emocionado” por estar visitando o país pela primeira vez, ganha atenção e posa de “racional” e “pacifista”, esquecendo todo o sofrimento que Israel impinge aos palestinos. Tudo isso em nome de quê? De ter conseguido estreitar laços com a comunidade judaica carioca? Para posar de amigo da comunidade judaica carioca? O que é isso, se não é deslumbramento?

Jean Wyllys visivelmente evitou fazer as críticas a Israel que deveria fazer porque, dentre outros motivos ainda não exatamente claros, tornou-se próximo à comunidade judaica carioca. Virou algo pessoal para ele. Ele não ia ser financiado para viajar para Israel por judeus que apoiam o sionismo e depois aparecer criticando a política beligerante israelense. Daí você entende o tom que ele exibiu em seus relatos sobre a viagem a Israel. Aliás, basta olhar para o quê se tornou a página dele no Facebook: um posto avançado de defesa do sionismo beligerante israelense, considerando a quantidade de judeus sionistas brasileiros que por lá aportaram para defender a política militar israelense, vista e apontada em muitos comentários como algo “legítimo” em termos de autodefesa.

Foi a isso que se juntou Jean Wyllys nessa viagem e isso ficou claro nos relatos que ele escreveu até aqui. Seus eleitores de esquerda e muitos que respeitavam a sua militância pró-direitos humanos, especialmente do movimento LGBT, estão decepcionados, inclusive eu, que cheguei em algumas ocasiões a exortá-lo em sua página no Facebook a assumir posições mais incisivas e menos coadjuvantes em termos de liderança política. Lamentável. No entanto, ainda dá tempo para aprender com a experiência, refletir e rever uma série de fatos e posições equivocadas. Reconhecer o erro da postura, fazer a autocrítica. Caso contrário, a impressão que ficará comprometerá inclusive a pessoa dele, não apenas a do político.

Um dos aspectos presentes no texto de Michel Gherman, professor da UFRJ e pesquisador do NIEJA, citado por Jean Wyllys em sua página no Facebook é um que critica o boicote por enxergar nisso um fator prejudicial ao tipo de militância política contrária às ocupações promovidas por Israel nos territórios palestinos. Por enxergar nisso uma injustiça que teria motivações um tanto obscuras, ele insinua, ao questionar o que exatamente estaria por trás dessa posição que colocaria inclusive em risco a sobrevivência dele e de outras pessoas que são contra as ocupações dos territórios palestinos por Israel, que a verdadeira motivação por trás do boicote internacional apoiado por pessoas com as quais ele não pode contar seria o sempre recorrente argumento do antissemitismo. Em outras palavras, é possível extrair da argumentação de Gherman que, quando as pessoas que apoiam o boicote internacional assim o fazem mesmo sabendo que atingirá pessoas da esquerda israelense que são solidárias à causa palestina, isso acontece porque é um problema derivado de um sentimento contrário aos judeus, independentemente de suas posições políticas em relação aos crimes praticados contra os palestinos.

Esse argumento deve ser combatido veementemente, porque ele, em última análise e por via indireta, estabelece uma superioridade ou prioridade dos direitos humanos dos judeus que são contra a política beligerante criminosa imposta aos palestinos, quando comparados os direitos humanos de que são detentores tais pessoas aos direitos humanos dos próprios palestinos vítimas desta opressão. Ou seja, os judeus israelenses que são contrários aos crimes praticados pelo Estado de Israel não merecem sofrer os efeitos do boicote internacional, independentemente da situação dos palestinos, que podem continuar a sofrer os efeitos da opressão israelense.

Para ilustrar esse desdobramento do argumento de Michel Gherman, imagine que o país “A” se considera em “guerra” com um determinado povo que forma, senão um país, uma “nação” ou algo muito semelhante a isso. Imagine ainda que esse pais “A” ocupa vários territórios onde reside esse povo. Quando os conflitos bélicos começam, você acha que as diferenças políticas entre a esquerda e a direita do país “A” tem algum peso quando bombas e tiros são disparados/detonados na realidade contra o povo contra o qual o país “A” se considera em guerra?

Na prática, esquerda e direita nessa hora não significam nada, absolutamente nada, ainda mais num país como Israel. Na prática, em toda situação de Guerra ou semelhante, esquerda e direita se tornam uma coisa só contra o inimigo externo. Para ilustrar mais ainda aonde eu quero chegar, imagine que o Brasil entre em guerra com um outro país. Se isso acontecer, as diferenças entre o PT e o PSDB, os dois principais adversários da política brasileira, nessa hora, não significarão nada. Ambos os partidos e seus militantes se unirão contra o inimigo externo, assim como todos os setores da população farão o esforço de guerra, sob pena de traição, “quinta colunismo” etc.

A particularidade de Israel é que se alega existirem setores da esquerda, certamente amplamente minoritários, que seriam contra essa “Guerra”, considerada “injusta”, “errada”, “uma política contrária à segurança do próprio Israel”. Mas não tem poder nenhum, não muda a política beligerante de Israel, que sempre foi a mesma e se tornou expansionista ao longo do tempo.

Em suma, se em situações normais, direita e esquerda, por mais parelhas que sejam num determinado país, se juntam contra o inimigo externo em caso de guerra, isso acontece de um modo muito mais avassalador em Israel, porque a presença da esquerda, que, segundo alegam, poderia fazer a diferença, é ínfima. Por isso que o argumento contrário ao boicote internacional que diz que ele prejudica a esquerda israelense é ruim, não tem qualquer força, é dissonante da realidade.

Na verdade, é justamente o contrário: a legitimidade do boicote internacional está precisamente na falta de poder político da esquerda israelense que, segundo alegam, poderia fazer a diferença. É por isso que é preciso lançar mão do boicote internacional, sob pena de contribuir para que a situação de opressão contra os palestinos perdure indefinidamente, sem que nada de efetivo possa ser feito para mudar a situação.

Ressalte-se que nada disso muda em virtude de existir uma oposição ao Likud que quase venceu as últimas eleições israelenses, pois, segundo alegam alguns, a vitória de Benjamin Netanyahu foi apertada nas urnas. Em razão disso, alguém pode alegar que é falsa a premissa de que a esquerda israelense que poderia fazer a diferença em favor dos palestinos é inexpressiva ou ínfima.

Esse argumento conflita com os fatos e com a lógica, uma vez que eles apontam para a conclusão de que a oposição israelense que quase bateu Netanyahu nas urnas não pode ter o mesmo perfil da esquerda israelense que supostamente faria a diferença, ao menos na amplitude desejada e necessária para mudar a situação de opressão dos palestinos.

Isso é assim porque Israel vem implementando sua política beligerante opressora contra os palestinos há décadas e só faz aumentar as restrições e as violações aos direitos humanos à medida que o tempo passa. Só para citar um exemplo, dentre tantos outros, inclusive apontado pelo diplomata Paulo Sérgio Pinheiro na carta que escreveu para Caetano Veloso e Gilberto Gil, pedindo que eles não tocassem em Israel, “há uma média anual de 700 crianças presas, muitas vezes espancadas e submetidas a tortura, submetidas a cortes militares.São regularmente detidas e julgadas por delito de jogar pedras, cuja pena é baseada no número e tamanho das pedras. A defesa legal das crianças é praticamente inexistente”.

Então, diante desse cenário factual, das duas, uma, escolha: ou a esquerda israelense que supostamente seria capaz de fazer a diferença é inexpressiva, ínfima como eu escrevi, ou existe uma outra “esquerda”, encastelada na oposição que quase venceu Netanyahu nas últimas eleições, que não faz diferença alguma, como se alega, e, ao contrário, compactua com esse estado de coisas.

Como atesta o diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, crianças palestinas presas, submetidas a cortes militares, torturadas e espancadas pelo crime de jogar pedras, cuja pena é baseada no número (!) e tamanho (!!) das pedras. A defesa legal das crianças é praticamente inexistente. Onde a esquerda israelense que supostamente faz a diferença? Pelo visto, a esquerda não minoritária, a que disputa com Bibi Netanyahu a preferência do eleitorado israelense, compactua com esse tipo de situação. Os fatos são eloquentes: Israel aumentou a sua presença colonial na Palestina, aumentou as restrições, aumentou os assentamentos ilegais, aumentou as violações ao direitos humanos. Onde a esquerda que alguns, como o professor da UERJ Michel Gherman, dizem que faz a diferença? Ninguém enxerga em lugar algum!!

Outro argumento inválido é o que diz que o boicote também atingirá as populações palestinas e inviabilizará os dois estados (o Estado Judeu e o Estado Palestino). Primeiro, a finalidade do boicote é melhorar a vida dos palestinos dificultando a vida dos israelenses, que passarão a sentir na pele o isolamento internacional e, assim, talvez comecem a perceber que não podem continuar a tratar mal os palestinos. Segundo, a atual situação dos palestinos já é ruim em razão dos atos israelenses, de modo que antes de gritar contra o boicote, pessoas como o professor da UERJ Michel Gherman deveriam era estar lutando de forma eficaz para que Israel mude a sua política em relação aos palestinos, sob pena de contribuir, por omissão, para que a opressão israelense contra eles continue a gerar os seus efeitos nefastos.

Em outras palavras, ser contra o boicote, mas nada fazer ou não ser capaz de fazer muita coisa efetiva, por falta de poder político, para que a situação dos palestinos melhore, não é válido, pois o que se pretende é mudar isso. Por fim, o boicote internacional não tem a finalidade de inviabilizar o Estado Judeu nem o Estado Palestino. A não ser que se admita que Israel só pode existir se for na base da opressão contra os palestinos!

Portanto, a premissa de que a esquerda israelense que supostamente faria a diferença é inexpressiva ou incapaz de implementar as mudanças necessárias em favor dos palestinos é baseada na lógica e nos fatos. Como eu demonstrei logicamente e baseado nos fatos, se a esquerda que disputou com Bibi a preferência do eleitorado israelense tivesse o peso político que alguns usam para ser contra o boicote internacional do movimento Boycott, Divestment and Sanctions (BDS) Movement, a situação dos palestinos seria completamente diferente. Simples assim. Portanto, a premissa que diz que isso atrapalharia ou prejudicaria a luta e os interesses da esquerda israelense é que é falsa, inválida, uma vez que a função que ela vem desempenhando, em termos concretos, é insatisfatória, insuficiente para melhorar a situação, muito menos ainda para resolvê-la.

O argumento, como se observa, é simples de entender: se a esquerda israelense que é contra os desmandos e crimes praticados contra Israel pelos palestinos pode realmente fazer a diferença, uma vez que não seria ínfima nem inexpressiva, por que então os palestinos vivem em situação cada vez pior? Não faz sentido. Isso nos leva a concluir que a esquerda que quase venceu Netanyahu não tem o peso político, na dimensão necessária, para a melhoria da vida dos palestinos, seja porque a esquerda que ostentaria esse perfil é muito minoritária, seja porque a esquerda que quase venceu as eleições não tem exatamente esse perfil político. Se a esquerda israelense tivesse realmente esse papel decisivo na sociedade israelense, é óbvio que, depois de tantos anos, algo já teria sido feito neste sentido. O problema é que não se observa nada disso, daí porque o boicote internacional é legítimo, independentemente da existência de israelenses que são contra a política beligerante de Israel contra os palestinos.

O fato de setores da esquerda israelense serem contra o boicote internacional evidencia justamente isso, que eles não estão dispostos a realmente mudar a situação, pois se sentem diretamente prejudicados e tendem a proteger os seus interesses enquanto cidadãos israelenses, em detrimento dos interesses palestinos. Ou seja, inevitavelmente, quando se colocam contra o boicote, mesmo quando se mostram incapazes politicamente de melhorar a situação dos palestinos, seja por que motivo for, automaticamente eles se colocam no lado oposto à causa palestina. Não há como contornar isso.

O argumento dos que pedem que se não faça um boicote internacional, porque isso irá prejudicar a situação da esquerda israelense é simplesmente patética, caracterizando-se inclusive como uma chantagem emocional, aqui sim, totalmente sem hombridade, sem dignidade, uma coisa ridicularmente vergonhosa. É preciso ter um pouco de vergonha na cara e perceber o que está se colocando por meio do boicote internacional ao estado criminoso de Israel e seus cúmplices, à direita ou à esquerda.

As pessoas estão preocupadas com a situação calamitosa dos palestinos e não se o boicote vai atingir a “esquerda” israelense. A “esquerda” israelense, se não quer ser atingida, tem que pressionar a direita a mudar a sua política e não ser contra o boicote, como alguns estupidamente sugerem. Você não vai convencer as pessoas a protegerem a “esquerda” israelense que não é oprimida como os palestinos são. A prioridade são os palestinos. É ridículo argumentar contra o boicote internacional a Israel porque isso atingirá cidadãos israelenses que se dizem de esquerda e contra a política opressora aos palestinos, constrangedor até, eu diria.

A verdade é que Israel pratica um apartheid contra os palestinos. Os únicos racistas dessa história são os israelenses sionistas beligerantes que significativa parcela do povo israelense apoia politicamente e vota neles nas eleições. A legitimidade do boicote internacional a Israel nasce de sua postura opressora, beligerante, racista, por isso deve sofrer boicote ostensivo e sistemático, o mais amplo possível, exatamente como foi feito com a África do Sul quando lá vigorava um apartheid.

Esse discurso presente no debate evidencia problemas críticos das posições assumidas pela esquerda sionista israelense, a qual, ao que tudo indica, parece não ser capaz de criar uma atuação que sustente o resgate da dignidade do povo palestino.

E é exatamente neste ponto que merece destaque um episódio que passou completamente despercebido pelos que participaram do debate e que eu passarei a narrar de agora em diante. Esse episódio é importante porque ele evidencia o que pode ter acontecido com o deputado Jean Wyllys durante essa viagem a Israel.

A propaganda sionista israelense vem enfrentando o problema do movimento BDS por meio de ações que visam criar uma imagem do país no exterior condizente com a de um país democrático e tolerante em relação aos direitos humanos. Exemplo disso foi a recente visita do ator e diretor americano de cinema, Sean Penn, a Israel para receber um prêmio concedido por uma organização israelense pela atuação humanitária num caso que envolveu a prisão de um judeu ortodoxo americano na Bolívia (maiores detalhes, clicar no link indicado anteriormente). Esse tipo de estratégia parece ter sido aplicada também ao caso do deputado federal Jean Wyllys, do PSOL do Rio de Janeiro, que deve ter estreitado laços com a comunidade judaica carioca, inclusive a que se encontra presente em Israel. É justamente neste momento que entra a importância de se analisar o perfil político e editorial de um site chamado “Conexão Israel“.

O deputado Jean Wyllys, na última sexta-feira (08/01/2016), deu entrevista a um site chamado “Conexão Israel” sobre a sua recente viagem a Israel. (ver o vídeo aqui: https://www.facebook.com/conexaoisrael.org/videos/965104980223555/?hc_location=ufi).

O site “Conexão Israel” tem como tema textos informativos sobre Israel e/ou temas relacionados, cujos autores, ao que parece, são pessoas nascidas no Brasil que moram em Israel e que se declaram sionistas, enfim, judeus nascidos no Brasil que defendem a existência do Estado de Israel no Oriente Médio. Alguns desses blogueiros são ligados à Universidade Hebraica de Jerusalém, universidade na qual o deputado Jean Wyllys participou de uma conferência intitulada “Brasil e Israel: desafios sociais e culturais”. Eu consegui contar pelo menos 4 blogueiros que escrevem para o Conexão Israel que ou se graduaram na referida universidade ou fizeram pós-graduação, de um total de 14, mas nem todos divulgam dados sobre a sua formação acadêmica.

Curioso para saber qual a linha editorial do site “Conexão Israel”, fui ler alguns textos. A proposta parece a de ser um site que condensa textos de várias pessoas, como se fossem vários blogs. Li os textos de um advogado judeu carioca que mora em Israel desde 2007 e de uma jornalista nascida em Recife, “mas de sangue paulistano”, como ela faz questão de frisar no texto que a apresenta no site, afastando a possibilidade de ser considerada “nordestina”, afinal, nós sabemos o quanto a questão racial é importante para os sionistas engajados. Essa jornalista nascida em Recife informa que mora no país desde 2012. Os dois colaboram com o site (parece que a relação não é profissional, mas de colaboração). Os textos que eu li desses dois “blogueiros”, por assim dizer, analisando o perfil político-editorial que brotou dos textos, dá uma boa ideia da enrascada política em que o deputado Jean Wyllys se meteu.

Um desses “blogueiros”, um advogado natural do Rio de Janeiro de nome Marcelo Treistman, que se identifica como estando “em seu penúltimo ano como líder da Chazit Hanoar”, que é um movimento juvenil judaico existente na América do Sul, com sedes no Rio de Janeiro (bairros de Botafogo e Barra), Porto Alegre, São Paulo e Montevidéu (para saber mais o que é essa entidade, clique aqui: http://www.chazit.org/#!quemsomos/cxys), chega a se referir a Israel como “meu país” ou “nosso país”. Ele escreve em português. Um negócio esquisito em seu nacionalismo judaico um tanto exacerbado. Todo ser humano considerado “judeu” tem a cidadania israelense garantida por lei, independentemente do país onde originalmente nasceu, mas é um tanto esquisito ver um falante de português que nasceu no Brasil referir-se a Israel como se fosse sua terra natal. Isso vindo de um carioca que mora lá apenas desde 2007.

Chega a ser engraçado o esforço tremendo que esses judeus brasileiros fazem para se apresentar como “judeus cidadãos de Israel”, isso quando nem se expressam ou escrevem em hebraico, que é o que se evidencia pela ausência de textos em hebraico no site “Conexão Israel”. Aliás, isso torna mais estranho ainda essa necessidade de se afirmarem cidadãos israelenses, quando nem o hebraico dominam num nível compatível com esse ardor nacionalista todo. Se são tão nacionalistas assim, deveriam apenas se expressar em hebraico, inclusive para a comunidade judaica brasileira. Mas eles não fazem isso, apesar do empenho com que se declaram israelenses. Parece ser mais uma faceta do complexo de vira-latas brasileiro, em sua versão sionista. Não consigo imaginar que um judeu americano ou europeu, na média, seja tão fervorosamente nacionalista em relação a Israel quanto os sionistas brasileiros que eu vi aportarem por aqui, na página do Jean Wyllys no Facebook. Simplesmente todos os judeus brasileiros sionistas que escreveram na página do Jean Wyllys no Facebook nutrem um forte nacionalismo israelense, um fenômeno que eu considero inerente ao subdesenvolvimento brasileiro.

Voltando a falar do site “Conexão Israel”, para se ter uma ideia, num dos textos, intitulado “A Casa Caiu!” (ver aqui: http://www.conexaoisrael.org/casa-caiu/2015-01-12/marcelo), esse blogueiro Marcelo Treistman tenta, ainda que não registre expressamente a sua posição, argumentar favoravelmente acerca da legitimação moral e sobre a legalidade da política de demolição de casas adotada uma época por Israel para punir a família dos palestinos que pratiquem atos considerados “terrorismo” ou “terroristas” (ele está interessado em analisar o quanto seria “moral” e “legal”, pois eficiente contra o “terrorismo,” ele já concluiu que esse tipo de política é). Essa política consistia basicamente no seguinte: O governo estava autorizado a demolir as casas das famílias cujo membro praticasse um ato considerado terrorista, punindo quem não praticou a ação classificada como criminosa (ou seja, os membros da família). A política ainda prevê a hipótese de demolição preventiva, ou seja, antes do atentado classificado como terrorista acontecer. Essa política foi aplicada por Israel durante uns anos e depois, diante das críticas, foi abolida. Ano passado (2015), o governo israelense a retomou.

O texto do sionista carioca Marcelo Treistman, coincidentemente ou não, cita pesquisa publicada pela Universidade Hebraica de Jerusalém que concluiu que esse tipo de política era “eficiente” contra o “terrorismo”, apresentando estatísticas de “diminuição” de ações “terroristas” nos meses em que o governo israelense demolia casas das famílias cujos integrantes praticavam algum ato assim classificado. Essa universidade foi justamente na qual o deputado Jean Wyllys palestrou em sua recente visita a Israel e que tem parte de suas instalações construídas em terras palestinas de Jerusalém Oriental.

Outro texto desse blogueiro que eu li no site “Conexão Israel” me permitiu perceber qual a linha política e editorial que ele defende, apesar da falta de clareza do blogueiro em assumir, sem qualquer obscuridade, suas posições, já que sempre existe uma dubiedade nas palavras. Nesse outro texto, cujo título é “Rabin e a Lenda da paz”, que aborda o perfil político do primeiro-ministro assassinado por um judeu israelense (Yigal Amir, que cumpre pena de prisão perpétua) em 1995, ele dá a entender que acredita no princípio de que não pode haver paz com os palestinos (ver aqui o texto: http://www.conexaoisrael.org/rabin-e-a-lenda-da-p…/…/marcelo).

Vejam um dos trechos do texto:

“O discurso de Netanyahu não foi um deslize. Possuía uma direção muito clara e representa uma visão de mundo: ele indica a sua crença de que a resistência ao Estado Judeu pelos palestinos não é fruto de qualquer disputa territorial, da construção de assentamentos ou da péssima qualidade de vida daquela população. Suas raízes são mais profundas e a sua história origina-se no antissemitismo: a incitação à violência e os ataques a faca contra judeus que ocorreram nos tempos de outrora e a similaridade com o que ocorre em nossos dias estão aí para provar que “desde Mufti, nada mudou”. É possível deduzir, portanto, que se nada do que fizermos mudará o amâgo daquela sociedade, Netanyahu coloca uma pergunta na mesa: por que devemos fazer alguma coisa se o que nos resta é apenas nos defender?”

Em outro post de seu blog no site “Conexão Israel”, Marcelo Treistman publica um artigo de um outro autor chamado Bassam Tawil, um autor que usa um pseudônimo árabe, mas que pode ser um judeu (ao que parece, não é o nome dele verdadeiro e o site de onde ele pescou o texto se negou a informar ao advogado Marcelo Treistman maiores informações sobre ele além das que constam no site, por questões de segurança), e escreve num site americano chamado Gatestone Institute (http://www.gatestoneinstitute.org/about/). Esse autor é de direita israelense ou se alinha politicamente à direita israelense, como se pode observar somente lendo os títulos dos textos que ele publica, como se observa aqui http://www.gatestoneinstitute.org/author/Bassam+Tawil.

Nesse texto publicado no “Conexão Israel” por Marcelo Treistman, Bassam Tawil (“pseudônimo”, que é outro nome para o que nada mais é do que um perfil “fake” de Internet), questiona o que afinal “quer o terrorismo palestino”. No texto, Bassam Tawil aborda, por exemplo, a morte de um palestino de 19 anos, chamado Fadi Alloun, descrito no texto como “possivelmente o homem mais bonito de Jerusalém”, que detinha um padrão de vida muito bom se comparado com os seus correlatos palestinos, vestia roupas da moda, podia viajar para qualquer lugar de Israel, pois tinha ID israelense (tudo isso é dito como uma coisa de outro mundo e não é por acaso: muitos palestinos não tem acesso a nenhum desses direitos), mas que foi morto depois de esfaquear um adolescente judeu de 15 anos (a matéria linka um site árabe onde aparece um vídeo que registrou o momento exato da morte de Fadi Alloun por policiais israelenses, pouco depois dele ter esfaqueado o adolescente).

A ideia do texto é mostrar que o terrorismo palestino nada tem a ver com as restrições aos seus direitos, nada tem a ver com pobreza ou vida difícil, enfim, com a opressão imposta aos palestinos pela política de Israel. Trata-se, diz o autor que usa um perfil “fake” de Internet, na verdade de um sentimento que os judeus conhecem muito bem, o “antissemitismo”, que seria incentivado pelos intelectuais e líderes religiosos palestinos aos jovens.

Como se percebe, o texto divulgado por um dos blogueiros do site “Conexão Israel” e assinado por um perfil fake de Internet é a reprodução do mais descarado e obtuso discurso de direita do Likud. O texto se baseia em poucos exemplos desse tipo de terrorismo praticado por pessoas bem sucedidas, como se palestinos bem sucedidos não pudessem, por uma questão de identificação com o sofrimento de seu povo e não por antissemitismo, aderir espontaneamente à luta contra Israel. Que algum sentimento de ódio aos israelenses surgiu após a opressão contra os palestinos, isso é óbvio. Mas dizer que isso é puro antissemitismo, que nada mais é do que um sentimento de aversão ou repulsa aos judeus pelo simples fato deles serem judeus, isso é pura desonestidade intelectual e distorção, típico da propaganda sionista beligerante. Link para o texto de Bassam Tawil divulgado por Marcelo Treistman em seu blog no site “Conexão Israel”: http://www.conexaoisrael.org/o-que-o-terrorismo-p…/…/marcelo.

Outro texto que eu li foi de uma jornalista nascida em Recife, chamada de Miriam Sanger, que vive com uma filha pré-adolescente na cidade de Raanana, localizada no centro do país. Ela informa em seu blog no site “Conexão Israel” que mora em Israel desde junho de 2012, pouco mais de três anos e meio. O post dela que eu li se chama “Visitinha a Kerem Shalom” (ver aqui: http://www.conexaoisrael.org/visitinha-a-kerem-sha…/…/miriam), cuja personagem principal do texto que ela escreveu sobre a única porta de entrada e de saída de mercadorias de Gaza é um certo Ami Shaked, que, segundo a blogueira “de sangue paulistano”, apesar de ter nascido em Recife, “só sorri quando quer expressar ironia”. Shaked é o coordenador do Kerem Shalom, um lugar que recebe diariamente 900 caminhões com tudo o que abastece Gaza. Ela sai falando sobre isso tudo com a maior naturalidade, como se fosse a coisa mais normal do mundo a população de um território se submeter a esse tipo de controle de uma nação estrangeira, vez ou outra, exibindo no texto um humor fora de timing, referindo-se à “ironia” do “herói” do texto que ela escreve, o tal Ami Shaked. Chega a falar do sequestro de um soldado israelense ocorrido em 2006, Gilad Shalit, sequestrado numa das torres de controle do local, mas que foi solto em 2011 numa negociação com o governo israelense onde vários presos palestinos foram soltos.

O que é perceptível é que a blogueira em questão não escreve, nesse texto sobre Kerem Shalom, uma linha sequer sobre o sofrimento da população palestina de Gaza. Os inúmeros massacres que se abateram sobre a população de Gaza não são objeto de sua análise. Ela está preocupada com o sorrisinho irônico do coordenador do local, com o medo dos soldados israelenses que dirigem caminhões pela parte interna de Gaza, sempre vigiados por metralhadoras, com um possível túnel que se alega estar sendo construído, mas não se sabe se em direção ao Egito ou em direção a Israel, com a realização de possíveis “atentados terroristas” ou de ataques às colônias israelenses que ficam perto da fronteira com Gaza etc. Mas ela não está preocupada em analisar se é justo esse tratamento em relação à população de Gaza, que vive literalmente numa cidade-presídio, nem tampouco comenta nenhum dos massacres a que a população civil de Gaza foi submetida por meio das ações das forças militares israelenses.

Ela finaliza o texto de um modo que tenta confundir o verdadeiro papel opressor e violador dos direitos humanos de Israel em relação ao controle que exerce sobre as fronteiras de Gaza, deixando espaço para interpretações diversas, na linha dúbia e obscura ou pouco clara já detectada por mim em relação aos textos do outro blogueiro:

“Em sua salinha de controle, que não se parece nada com as dos filmes americanos, Ami nos contou que até 2012 era responsável pela passagem de 300 caminhões por dia. Esse número triplicou após o fechamento dos túneis clandestinos entre o Egito e Gaza, que foram interditados pelo governo egípcio após um atentado terrorista naquele ano. Isso elevou o status de Kerem Shalom para a única porta de comunicação de Gaza para o mundo – ironicamente sob controle do país que os palestinos consideram seu maior inimigo. Um dos participantes da delegação brasileira perguntou: “Por que então Israel simplesmente não fecha essa entrada e deixa que os palestinos se virem sozinhos?”

Ami sorriu e permaneceu quieto.”

É como se os palestinos de Gaza devessem “agradecer” o papel de Israel de permitir que ainda exista essa única porta de comunicação com o território e o mundo. O que está aberto a interpretações é o sorriso de Ami, o herói do texto que apenas sorri quando quer ser irônico, segundo a autora, Miriam Sanger.

Finalizando a minha sequência de comentários, depois de saber que Wyllys foi financiado nessa viagem por membros da comunidade judaica do RJ, fica claro para mim que ele entrou nessa porque se aproximou de sionistas brasileiros, mas, por despreparo político e deficiência de informações quanto ao tema, assim como por possuir uma péssima assessoria de comunicação e encontrar-se mal assessorado em outros temas, não percebeu exatamente o alcance do que estava fazendo e no que exatamente estava se metendo quando foi convidado para participar da conferência na Universidade Hebraica de Jerusalém. Ou seja, a ingenuidade de Wyllys é uma hipótese. Ou isso ou ele realmente acredita, por convicção, mesmo detendo as informações necessárias para formar uma opinião política correta em termos de direitos humanos, naquele discurso que eu li no “Conexão Israel” e no discurso que ele exibiu nos relatos sobre a viagem a Israel, os quais foram classificados por Paulo Sérgio Pinheiro, um dos maiores diplomatas brasileiros em atividade, grande defensor dos direitos humanos, de “deploráveis” e “lamentáveis” e que demonstravam a “crassa ignorância” do deputado Jean Wyllys sobre o tema.

Eu concordo plenamente com Paulo Sérgio Pinheiro e assim o faço porque ainda acredito na boa-fé de Wyllys, principalmente depois de ver o vídeo que ele gravou para o site “Conexão Israel”, onde fica claro a sua ingenuidade em não perceber com quem ou com o que ele está lidando. Isso aconteceu por muitos motivos, ao que parece. Acredito que foi uma boa dose de falta de informação sobre a situação, sobre a disputa política em relação ao tema, como o debate se manifesta, quais são os argumentos normalmente usados pelas partes, além de ter cooperado para isso uma falta de vivência mais próxima em relação à questão palestina-israelense.

Por outro lado, o deputado Wyllys, na minha concepção, não pode deixar de falar diretamente com órgãos de comunicação como o The Intercept e aceitar falar com órgãos de imprensa ou de comunicação amadores e que publicam textos de fakes de Internet contendo o discurso da direita israelense, como o “Conexão Israel”. A alternativa à ingenuidade e à falta de informação para formar uma posição política correta e consistente em termos de direitos humanos, no que diz respeito à questão palestina-israelense, é passar a considerar que Jean Wyllys concordou com tudo isso porque sabe perfeitamente o que se passa e essa é realmente a sua posição política. Se for isso, Jean Wyllys é contra a causa palestina e defende o sionismo israelense como ele é propagandeado internacionalmente pelo governo israelense, considerando válido o que ele acredita serem visões de “esquerda” do sionismo israelense, mas que não são solidárias à causa palestina, longe disso. Defendem o direito de Israel fazer o que for preciso fazer para o que eles consideram ser uma “legítima” e “moral” ação de “autodefesa” da população e de seu povo. Os palestinos que se virem.

Estou propenso a aderir à hipótese de que Jean Wyllys foi “capturado” pela propaganda sionista israelense e não se deu conta disso ainda. Esperamos que ele faça a autocrítica necessária, reveja alguns posicionamentos e se alinhe às posturas que realmente podem mudar a situação dos palestinos que vivem sobre forte cerceamento de seus direitos humanos a partir das ações do Estado de Israel. É isso que nós esperamos do político que vinha sendo considerado uma das maiores revelações, senão a maior, inclusive com reconhecimento internacional, da esquerda brasileira dos últimos anos.

PS: Yair Mau (ver aqui: http://www.conexaoisrael.org/author/yairmau), um dos blogueiros do Conexão Israel, cuja apresentação no site é “(…) doutor em Física pela Universidade Ben-Gurion. Atualmente é correspondente especial do Conexão Israel nos EUA, onde pesquisa na área de ciências ambientais”, compareceu ao post e se identificou como o criador ou um dos criadores do site, informação registrada em comentário escrito em hebraico (ver abaixo) como forma de “provar”, ao que parece, que não só ele, mas todos os demais blogueiros do site supostamente falariam “bem” hebraico.

De acordo com Yair Mau, os colaboradores não escrevem em hebraico no site porque ele é feito por “brasileiros” e é destinado a “brasileiros”, de modo que não podemos esperar que eles usem o espaço para provar a alegada fluência em hebraico. Sem pretender afirmar que desacredito da informação, eles bem que poderiam postar vídeos fazendo entrevistas com israelenses e finalmente comprovariam, sem sombra de dúvidas, que falam fluentemente hebraico. No entanto, creio que o site não tem um viés “jornalístico” que permita esse tipo de interação.

O site parece estar centrado numa visão individual dos blogueiros sobre as coisas, de um ponto de vista não tão próximo dos fatos como poderíamos esperar – e como parece ser a proposta do Conexão Israel. Dos textos políticos que eu li, à exceção da visita a Kerem Shalom, que contém impressões pessoais de uma ida ao local mescladas com informações extraídas da Internet, e outro que cita conversas triviais mantidas com colegas de trabalho, boa parte se baseia em análises do que sai na mídia israelense (são traduções de artigos opinativos em inglês que saem nos jornais israelenses, a exemplo de um artigo publicado por ocasião da morte do artista do rock americano, Lou Reed), o que, a bem da verdade, pode ser feito estando-se em qualquer lugar do mundo. Falta sentir mais o aspecto “primeira mão”. Falar do que sai na mídia, bem, isso todo mundo faz sem sair de casa.

De qualquer forma, está feito o registro de que os blogueiros do site Conexão Israel, de acordo com Yair Mau, falam “bem” o hebraico.

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Informação atribuída a Snowden é um hoax

Anda circulando na Internet um texto que diz que o ex-funcionário da National Security Agency (NSA) dos Estados Unidos, Edward Snowden, hoje refugiado na Rússia depois de divulgar documentos americanos sigilosos, acusa os serviços secretos de Israel, da Grã-Bretanha e dos EUA de terem criado o Estado Islâmico numa operação cognominada “Ninho da Vespa”.

Segundo eu li num site americano chamado PunditFact (ver o link do texto aqui: http://www.politifact.com/…/edward-snowden-leaked-nsa-docu…/), cuja principal fonte é um texto de Alan Kurtz, intitulado “The Snowden Hoax – How a Lie Traveled Around the World Before the Truth Could Get Its Boots On” ou “O Hoax de Snowden – Como uma mentira viajou ao redor do mundo antes que a verdade pudesse calçar as botas” (ver aqui: http://snowdenhoax.blogspot.com.br/2014/08/andreasept.html…), na verdade é um hoax (boato ou informação falsa, não confirmada) que vem sendo divulgado desde julho deste ano em alguns sites árabes.

Glenn Greenwald, um dos principais contatos de Snowden na mídia ocidental, que escreveu no prestigiado jornal inglês The Guardian, de onde divulgou o material que Snowden lhe disponibilizou, e atualmente trabalha no The Intercept, tratou logo de desmentir o boato em sua conta no Twitter, quando postou que “never heard him (Snowden) say any such thing, nor have I ever heard any credible source quoting him saying anything like that.” (traduzindo: “Nunca o ouvi dizer algo parecido com isso, nem nunca ouvi qualquer fonte com credibilidade que o tivesse citado (Snowden) dizendo qualquer coisa parecida com isso”).

Portanto, é informação falsa, sem qualquer fonte confiável que confirme o boato. Até aqui, Edward Snowden nunca disse isso. O tweet do jornalista Glenn Greenwald pode ser lido aqui: https://twitter.com/ggreenwald/statuses/497058967026429953

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A falsa e leviana tese de que os EUA e a França “financiaram” o Estado Islâmico (ISIS)

Em recente artigo publicado no site Opera Mundi, intitulado “CHORO DE HOLLANDE, LÁGRIMAS DE CROCODILO“, o diretor editorial do site, Sr. Breno Altman, comentando os atentados terroristas praticados em Paris na última sexta-feira, 13 de novembro de 2015, assumidos pelo grupo jihadista mundialmente conhecido como Estado Islâmico, fez o que seria, em sua visão, um pequeno resumo dos fatos recentes relativos à intervenção de países ocidentais no Oriente Médio, especialmente os EUA e a França e especificamente na Síria e no Iraque, tudo no bojo da assim chamada “guerra contra o terror”.

O que importa para esse meu post, que tem a finalidade de contestar uma tese que é vendida como “verdade insofismável” por pessoas interessadas em relativizar ou amenizar a responsabilidade dos atentados terroristas praticados por grupos jihadistas contra alvos ocidentais, é o trecho do artigo em que o Sr. Altman afirma expressamente que a França Ao lado dos Estados Unidos e outros países, alimentou vasta fauna de falanges oposicionistas, com recursos financeiros e militares, entre estas o Estado Islâmico” (grifos e negrito por minha conta).

Em outras palavras, o diretor editorial do site Opera Mundi disse, com todas as letras, que EUA e França alimentaram, com recursos financeiros e militares, o Estado Islâmico, da mesma forma que fizeram com outros grupos oposicionistas ao regime de Bashar al-Assad na Síria. Ou seja, ele disse que o Estado Islâmico, o grupo terrorista jihadista ultrafundamentalista, recebeu da França e dos EUA exatamente o mesmo tratamento que os outros grupos de rebeldes que lutam na guerra civil da Síria para derrubar Assad. Foi isso o que ele disse e isso é falso, como inclusive demonstra uma matéria publicada pelo próprio site Opera Mundi, a qual, tendo como fonte documentos divulgados pela entidade WikiLeaks, aponta, no máximo, uma atuação do Estado Islâmico junto a outros grupos de rebeldes sírios que teriam sido financiados, inclusive com recursos militares, pelos EUA, relação que teria permitido o grupo jihadista ter acesso a armas. Como se observa, uma coisa são as armas irem para o grupo A ou B de rebeldes sírios não jihadistas. Outra coisa são, a partir do desenrolar dos fatos na guerra civil da Síria, por acordos desses grupos com o Estado Islâmico, as armas repassadas pelos americanos terem caído nas mãos do Estados Islâmico. São coisas absolutamente diferentes.

O diretor editorial do Opera Mundi, Sr. Breno Altman, em nenhum momento ressalva as circunstâncias. Ele simplesmente acusa o presidente da França de ser um hipócrita, pois ele teria fomentado o Estado Islâmico, diretamente, assim como fizeram, segundo ele acusa gravemente, os EUA. Daí a minha crítica, daí a minha indignação com o que ele declarou. Essa NÃO é uma postura esperada de um jornalista sério. Para mim, esse tipo de acusação é leviana, sem qualquer credibilidade. Ele precisa se retratar, urgentemente. Dizer que errou, que os EUA e a França nunca foram parceiros ou fomentaram o Estado Islâmico diretamente e conscientemente. Se ele realmente acredita nisso, ele não tem solução. É um caso perdido.

Como será demonstrado ao longo desse post, os EUA desde sempre combateram o Estado Islâmico, cujo embrião existia desde  2004 (“Al Qaeda no Iraque”, criada pelo jordaniano al-Zarqawi, o pai do Estado Islâmico). Em nenhum momento da história recente do Oriente Médio, máxime no bojo da doutrina da assim denominada “guerra contra o terror” dos “neocons”, os EUA trabalharam ao lado de grupos jihadistas como o Estado Islâmico. Em nenhum momento. Ao contrário, sempre combateram de perto e de forma incessante esse grupo jihadista.

O atual Estado Islâmico (cujo nome completo é “Estado Islâmico do Iraque e do Levante”) passa por três fases anteriores: “Al Qaeda no Iraque” (AQI), Conselho Consultivo Mujahidin e Estado Islâmico do Iraque. Em todas essas fases, os EUA o combateram ferrenhamente, sem tréguas. A principal diferença da atual fase para a terceira fase é a anexação de territórios sírios. Além disso, existe o recrutamento de jovens de outros países e regiões.

A tese falsa levantada pelo Sr. Altman se mostra inclusive ignorante: ao contrário dos financeiramente hipossuficientes grupos de rebeldes sírios, o Estado Islâmico sempre foi rico, apoiado por financiadores da Arábia Saudita e do Qatar, sem falar do apoio dos ricos iraquianos de origem sunita e dos recursos que o grupo extraía dos poços de petróleo do Iraque, em cuja região norte veio a ser fundado o assim chamado Estado Islâmico do Iraque, uma das versões embrionárias do atual Estado Islâmico como o mundo veio a conhecer.

O texto publicado pelo Opera Mundi mostra que temos no Brasil um monte de palpiteiros irresponsáveis, sem ética e não afeito aos fatos, que tentam provar as coisas com base em desejos e vontades. Essa não é uma postura jornalística séria. O Sr. Altman, como está suficientemente evidenciado, não conhece o Estado Islâmico, o que é o grupo, sua história. Simples assim. Ele acha que o Estado Islâmico é apenas mais um grupelho terrorista ou amador de rebeldes sírios, quando a realidade é completamente outra. O Estado Islâmico sempre foi forte e rico. Não é por acaso que sustenta uma guerra com os EUA há mais de dez anos, no mínimo. Não há ligação nenhuma do Estado Islâmico com os EUA, a não ser de inimigos figadais e irreconciliáveis. Sempre foi assim, desde o início.

O diretor editorial do Opera Mundi ignora que é logicamente inconcebível, na doutrina da “guerra contra o terror”, que os EUA façam acordos ou alianças com grupos jihadistas, a exemplo do mais perigoso deles, o Estado Islâmico. Isso é simplesmente impossível. Sem falar que os próprios grupos jihadistas não aceitam o acordo ou aliança. Preferem morrer a entrar em acordo com os EUA.

Quer dizer, mesmo que os EUA queiram fazer um acordo, os jihadistas não aceitam estender a mão para o “cruzado”. Existe um código de honra para os jihadistas. Eles não são meros guerrilheiros sem princípios ou mercenários. Eles têm princípios, uma ideologia forte. O que é outra desinformação de analistas como o Sr. Breno Altman do Opera Mundi: ele não conhece como funciona a mentalidade de um jihadista. Eles não são grupos abertos a acordos com qualquer um, muito menos com os EUA. Não são “vendidos”, não se “corrompem”. Eles possuem um código de honra, têm princípios. Quando lemos os depoimentos dos jovens sauditas que se filiam ao Estado Islâmico, ficamos impressionados. Não são jovens normais. Pensam em coisas muito diferentes. Pensam em honra, em ser respeitado pelos colegas, em ser um líder, um exemplo para os outros. É totalmente diferente do que se imagina. Todos eles têm profunda formação islâmica, conhecem a fundo a interpretação da religião que eles encampam etc. Muitos possuem escravas sexuais e por aí vai. É esse tipo de vida que os jovens muçulmanos sunitas procuram ao se filiar ao Estado Islâmico. O Oriente Médio é diferente de tudo o que as pessoas ocidentais costumam imaginar, inclusive analistas desinformados da imprensa brasileira, como se viu. Eles têm outra visão de mundo. A visão que passa na mídia ocidental é muito distorcida do que eles são. Nas imagens e reportes da mídia ocidental, eles parecem um bando de malucos agindo sem qualquer comando etc. A verdade é que não é nada disso. É um grupo absolutamente organizado e cerebral.

Quando li o texto do Sr. Altman pela primeira vez, fiquei Impressionado com o quanto era leviano e desfundamentado, principalmente com a acusação de que a França, ao lado dos EUA e de outros países, alimentou, com recursos financeiros e militares, grupos terroristas jihadistas como o que veio a ser conhecido como Estado Islâmico (doravante identificado no texto por apenas “EI”, para facilitar), que fundou um califado em regiões do Iraque e da Síria.

É o tipo de afirmação, da forma que foi feita, pomposa, sem qualquer fonte ou referência factual, que só poderia vir de um articulista brasileiro ignorante e sem compromisso com a verdade. O pior foi classificar o EI de “violência anticolonial” (sic). A tese é falsa até a medula. Enfim, é o péssimo jornalismo brasileiro dando os seus palpites irresponsáveis e atrasados.

De fato, os analistas que escrevem na imprensa brasileira são tão irresponsáveis e nada sérios, que eles mal sabem dizer como a França e os EUA iriam apoiar o EI e sua jihad global contra o mundo ocidental. É uma incongruência lógica e factual.

Nunca houve esse apoio, por uma razão muito simples: o EI se formou de um grupo embrionário que atuava no Iraque, mais conhecido como “Al Qaeda no Iraque”, que na verdade era uma dissidência da Al Qaeda original de Bin Laden, criado pelo conhecido terrorista jihadista jordaniano chamado Abu Musab al-Zarqawi (o nome do grupo de al-Zarqawi era Tanzim Qaidat al-Jihad fi Bilad al-Rafidayn ou “Organização de Base da Jihad na Mesopotâmia”). Abu Musab al-Zarqawi foi morto em 2006 por um bombardeio realizado pelos EUA. O EI, como atualmente formatado, foi criado contando com o avanço dos fatos na guerra civil da Síria, inclusive com pessoas de vários lugares do mundo e o embrião desse grupo terrorista (EI),  a “Al Qaeda no Iraque”, nome pelo qual era chamado o grupo terrorista jihadista criado por al-Zarqawi,  foi desde sempre atacado, combatido pelos países ocidentais como grupo terrorista que sempre foi considerado.

Afirmar que houve financiamento do EI por parte da França e dos EUA é uma afirmação falsa, impossível de ser sustentada, porque simplesmente o EI não existia, com a formatação atual, desde o início do apoio ocidental, exclusivamente destinado aos grupos de rebeldes MODERADOS sírios na guerra civil que assola o país desde 2011, não defendia o que defende atualmente etc, além do grupo que o precedeu, a “Al Qaeda no Iraque”, ser um grupo declaradamente inimigo dos EUA e seus aliados e por eles considerado terrorista jihadista, ao ponto de ser combatido de perto e de forma incessante pelas potências ocidentais, especialmente pelos EUA.

Além da acusação ser falsa, como se observa, é desonesta do ponto de vista intelectual. É dizer, por outras palavras, que o EUA e a França financiaram um grupo que eles sabiam que queria criar um califado jihadista (principado Salafista) em áreas da Síria e do Iraque, acerca do qual os países ocidentais não teriam qualquer controle e seriam inclusive considerados inimigos. Absurda a acusação, sem pé nem cabeça. Nos EUA e na Europa, gente desse nível é motivo de piada.

A maior piada do texto do Sr. Altman é classificar o EI de “violência anticolonial” (sic). Os terroristas jihadistas do EI defendem uma visão expansionista do Islamismo fundamentalista, a exemplo da época em que ficaram oito séculos na Península Ibérica, isso num nível global, e o articulista enxerga nisso uma mera “violência anticolonial”. Para além da falta de compromisso com o sentido das palavras, o que denota o pernosticismo do texto, acredito que o problema aí seja mesmo falta de intelecto para escrever coisas que façam o mínimo sentido.

O EI jamais pode ser considerado uma resistência anticolonial. Simplesmente porque ele tem uma proposta expansionista, beligerante, do Islamismo fundamentalista. Ele pretende alcançar outras plagas. Não se restringe à Síria e ao Iraque. A verdade é que o EI vem no bojo do movimento jihadista global, contemporaneamente capitaneado pela Al Qaeda, mas que tem raízes históricas antigas, muito antes de existir o imperialismo colonial ou até mesmo o capitalismo.

Trata-se de uma ideologia que nasce de uma forma específica sobre como eles interpretam o conceito islâmico de jihad. Não tem nada a ver com o que o articulista escreve. Ele não sabe de nada. O EI poderia se formar independentemente da política externa aplicada pelo Ocidente no Oriente Médio. Pode-se identificar a contribuição da instabilidade na Síria e no Iraque para o seu surgimento. Mas isso são fatores acessórios e nada fundamentais. O fundamento do EI é outro, está numa ideologia radical fundada num específico conceito de jihad. Isso não tem nada a ver com imperialismo, colonialismo ou capitalismo, que é o que pretende demonstrar o articulista/jornalista, Sr. Breno Altman, diretor editorial do site Opera Mundi.

O EI, a propósito, é combatido por simplesmente todo o mundo. Nem os outros grupos extremistas islâmicos são aliados do EI. É unânime a repulsa que ele provoca. O Irã é contra, a Al Qaeda é contra, o Hezbollah é contra, a Arábia Saudita é contra, o Hamas é contra, a Rússia é contra, Israel é contra, os EUA e a Europa Ocidental são contra. Enfim, todo o mundo é contra o EI.

Ficar com discursos que, na entrelinhas, esquecem o problema que é o EI para querer atacar a “culpa” do Ocidente na situação é uma asneira política completa. Somente o fato da ampla maioria dos grupos islâmicos serem contrários ao EI já mostra que a sua atuação nada tem a ver exatamente com uma reação à “violência colonial” (reação essa que seria a tal “violência anticolonial” citada pelo Sr. Altman). Se isso fosse verdade, grupos como o EI já teriam existido muito antes em tempos recentes, mas eles são uma inovação da jihad global contemporânea.

Como expliquei em post anterior, há um mercado de informações organizado que alimenta grupos como o EI. Pensar que tudo foi um “acidente de percurso”, algo mal planejado pelas potências ocidentais, ou, o que é ainda mais absurdo, algo intencionalmente planejado por países como EUA e França, é puro desvario e ignorância. Ao contrário do que dizem, a visão de mundo que permitiu que surgisse o EI já existia há muito tempo e, mais recentemente, sempre esteve presente e organizada em sites, blogs, várias entidades islâmicas e nas redes sociais. Eles se valeram de técnicas de propaganda veiculadas para uma sociedade de massas. Foi uma evolução de uma situação pré-existente, com um certo “romantismo” na estratégia do EI de conquistar adeptos. Camile Paglia, em recente entrevista publicada na Folha de São Paulo, tem muita razão quando identifica o elemento da sede por “ação física e aventura”, ao fato de integrarem uma “irmandade”, na adesão de jovens muçulmanos nascidos e criados na Europa. Portanto, o EI não foi uma mera estratégia de atuação geopolítica equivocada do Ocidente. Ele surgiria mais cedo ou mais tarde. A guerra civil na Síria apenas proporcionou, contribuiu ou facilitou que isso acontecesse. O que motiva grupos como EI são conceitos jihadistas fundamentalistas, o ataque aos infiéis e a conversão deles nem que seja na base da força ou da violência. O EI defende o expansionismo islâmico de outras épocas históricas. Não é uma coisa restrita ao nosso tempo, a não ser na forma como eles hoje atuam. Ideologicamente, a semente do EI é intrínseca a uma certa interpretação do islamismo.

O que eu vejo é um monte de repetidores de clichês, que não acompanham o debate, que falam de coisas que se discutem há décadas como se fossem a “última novidade”, que acham que o expansionismo islâmico fundamentalista defendido por grupos como o EI é algo contemporâneo (santa ignorância, Batman!). O mais engraçado é que tais pessoas costumam argumentar, em favor de suas teses alopradas, mandando os outros, que deles discordam, lerem livros de história (!). Eles atribuem a gênese do EI a coisas como o colonialismo imperialista do século XIX ou ao capitalismo, isso quando a jihad global bebe em fontes muito mais antigas.

É a maldita mentalidade atrasada da esquerda brasileira que parou na “guerra fria”, anos 60, por aí. Boa parte da esquerda brasileira (não toda ela, frise-se) é tão burra e ignorante que ela se alia ao que no mundo civilizado se chama de islamofascismo contemporâneo (a formatação atual da jihad global) de grupos como o EI. Ate aqui, nenhuma novidade. Boa parte da autodeclarada esquerda brasileira não sabe o que é fascismo, como eu abordei em outro post deste blog. Para essa parte, qualquer um que discorde dela é “fascista”, quando qualquer pessoa que domine o mínimo do conceito político de fascismo sabe que a sua mais exata formatação nos dias atuais está precisamente no islamofascismo de grupos como o EI.

Afirmar que os EUA e a França “alimentaram” com “recursos financeiros e militares” grupos jihadistas como o EI não tem a menor lógica ou amparo nos fatos. A afirmação é auto-refutável. O Sr. Breno Altman não sabe nem o que diz, assim como muitas pessoas que defendem essa tese aloprada. Falta rigor, noção mínima sobre as coisas, honestidade intelectual, compromisso com o verdadeiro sentido das palavras etc. Enfim, é mais um brasileiro desatento falando sobre o que não entende, sem conhecimento de causa, falando bobagem, falando pelos cotovelos. É impossível provar a veracidade da afirmação. Não há como “provar” a veracidade da informação quando o EI é um grupo QUE, QUANDO SURGIU, é declaradamente anti-Ocidente, jihadista, terrorista, fundou um califado etc.

Ou seja, o máximo que o Sr. Breno Altman e outros poderão comprovar é que, em algum momento, países ocidentais investiram em grupos disformes que participavam da guerra civil na Síria. Essa é uma afirmação MUITO diferente da que consta no texto do Sr. Breno Altman. Ele faltou com a verdade quando disse que os EUA e a França financiaram o ESTADO ISLÂMICO, como este grupo veio a ser conhecido mundo afora, distorceu os fatos e as informações para provar uma tese que, ao fim e ao cabo, é auto-refutável, não tem o menor sentido, é totalmente falsa em sua falta de lógica, mínima que seja.

A verdade é que ele até hoje não entendeu a dinâmica do EI, que é algo novo em termos de jihad. O EI é inovador, em vários aspectos, e contou com a participação de pessoas de vários lugares do mundo, de forma organizada, em fóruns virtuais de discussão, redes sociais, etc. Não são pessoas da Síria ou do Iraque que receberam dinheiro já se mostrando como seriam. Isso é coisa de gente ignorante, que não sabe de nada. O quadro é totalmente outro, diferente dessa asneira defendida pelo Sr. Altman. A afirmação é uma bobagem, completamente idiota, sem sentido. Coisa de gente que não é testada com rigor nas coisas que afirma. Num jornal americano, inglês, francês ou alemão, ele seria mandado embora sumariamente depois da avalanche de críticas que receberia.

A verdade é que o texto do Sr. Altman, que deveria ler a imprensa internacional para se informar melhor sobre os fatos, os autores internacionais, prova que os analistas da imprensa brasileira não sabem nem direito o que é o Estado Islâmico, como ele se formou, como funciona, quem participa etc. Simplesmente não sabem. Pelo que eu li do texto, fica claro que ele acha mesmo que o Estado Islâmico é formado por pessoas da Síria que simplesmente se juntaram de uma hora para outra e fundaram um califado. Aí é muita ignorância. Isso não é o Estado Islâmico. O Estado Islâmico é uma organização terrorista jihadista com um projeto internacionalista, que domina vastas áreas da Síria e do Iraque, que extrai recursos de poços de petróleo no Iraque, vendendo no mercado negro (alguns especialistas, como Theodore Karasik, do Institute for Near East and Gulf Military Analysis – INEGMA – e Robin Mills, autor do livro “The Myth of the Oil Crisis” – “O Mito da Crise do Petróleo” -, calculam que o EI ganhe um milhão de dólares por dia com a exploração do petróleo iraquiano, informação que pode ser confirmada clicando aqui), com raízes e braços em vários lugares do mundo, com expertise, especialistas em psicologia de massa, propaganda, linguagem comunicacional apurada e direcionada para os seus propósitos, pessoas que vem se preparando para suplantar os métodos da Al Qaeda de forma muito mais sofisticada do que despreparados de “turbante na cabeça”. Conta com intelectuais formados na Europa (Jihadi John, o terrorista que ficou conhecido aparecendo em vídeos usando uma balaclava para impedir o reconhecimento facial, segurando uma faca que era ameaçadoramente apontada para as câmeras de vídeo e, logo depois, decapitava os prisioneiros nas imagens, por exemplo, era graduado em ciências da computação por uma universidade inglesa), com estudiosos do islamismo, com um sistema de recrutamento global e por aí vai. É uma coisa muito maior do que o Sr. Altman dá a entender. Ele simplesmente não sabe o que é o EI, não tem a menor ideia. Isso está evidenciado. Assim como a maioria dos que comentam o assunto no Brasil não sabe nem direito o que é o EI. É uma vergonha para o jornalismo brasileiro esse tipo de texto. Pura ignorância. Os palpiteiros sequer entendem como são feitos os recrutamentos pelo EI. Terrível a desinformação.

Qualquer pessoa minimamente inteligente e bem informada sobre o EI sabe o quanto é grave a situação, o quanto a elite dos países ocidentais não está sabendo lidar com o problema. Os atentados em Paris são uma prova disso. Com toda a tecnologia, com toda a troca de informações pelos serviços secretos, com todo o monitoramento, as autoridades francesas não conseguiram impedir os atentados. Tudo indica que foi ação de aliados internos do EI na própria França (existe uma suspeita de que uma pessoa que entrou como refugiado sírio pode ter participado dos atentados de sexta-feira em Paris, mas a informação ainda não é conclusiva, pois o passaporte que foi encontrado, que pertencia a um refugiado sírio, segundo as autoridades gregas, não permite isso, já que pode ter sido roubado ou até mesmo plantado para confundir e criar uma paranoia contra os refugiados). Ou seja, o EI espalha-se por diversos locais do mundo, não é algo isolado, age com técnica, tem estratégias, sabe trabalhar psicologicamente com o medo das pessoas etc. Tem braços na África (principalmente no norte da África), na Europa, etc. Até no Brasil já foram encontradas pessoas com ligações com o EI. O EI é diferente de tudo o que existiu antes em termos de terrorismo. É um terrorismo autenticamente global.

O EI não é uma criação americana ou foi financiado pela França e pelos EUA. A situação é outra. Os terroristas jihadistas do EI fundaram um califado, um tipo de organização política islâmica que não existia fazia séculos no mundo islâmico, e pregam a versão beligerante do conceito de jihad. Não é uma coisa que depende de ideias modernas ou do capitalismo/colonialismo ou seja lá o que for. É uma ideologia que tem séculos de história. É uma visão ultrarradical do islamismo, numa versão inovadora dos métodos da Al Qaeda, que já era em si uma rede global de terrorismo jihadista. O EI veio para suplantar a Al Qaeda, daí a disputa entre eles. É ignorância interpretar o EI como se fosse um mero efeito colateral das políticas do Ocidente no Oriente Médio. Simplesmente não é, isso é falso. É outra coisa, muito mais complexa e séria.

De outra banda, é importante perceber, ter a clara noção de que financiar grupos disformes que atuavam no início da guerra civil da Síria, de perfil claramente moderado, É DIFERENTE de financiar o Estado Islâmico, como este grupo veio a se consolidar, criador de um califado, jihadista, ultrafundamentalista, terrorista etc.Não se trata de negar o apoio, por parte dos EUA e da França, a certos grupos rebeldes anti-Assad na Síria. Entender dessa forma a negativa de que os países ocidentais investiram no EI é puro analfabetismo funcional, sendo desonestidade intelectual, má-fé, tentar dizer que o apoio a certos grupos de rebeldes anti-Assad pode se confundir com apoio a grupos terroristas ultrafundamentalistas que são declaradamente anti-Ocidente.

Algumas pessoas tentam “provar” a tese de que os EUA e seus aliados, como a França, apoiaram grupos terroristas jihadistas como o EI citando textos que saíram em alguns órgãos da imprensa internacional, como o jornal britânico, de perfil de esquerda liberal, The Guardian, o qual, em matéria opinativa (expressava meramente o ponto de vista pessoal de quem opinou, a forma como ele interpretava os fatos citados no texto), assinada pelo colunista do jornal, editor de 2001 a 2007, Seumas Milne, intitulada “Now the truth emerges: how the US fuelled the rise of Isis in Syria and Iraq” (tradução minha: “Agora a verdade emerge: como os EUA abasteceram o surgimento do Estado Islâmico na Syria e no Iraque”, publicada na data de 3 de junho de 2015, defendia a tese de que os EUA, de fato, POR OMISSÃO, contribuíram para permitir que o Estado Islâmico fosse criado e ganhasse poder na Síria e no Iraque, tudo como forma de enfraquecer o regime de Bashar al-Assad na Síria, o que faz baseado principalmente num reporte do Pentágono confeccionado em agosto de 2012 que faz uma análise geopolítica da situação na região do leste da Síria e em partes do norte do Iraque, região dominada pelo grupo originalmente criado por al-Zarqawi.

A verdade é que o colunista do The Guardian, Seumas Milne, apenas confirma nesse texto o que eu digo ao longo desse post. A notícia do The Guardian linkada (jornal de perfil liberal de esquerda, anos-luz à frente da esquerda que estamos acostumados a ver no Brasil) fala de apoios a grupos opositores ao regime de Assad que não eram ainda o EI nem poderiam ser. Aliás, o jornalista do The Guardian, tentando provar o seu ponto, chega a dizer que o EI era a “Al-Qaeda no Iraque”.

Primeiro, como dito anteriormente, a Al Qaeda no Iraque não é a Al Qaeda de Bin Laden, mas sim um grupo formado por al-Zarqawi quando o jordaniano rompeu com Bin Laden, grupo este que era incessantemente combatido pelos EUA e seus aliados, ao ponto de al-Zarqawi ter sido morto num bombardeio americano no ano de 2006. Tudo isso simplesmente confirma o que eu disse: não houve apoio ao que se convencionou chamar formalmente de EI, de nenhuma forma possível, isto é, nem antes ou depois da criação do Estado Islâmico do Iraque, a primeira versão do grupo, criada em 2004, sob a liderança de al-Zarqawi, nem depois da criação do Estado Islâmico do Iraque e do Levante, a versão atual, criada em 2014, dessa vez sob a liderança de Abu Bakr al-Baghdadi.

O reporte do Pentágono (documento citado no texto do colunista Seumas Milne), que é meramente uma análise escrita em linguagem que o próprio colunista classifica como “ambígua” e que faz interpretações acerca da possível construção de um principado Salafista (califado) no leste da Síria, não afirma posições oficiais e tampouco as conclusões do colunista do The Guardian comprovam ou servem de prova de que houve apoio dos EUA e da França ao Estado Islâmico.

O que existe é um reporte do Pentágono, datado de agosto 2012, que fala em apoio a rebeldes que formavam a “Al Qaeda no Iraque” que poderiam servir para enfraquecer o regime de Assad. O colunista do The Guardian diz que a “Al Qeada no Iraque” depois veio a se tornar o EI, o que, a rigor, não é muito correto, pois a Al Qaeda existe independentemente do EI, é óbvio, sendo dois grupos distintos e o grupo que foi o embrião do ISIS, “Organização de Base da Jihad na Mesopotâmia”, é o que foi criado por al-Zarqawi, que já tinha fundado um Estado Islâmico muito antes na região do Iraque dominada por ele e seus aliados sunitas, isso no ano de 2004, muito antes da guerra civil na Síria, que eclodiu em 2011. Esse grupo de al-Zarqawi, de fato, é o embrião do Estado Islâmico, como fala o colunista do The Guardian (falar em “Al Qaeda no Iraque” induz ao erro de pensar que tem relações com a Al-Qaeda de Bin Laden, quando na verdade se trata de uma dissidência da Al Qaeda original).

Nada disso muda os meus argumentos, que continuam válidos e completamente intactos. Apoio a grupos de rebeldes moderados sírios, jamais extremistas, não significa apoio ao EI como veio a ser consolidado. Esse é o encadeamento lógico e por isso a tese é absurda. As palavras, expressões, têm sentido. Se os defensores da tese não são rigorosos com isso, é um problema da forma como eles estão acostumados a lidar com as coisas, de forma não séria, como é típico neste país onde as coisas são tratadas displicentemente.

O fato é que o The Guardian é um famoso jornal de perfil de esquerda liberal da Inglaterra que tenta, por argumentos controvertidos, provar o seu ponto. Como é de se esperar, o nível de apego aos fatos é um tanto superior ao péssimo jornalismo brasileiro, como o ilustrado pela matéria do Opera Mundi assinado pelo Sr. Breno Altman. Ainda que o nível da tentativa do colunista do The Guardian seja superior ao nível existente no jornalismo brasileiro autodeclarado de esquerda, a tentativa do jornalista do The Guardian é frustrada e apresenta um grave problema de falta de ética jornalística, o que evidencia má-fé do autor, Seumas Milne.

No texto, Milne omite, ao que tudo indica, de má-fé, pois são fatos conhecidos da imprensa que se dedica a cobrir o assunto e um jornalista como ele, que foi editor do The Guardian, jamais poderia não conhecer, informações que tornavam implausível a sua tese: Apesar de registrar, corretamente, que o EI é apontado como uma evolução do grupo criado por al-Zarqawi no Iraque, “Al Qeada no Iraque”, o colunista do The Guardian não esclareceu que o grupo terrorista jihadista em questão foi combatido de perto, durante anos a fio, pelos EUA, que classificava o grupo corretamente como terrorista e que inclusive chegou a matar al-Zarqawi num bombardeio em 2006, tendo continuado a combater o grupo durante muitos anos depois disso. A omissão dessa informação no texto do The Guardian, assinado por Seumas Milne, deixa de mostrar a ilogicidade da tese de se sustentar que países que combatiam um grupo que foi embrionário de outro podem ser considerados “financiadores” do grupo que foi gerado. Quer dizer, a tese de que os países ocidentais, entre eles EUA e França, chocaram o “ovo da serpente” é implodida, de cima a abaixo, a partir dessa constatação, mas o colunista do The Guardian teve o “cuidado” de omitir essa informação dos seus leitores, falando apenas que a “Al Qaeda no Iraque” veio a ser converter no atual EI como o conhecemos hoje em dia. Manipular os outros dessa forma, omitindo fatos relevantes, é condenável do ponto de vista da ética jornalística, o que não deixa de ser lamentável.

No máximo, em que pese a lamentável omissão, o que o colunista do The Guardian fez é o que muitos fazem: o Ocidente apoiou grupos de rebeldes sírios, mas não o EI formalmente consolidado ou qualquer outro grupo extremista. Ele chega a falar em conversão da “Al Qaeda no Iraque em EI, sendo pouco recomendado usar essa terminologia ao se referir ao grupo criado por al-Zarqawi, uma vez que a Al Qaeda ainda existe hoje em dia. O EI é um fenômeno recente e em 2012 os fatos ainda estavam em pleno desenrolar. A matéria, que é meramente opinativa, faz apenas uma interpretação, bastante pessoal, do que se considera apoio ao EI. No máximo, o que existe no documento do Pentágono é uma análise geopolítica da situação que supostamente favoreceria ao apoio das forças ocidentais aos rebeldes que lutavam contra o regime de Assad. Isso não é uma posição oficial. É um documento que promove uma análise geopolítica da situação, trabalhando com variáveis. Só isso.

O próprio colunista é categórico ao afirmar que o documento do Pentágono não comprova que os EUA criaram o ISIS, conforme o seguinte trecho:

That doesn’t mean the US created Isis, of course, though some of its Gulf allies certainly played a role in it – as the US vice-president, Joe Biden, acknowledged last year. But there was no al-Qaida in Iraq until the US and Britain invaded. And the US has certainly exploited the existence of Isis against other forces in the region as part of a wider drive to maintain western control.”

Apesar de fazer a ressalva de que aliados dos americanos no Golfo teriam exercido um papel de apoio ao EI, conforme o vice-presidente Joe Biden teria reconhecido em 2014, ele nega que os EUA seriam os responsáveis pela criação do grupo terrorista. O máximo que ele chega a afirmar é que os EUA, ao terem conhecimento das intenções do grupo originalmente criado por al-Zarqawi de criar um principado Salafista,  teriam certamente explorado a existência do EI contra outras forças na região como parte de um esforço mais amplo visando a manter o controle ocidental. Teria sido, nessa linha, um apoio indireto mediante a não intervenção direta dos EUA, uma espécie de negligência ou omissão americana, que sabia da natureza extremista jihadista do grupo e não interveio porque isso supostamente contrariaria os seus interesses. Ainda que se dê crédito a essa tese, ela não é nem de longe equivalente a se afirmar que os EUA apoiaram com recursos financeiros e militares o EI, como é bastante claro.

Essa é uma interpretação bastante pessoal do colunista do The Guardian, mas que não muda a lógica da minha argumentação. Minha alegação é a de que o EI, seja antes ou depois de formalmente consolidado, jamais foi financiado por França e pelos EUA. Veja que o jornalista fala em explorar a existência do ISIS por parte dos EUA como estratégia de manter o controle do Ocidente na área. Mas isso carece de evidências na própria matéria. É uma opinião dele e só dele, extraída de um mero reporte do Pentágono que analisa a situação geopolítica na região naquela altura.

Muita gente que mal sabe interpretar um documento, o que são provas, etc, mal entende a natureza da matéria do The Guardian e o que exatamente o colunista afirma nela. A própria manchete deixa claro que se trata de um apoio ao que supostamente seria uma situação pretérita à formação do EI (“rise” é o termo usado). Não tenho culpa se a tara neste país é não se ater aos fatos e aos seus significados, na melhor tradição desse país, e quer discutir assuntos sérios como esse. Na imprensa inglesa, os jornalistas são cobrados pelo que afirmam.

Seumas Milne é todo cuidadoso e traz uma matéria muito mais acurada do que o texto chinfrim do Opera Mundi assinado por Breno Altman, apesar dos problemas éticos anteriormente indicados, admitindo que não se tratou de um mero lapso de um jornalista experiente. O nível é claramente outro, mas ainda não prova nada de financiamento dos EUA e da França ao EI. Ninguém faz afirmações levianas. Argumentam com fatos, são rigorosos com as palavras, o que nem de longe acontece no jornalismo brasileiro. No máximo, o que a matéria provou foi a existência de um reporte do Pentágono que faz uma leitura positiva da presença da um grupo extremista no leste da Síria no sentido de enfraquecer o regime de Assad e que isso interessaria ao Ocidente. Daí a concluir que houve financiamento ao ISIS (Estado islâmico), é um salto muito grande e não comprovado. Vontade de provar é diferente de efetivamente provar. É preciso aprender a lição: tem que provar, caso contrário, não se pode afirmar. Acusar sem provas é coisa de gente leviana, muito comum no jornalismo brasileiro.

A matéria do The Guardian em tela apenas ratifica o fato de que não está comprovado nenhum financiamento dos EUA e da França ao que se convencionou chamar de EI. Não está provado nem poderia estar, pois é uma situação absurda do ponto de vista lógico e factual. Todo o resto é wishful thinking de boa parte da esquerda desinformada brasileira que aplaude terrorista jihadista.

O que o documento do Pentágono efetivamente permite extrair, o que é corroborado pelos fatos, é que o erro dos EUA em relação ao EI foi acreditar que ele estivesse enfraquecido frente ao avanço de outros grupos rebeldes da Síria. Essa leitura americana foi fortalecida pelo rompimento da célula da Al Qaeda na Síria, a Frente al Nusra, com o EI. Os EUA assistiram ao quadro para ver o que acontecia. Não deu certo a estratégia. O EI conseguiu fazer acordos com rebeldes sírios antes moderados, concedendo certa autonomia em algumas cidades e, estrategicamente, recrutaram adeptos depois de massacres perpetrados por forças pró-Assad (sim, os massacres na Síria não são obra exclusiva do EI: as forças pró-Assad também perpetram massacres, tão bárbaros quanto os praticados pelo EI). Com essa estratégia, o EI cresceu e se fortaleceu. Quando os EUA se deram por si, já era tarde. Eles tinham se tornado hegemônicos em grandes áreas e hoje dominam cerca de 50% do território sírio. Observe que nada disso significa apoio dos EUA ao EI de qualquer natureza. Houve um erro de avaliação ou, como disse Hillary Clinton, uma “omissão”.

Alguns consideram essa inação uma “negligência” dos EUA, uma espécie de “apoio”, ainda que indireto, ao EI. Dizem que entender de forma contrária seria uma interpretação “subjetiva”. Na verdade, a interpretação que enxerga um “apoio” americano ao EI, a partir de um determinado momento, é que é extremamente subjetiva e nada objetiva De forma alguma não identificar o “apoio” ao EI na postura americana, em determinado momento na Síria, significa uma interpretação “subjetiva” dos fatos. Na verdade, é até bastante objetiva, revendo o retrospecto. Os EUA, repito, sempre foram inimigos do EI. Não ter combatido o EI diretamente na Síria, num determinado período de tempo, não significa “apoio” ao grupo jihadista. Eles estavam atuando em outra frente. Os EUA se retiraram do Iraque, por força de pressões internacionais e internas. Isso sim fortaleceu o EI.

Com relação à recusa dos EUA de ajudar Assad a combater o EI,  aspecto apontado pelos críticos para fortalecer o que eles enxergam ter sido um “apoio” americano ao EI, isso estava fora de cogitação. A Síria é inimiga histórica de Israel, que é um aliado estratégico dos EUA. O cerco a Assad, na minha opinião, fazia parte de um plano maior de atacar o Irã, caso isso fosse necessário. Como a coisa na Síria degringolou completamente, os EUA tiveram que atacar o EI, a grande ameaça atualmente. Por outro lado, na forma como eu interpreto o quadro na região, o ato de atacar o EI por parte dos EUA não pode ser interpretado como uma ajuda americana a Assad, ao menos não uma ajuda intencional, da mesma forma que não ter atacado o EI em determinados momentos não significa um “apoio” ao grupo jihadista. Os EUA continuam querendo a derrubada de Assad, sem agir diretamente para que isso aconteça, como fizeram no Iraque para derrubar Sadam Hussein. E com a Rússia presente na região, isso não vai acontecer.

Curioso que muitos dos que usam matérias opinativas como essa do The Guardian se definem como supostos leitores “críticos” da grande imprensa (a mesma imprensa que tem a revista VEJA acusando todo fim de semana Dilma e Lula), mas não pensam duas vezes, vejam vocês, em tentar PROVAR as suas afirmações com base em matérias de jornal pouco ou nada lastreadas em provas convincentes. Seria a mesma coisa que os tucanos reacionários chegarem e quererem provar que Lula e Dilma são corruptos com matéria da revista VEJA ou qualquer outro jornal. Aliás, o Sr. Altman deveria começar a empenhar-se mais para fazer jornalismo verdadeiramente de qualidade e não essa porcaria de jornalismo declaratório, desprovido de fatos e informações, enfim, de provas. Ele afirma algo e quer que isso seja tomado como verdade. Ora, isso a revista VEJA também faz.

O Sr. Altman deveria se basear na imprensa inglesa e americana, as melhores do mundo do ponto de vista técnico. Ainda que a matéria opinativa do The Guardian não sirva de prova de que os EUA e a França financiaram o grupo terrorista que passou a ser conhecido como Estado islâmico, contendo um defeito que conota má-fé ou desonestidade intelectual, é forçoso reconhecer que o nível do jornalismo do The Guardian está, na média, anos-luz à frente de matérias como a que foi assinada pelo diretor editorial do Opera Mundi. Isso porque na Inglaterra, o nível é outro e as pessoas são exigentes, coisa que nem de longe acontece no Brasil e o seu público leitor formado, boa parte, por gente despreparada e desqualificada, quando não analfabetas funcionais.

O jornalismo é uma das atividades mais prestigiadas no primeiro mundo. Sabem por quê? Porque lá as coisas são rigorosas. Não é a “banda voou” que existe no Brasil, onde qualquer desclassificado sai fazendo afirmações sem qualquer responsabilidade, sem qualquer embasamento sério, sem estar fundamentado em fatos concretos etc. Aliás, se fosse para exigir jornalismo de qualidade neste país, iria acontecer uma debandada geral na área. Brasileiro, na média, não gosta de ser cobrado, de fazer as coisas com rigor. Tudo é muito feito “nas coxas”, de forma displicente, indisciplinada. O jornalismo como ele é praticado no primeiro mundo é incompatível com a cultura, com o modo de ser do brasileiro, considerando o padrão médio. Iriam reclamar: “Assim não dá, assim não pode” e coisas do tipo.

Voltando ao assunto principal do post, o próprio Robert Ford, ex-embaixador dos EUA na Síria, que lá serviu durante muitos anos, antes um entusiasta do apoio americano aos rebeldes moderados, que chegou a romper virulentamente com Obama porque ele se negou a continuar a apoiar os rebeldes sírios, declarou que era impossível saber quem era o “inimigo” numa certa altura da guerra civil na Síria. Todos esses fatos, ao contrário do alegado pelo texto do Opera Mundi, evidenciam justamente o contrário do que ele pretende fazer passar como fato comprovado. Os EUA jamais iriam financiar um grupo terrorista como o Estado Islâmico, muito menos um grupo derivado de outro criado embrionariamente por al-Zarqawi, a quem os americanos tinham matado em um bombardeio em 2006. Enfim é uma tese sem pé nem cabeça, como eu disse desde o início. A “Al Qaeda no Iraque”, o grupo de al-Zarqawi, sempre foi combatida ferrenhamente pelos americanos, mas o Sr. Altman e os aloprados de sempre tentam dizer que os americanos financiaram o “surgimento” do EI. Vou te contar. É cada absurdo que pela madrugada.

Depois de ler tudo isso, quem se der ao trabalho de ler o texto pomposo do jornalismo meramente declaratório e puro wishful thinking do Sr. Altman, perceberá o absurdo, a leviandade, a falta de rigor e de apego aos fatos e da mais mínima lógica no que ele defende. Não há encadeamento lógico nenhum, fundamento nenhum. É pura irresponsabilidade, jornalismo de quinta categoria travestido de “opinião crítica abalizada”. Enfim, é pura picaretagem.

Como facilmente se percebe, a tese de que a França e os EUA “apoiaram”, “criaram” ou “financiaram” (termos que são usados pelos levianos, desonestos e irresponsáveis de todas as sortes e qualidade) o que hoje se conhece por Estado Islâmico é falsa, uma sandice, não tem qualquer lógica ou amparo nos fatos.  Enfim, pura bobagem. O que existe é uma confusão entre apoiar grupos de rebeldes sírios moderados anti-Assad com o apoio ao grupelho terrorista parido por al-Zarqawi e seus aliados sunitas, que depois degringolou, a partir da aliança com grupos sírios radicais, como a frente al Nusra, para o atual Estado Islâmico como o conhecemos. Nada a ver as acusações que fazem para amenizar ou relativizar o terrorismo do EI, chamado estupidamente de “violência anticolonial” (sic). As evidências das acusações de apoio do Ocidente ao EI são simplesmente patéticas. O máximo que se conseguiu até hoje foi um reporte do Pentágono, de agosto de 2012, que faz apenas uma análise da situação geopolítica na região, durante a guerra civil da Síria, e da possibilidade de ser criado um principado Salafista no leste do país, situação que poderia fortalecer a posição dos rebeldes em detrimento do regime de Assad, o que é interpretado por alguns como um “apoio” ao EI. Não é apoio nem prova de nada. É um mero reporte que trabalha com variáveis geopolíticas. O EI se criou por si mesmo e o grupo embrionário do qual ele derivou, criado pelo famoso terrorista al-Zarqawi, dominou áreas importantes do Iraque desde mais de dez anos (desde pelo menos 2004).

 A criação do EI não tem nada a ver com o efeito da atuação americana na Síria ou no Iraque. É muito mais provável o contrário, isto é, a saída dos EUA do Iraque permitiu a criação do EI como hoje o conhecemos (inclusive o grupo de al-Zarqawi do qual ele é uma evolução).

Tem gente que mal sabe dizer como a França e os EUA iriam apoiar o Estado Islâmico e sua jihad global contra o mundo ocidental. A afirmação é tão absurda, para quem conhece o mínimo da questão no Iraque e na Síria, que simplesmente supor isso é passar atestado de imbecil nas redes sociais (que um jornalista brasileiro, como parece ser o Sr. Altman, seja capaz de escrever isso num órgão de imprensa, desconhecendo ou omitindo os fatos citados acima, é simplesmente constrangedor, enfim, exercício de má-fé ou de leviandade). Como se observa, é uma incongruência lógica e factual.

A tese é tão absurda que os EUA guerrearam durante anos com a “Al Qaeda no Iraque”, o grupo dissidente da Al Qaeda que é apontado pelos especialistas como o embrião do Estado Islâmico como hoje o conhecemos. Os EUA chegaram a matar o líder do grupo em 2006, al-Zarqawi, e nunca deixaram de combatê-lo, mas mesmo assim os ignorantes e desonestos, negando essa realidade, conseguem enxergar em tudo isso um “apoio” dos EUA ao surgimento do Estado islâmico (!). É muita burrice, muito estupro à lógica e aos fatos.

Em suma, os EUA brigam, matam, jogam bombas no grupo terrorista que é apontado como embrião do Estado Islâmico e as pessoas ainda dizem que os EUA criaram, financiaram, apoiaram o EI. O que é isso senão burrice, desonestidade, picaretagem? Francamente. Eu quero saber que tipo de apoio é esse em que os EUA mataram al-Zarqawi em 2006, o líder da “Al Qaeda no Iraque”, e continuaram combatendo o grupo anos depois? Como assim se “apoia” a criação do EI jogando bomba e guerreando com o grupo do qual ele deriva? Se alguém conseguir me explicar essa “lógica”, eu agradeço.

Não fosse por todas as outras razões, esse quadro objetivo (EUA confrontando militarmente, durante anos a fio, o grupo do qual o EI se originou) é um obstáculo intransponível à tese sustentada por algumas pessoas, entre elas o diretor editorial do site Opera Mundi, Sr. Breno Altman. A “Al Qaeda no Iraque” era um grupo terrorista jihadista, razão suficiente para afastar qualquer apoio dos EUA ou da França ao EI, a bem da lógica e dos fatos. Os EUA combatiam o embrião do EI como o conhecemos. Essa é a única verdade. O resto é mentira, falsas conclusões sem amparo na lógica, mínima que seja.

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As leituras políticas incorretas dos ataques terroristas em Paris

Fico perplexo com certos comentários, com certas leituras políticas, inclusive a respeito da reação que suscitaram os ataques terroristas realizados em Paris na noite dessa sexta-feira, 13 de novembro de 2015, que deixaram um saldo, até aqui, de pelo menos 127 mortos, segundo fontes oficiais, e inúmeros feridos em estado grave. O grupo terrorista Estado Islâmico (EI) assumiu a autoria dos atentados.

Alguns fazem comentários deprimentes, como, por exemplo, lamentar que Chico Buarque não estivesse em Paris para ser uma das vítimas. Esses são os cretinos de sempre. No entanto, existe outro tipo de comentário que eu considero extremamente equivocado.

Falo dos comentários que comparam a reação aos ataques terroristas em Paris com a reação a fatos trágicos ocorridos no Brasil nos últimos dias. Teve um cidadão de Fortaleza que foi no perfil da presidenta Dilma Rousseff e comentou, em resposta à manifestação de solidariedade ao povo francês que ela registrou em sua página no Facebook, para dizer que não viu a mesma reação em relação a uma chacina que matou 12 pessoas em Fortaleza no dia de ontem, como se Dilma fosse insensível ao que aconteceu na cidade por não ter se manifestado no mesmo tom. Evidentemente que é um comentário totalmente errado, já que Dilma se manifestou como uma chefe de estado diante de um ataque terrorista brutal contra um país com quem o Brasil mantém excelentes relações diplomáticas. Violência urbana não é terrorismo, apesar de matar também. São situações diferentes. De modo algum a manifestação de solidariedade de Dilma pode ser interpretada como se a presidenta desse mais valor à vida de um cidadão francês do que à de um brasileiro. É uma obtusidade tratar as coisas dessa forma.

Existe outro tipo de comentário que eu também considero equivocado: é o que enxerga na solidariedade ao povo francês uma espécie de “colonização” política e cultural e compara com a reação supostamente tímida, quando não inexistente, principalmente por parte da grande imprensa, por exemplo, à tragédia causada pelo rompimento de uma barragem recentemente em Minas Gerais, na cidade de Mariana. Esse argumento pode ser expandido para qualquer outra tragédia, num país pródigo em tragédias, como é o Brasil.

Discordo desse tipo de crítica, por vários motivos. Considero inapropriada, impertinente, equivocada e meramente oportunista, da pior forma possível. O argumento se volta contra ele: Foi preciso esperar a reação da imprensa ao que aconteceu em Paris para criticar a alegada falta de atenção ao caso brasileiro. Ou seja, a suposta (e falsa) omissão já existia antes, mas os críticos não se manifestaram antes. E o que eles fizeram ou fazem além de criticar a imprensa? Provavelmente nada.

A comparação é ate irrazoavel. Num caso, temos um ataque terrorista deliberado, intencional. No outro, temos um acidente, que certamente tem os seus responsáveis, mas é muito diferente de um ataque terrorista como o que aconteceu em Paris, onde pessoas foram executadas por meio de detonação de granadas e tiros de armas automáticas (AK-47) quando estavam em restaurantes e num show de rock. A comoção ao que aconteceu em Paris é justificadamente muito maior. Não há nem como comparar. Comparar as duas situações é burrice.

Esse tipo de argumento é tipicamente brasileiro. Brasileiro, na média, é mestre em criar dissensos em cima de consensos, pois é do caráter nacional o desentendimento, a picuinha etc. Tudo isso fundamentado em argumentos muito ruins, o que é o pior de tudo. Esse é o caso: o crítico que usa esse argumento consegue contrapor uma tragédia à outra. Ele vê na comoção dispensada aos ataques terroristas em Paris algo nocivo, como se as pessoas fossem insensíveis ao que aconteceu em Mariana (neste ponto, o argumento se baseia até numa premissa falsa: É MENTIRA que a imprensa não deu atenção ao rompimento da barragem, simplesmente mentirosa a alegação, posso colocar aqui dezenas de links que abordaram o assunto). O argumento parte do pressuposto de que as pessoas são canalhas, desprovidas de qualquer sentimento humanitário. Explicar de onde o crítico retira isso exatamente, por que ele acha que a imprensa é tão ruim assim, ao ponto de apenas dedicar atenção aos fatos ocorridos em Paris mas não no Brasil, isso ele não faz. Ele está interessado em aparecer fazendo a acusação leviana. É isso. A comparação é absurda, enfim. No Brasil, houve um acidente. Na França, houve ataques terroristas. A comoção em relação aos ataques terroristas é naturalmente maior, pois são atos intencionais.

O argumento usado para acusar a grande imprensa serve para acusar Dilma Rousseff, exatamente como fez ontem um sujeito de Fortaleza no perfil da presidenta no Facebook, que criticou o fato dela não ter a mesma reação que teve em relação aos ataques em Paris quando 12 pessoas foram assassinadas na quinta-feira última, em Fortaleza. É mais ou menos o mesmo argumento usado pelos críticos que enxergam uma indignação seletiva na grande imprensa. Ou seja, para esse tipo de crítica, a presidenta Dilma Rousseff é igual à imprensa em sua indignação seletiva.

Acesse o link a seguir e leiam o comentário de um certo Geovane Sousa Portela: https://www.facebook.com/SiteDilmaRousseff/posts/1017967694923488

O argumento leva ao absurdo paroxismo de que sempre que formos manifestar indignação contra alguma coisa, sempre que formos manifestar solidariedade diante de uma alguma tragédia, teremos que lembrar de todas as tragédias anteriores, caso contrário, estaremos sendo injustos, omissos, silentes, tendenciosos, enfim, mal intencionados. Não dá. O argumento é muito ruim. Nunca deu certo isso de criticar alguém por se manifestar contra uma coisa errada comparando com a reação dela em relação à outra coisa errada. O suposto silêncio num caso não é conclusivo. Muitas vezes isso acontece por razões práticas: a pessoa não vai se referir a todos os problemas do mundo sempre que tiver que manifestar a sua indignação ou solidariedade em relação a um determinado acontecimento. A crítica, no caso dos que acusam a indignação seletiva da grande imprensa e de algumas pessoas, que trataram de forma diferente o caso do terrorismo em Paris e o rompimento da barragem em Mariana, foi até injusta: as situações são diferentes, incomparáveis. Não se compara terrorismo com acidentes. Isso deveria ser básico.

Para essas pessoas eu digo apenas o seguinte: é bom começar a perceber que o mundo é globalizado, cada vez mais. Ser brasileiro não significa deixar de ser humano e não poder sentir solidariedade diante de uma tragédia como essa que caiu sobre Paris. A solidariedade é universal. E o caso de Paris foi mesmo chocante, quando vemos que pessoas foram executadas aos montes, sem qualquer chance de defesa quando estavam meramente num show de uma banda de rock ou num restaurante. Saíram de casa para serem brutalmente assassinadas. A violência dos ataques em Paris explica por que causou tanta comoção. As pessoas se colocam nos lugares das vítimas, como aconteceu no ataque terrorista a Oslo, em 22 de julho de 2011. Aliás, essa é uma marca do terrorismo do Estado Islâmico, autor dos ataques a Paris: ele atua para que todo mundo se sinta pessoalmente ameaçado em sua individualidade, em sua forma de viver. Não existem alvos estratégicos, exatamente. O alvo são os cidadãos comuns, atacados em suas individualidades. É uma guerra contra a forma que as pessoas pensam o mundo, é um ataque contra os valores mais básicos defendidos nas democracias ocidentais. Nessa linha, todo mundo que não se ajusta ao que eles querem é um alvo, sem qualquer espaço para a tolerância.

Não adianta muito querer se afastar disso e alegar questões geopolíticas fomentadas pelo Ocidente. Isso é um erro. A questão não é essa. A questão é que o terrorismo jihadista do Estado Islâmico tenta se impor na base da violência e não está disposto a dialogar democraticamente, longe disso. Com eles, não há qualquer entendimento possível. Ou é do jeito que eles querem ou é morte, guerra, escravidão etc. Diante dessa postura, a única alternativa civilizatória é mesmo a guerra. A guerra termina sendo, paradoxalmente, a melhor resposta da civilização contra grupos como o Estado Islâmico. É uma guerra totalmente legitimada pelos fatos.

O Estado Islâmico, a propósito, é combatido por simplesmente todo o mundo. Nem os outros grupos extremistas islâmicos são aliados do Estado Islâmico. É unânime a repulsa que ele provoca. O Irã é contra, a Al Qaeda é contra, o Hezbollah é contra, a Arábia Saudita é contra, o Hamas é contra, a Rússia é contra, Israel é contra, os EUA e a Europa Ocidental são contra. Enfim, todo o mundo é contra o Estado Islâmico. Ficar com discursos que, na entrelinhas, esquecem o problema que é o Estado Islâmico para querer atacar a “culpa” do Ocidente na situação é uma asneira política completa. A mesma coisa aconteceu na época do atentado ao Charlie Hebdo, ocorrido em janeiro deste ano. Tinha gente que preferia criticar o jornal a condenar o ataque que matou os cartunistas e editores. É uma questão de razoabilidade aí, de se colocar no lugar das vítimas, de ter um pouco daquilo que nos faz seres humanos capazes de entender uns aos outros, por mais que tenhamos diferenças. Quando se perde essa capacidade e se passa a odiar o outro por simplesmente pensar e agir diferente, a violência vem naturalmente. Contra a violência, as pessoas têm o direito de se defender.

É importante ter em mente que se hoje foi em Paris, amanhã pode ser perfeitamente no Brasil, principalmente considerando que o país passou a sediar eventos internacionais importantes, como Copas do Mundo e Olimpíadas (não preciso citar exemplos de ataques terroristas em Olimpíadas para sustentar esse ponto, basta pesquisar, pois tem até filme de Hollywood sobre isso). O terrorismo em Paris interessa a todo mundo, inclusive aos brasileiros também, lógico. E cada vez mais isso será uma realidade para um país que se pretende ser importante no cenário internacional. Discursar “politicamente” contra a solidariedade genuína que as pessoas manifestam é uma falta de humanidade.

Quem tenta minimizar o ocorrido, criticando ora o Ocidente (supostamente “culpado” pelo que o Estado Islâmico faz, eles dizem: Se alguém decide decapitar outrem ou fuzilar pessoas barbaramente, lembre-se de que sempre é possível culpar outras pessoas e poupar os assassinos que permitem a acusação), ora a reação legítima que o inegável ato de guerra causará (procurar se defender de terroristas que matam qualquer um sem dó nem piedade agora virou objeto de “preocupação” de quem acha ser fuzilado enquanto se está num restaurante ou num show de rock algo banal, digno inclusive de ser ignorado, pois o que importa é se preocupar com a reação do governo do país vitima do ataque, ao passo em que os terroristas, ah, esses podem continuar explodindo e fuzilando friamente as pessoas que não serão objeto de qualquer preocupação), deveria ter a oportunidade de vivenciar uma experiência dessas (por exemplo, estar num show onde pessoas fortemente armadas entram e começam a atirar em todo mundo que vêem pela frente) para nos contar depois como foi. Se conseguisse sair vivo, claro.

O fato é que a França tem o direito e o dever de se defender na situação. Nenhum país sério e decente vai aceitar candidamente que grupos pratiquem em seu solo atos de terrorismo e de guerra como os que foram praticados ontem em Paris. O país tem o direito e o dever de se defender. O povo está morrendo brutalmente apenas porque é cidadão do país. A situação é muito mais séria e grave do que fatos isolados que fazem a festa dos oportunistas de plantão. Retórica de brasileiro de esquerda bunda-mole (que não são todos, frise-se, mas apenas uma parte), que mal consegue defender a honra dos grupos políticos que integra (são chamados de “ladrões” e “safados” e ficam se borrando de medo, por exemplo), é descartável.

No Brasil, é comum a confusão e a perda de foco quanto ao que importa. Brasileiro, na média, é meio voador, barraqueiro e gosta de picuinha. Se você deixar, sempre considerando o padrão médio que se vê por aí, um brasileiro tomar uma decisão num momento importante, que afetará a vida de muitas pessoas, a chance de todo mundo “entrar pelo cano” é grande. No Brasil, a impressão que se tem é que as pessoas são criadas e formadas para escolher errado, para decidir errado. Falta objetividade, noção correta da realidade. Falta bom senso. Tudo isso explica certas opiniões em relação à reação que a França terá depois de ter sido atacada brutalmente. Eles se preocupam com isso e não com a grotesca ação terrorista. Eles acham que é mais um caso policial brasileiro, daqueles em que a classe média branda “bandido bom é bandido morto”.

Os comentários de boa parte dos internautas brasileiros que se autodeclaram “de esquerda” são qualquer coisa de ridículos. Eles realmente acham que a culpa do Estado Islâmico fazer atentados é de países como a França. Para eles, o Estado Islâmico é exclusivamente uma criação dos países que investiram na derrubada de Bashar Al-Assad, o que é falso. O Estado Islâmico cresceu no bojo de um movimento jihadista global cujas raízes contemporâneas foram lançadas pela Al Qaeda. É um movimento internacionalista que não se restringe a questões locais do Oriente Médio, seja na Síria, seja no Iraque. Se grupos paramilitares, embrionários do EI, se mimetizaram entre os vários grupos em conflito na guerra civil síria e conseguiram acesso a armas, isso não significa que os países que financiaram tais grupos conscientemente concordaram com a proposta da jihad global do EI. A conclusão não se se segue da premissa. O Estado Islâmico conta com adesão maciça de pessoas do norte da África e inclusive da Europa (geralmente, descendentes de muçulmanos, muitos deles jovens que mal chegaram à casa dos 20 anos). Existe um movimento ainda pouco estudado e compreendido.

Há um mercado de informações organizado que alimenta grupos como o EI. Pensar que tudo foi um acidente de percurso, algo mal planejado pelas potências ocidentais, é puro desvario e ignorância. Ao contrário do que dizem, a visão de mundo que permitiu que surgisse o EI já existia há muito tempo e, mais recentemente, sempre esteve presente e organizada em sites, blogs, várias entidades islâmicas e nas redes sociais. Eles se valeram de técnicas de propaganda veiculadas para uma sociedade de massas. Foi uma evolução de uma situação pré-existente, com um certo “romantismo” na estratégia do EI de conquistar adeptos. Camile Paglia, em recente entrevista publicada na Folha de São Paulo, tem muita razão quando identifica o elemento da sede por “ação física e aventura”, ao fato de integrarem uma “irmandade”, na adesão de jovens muçulmanos nascidos e criados na Europa. Portanto, o EI não foi uma mera estratégia de atuação geopolítica equivocada do Ocidente. Ele surgiria mais cedo ou mais tarde. A guerra civil na Síria apenas proporcionou, contribuiu ou facilitou que isso acontecesse. O que motiva grupos como EI são conceitos jihadistas fundamentalistas, o ataque aos infiéis e a conversão deles nem que seja na base da força ou da violência. O EI defende o expansionismo islâmico de outras épocas históricas. Não é uma coisa restrita ao nosso tempo, a não ser na forma como eles hoje atuam. Ideologicamente, a semente do EI é intrínseca a uma certa interpretação do islamismo.

Comentando um post citado por um amigo em seu perfil no Facebook, fiz algumas observações que considero pertinentes sobre os ataques terroristas de ontem contra Paris, de autoria atribuída ao Estado Islâmico. O post citado falava sobre o papel de países como EUA e França tiveram ou têm na forma como o EI conseguiu surgir e atuar no cenário internacional. Numa das passagens do post, o autor acusava a França de também praticar o que considerou “terrorismo”, da mesma forma que o EI faz. Transcrevo o trecho do post para que fique mais clara a ideia:

“(…” a França há meses vem atacando áreas supostamente onde o Estado Islâmico atua, todavia matando civis também. Terroristas da mesma laia. O problema é que um lado pode cometer atos terroristas, o outro não. Terrorismo é uma questão conceitual e depende de que lado você se encontra. Infelizmente morre gente inocente dos dois lados. Quem realmente tem culpa está sentado com sua bunda protegida.”

Comparar supostas mortes por “erros” com as mortes de ontem em Paris é um erro e tanto, além de ser um argumento absurdo, totalmente inválido. É dizer que a França conscientemente quis as alegadas mortes dos civis citadas, como os terroristas de ontem intencionalmente quiseram matar as vítimas dos atentados em Paris. Não enxergar a diferença é lamentável. Há uma diferença fundamental entre uma situação e outra: os alvos originais eram diferentes, as intenções eram diferentes. Sobre ser o terrorismo uma questão conceitual que depende do lado em que se encontra, eu até posso concordar com isso. Com o que eu não posso concordar é dizer que o que o EI fez e faz não é terrorismo. Aliás, faltou quem escreveu essas linhas se pronunciar expressamente sobre isso. Apesar de ter dito que eram “terroristas da mesma laia”, não houve a condenação expressa ao que o EI fez e ainda faz. É como se o EI estivesse reagindo com legitimidade aos ataques franceses.

Eu considero um grave problema de certos discursos tentarem relativizar ou minimizar as ações do grupo terrorista Estado Islâmico, usando, para isso, acusações contra ações militares desastradas de países ocidentais. Uma coisa não justifica a outra. No máximo, são ambas as ações condenáveis, sendo importante perceber que as ações de grupos terroristas como o EI, especificamente, não dependem exatamente do que os países ocidentais fazem em suas incursões no Oriente Médio. O que motiva grupos como o EI são questões relativas à interpretação que eles fazem do islamismo (o conceito de jihad que eles assumem como correto). Isso independe da política externa dos países ocidentais para o Oriente Médio. Fazer essa confusão apenas ajuda o EI em sua escalada de terror.

O amigo em questão, onde o comentário foi postado, argumentou com razão que “Acredito que o Ocidente viu nesse movimento jihad uma oportunidade que usa-los para seus fins escusos (desestabilizar países não afinados com suas políticas), mas esqueceram que poderiam provocar uma reação contrária.”

Isso se aplica certamente à Síria. Nisso eu concordo com ele. Os ocidentais não aceitam que Assad consegue manter esses radicais sob controle. A mesma coisa Sadam Hussein (não quero igualar os dois, obviamente, mas sim falar do papel de controle que eles exerciam nos seus países).

Mas temos que combater o terrorismo islamofascista do EI. É um erro das esquerdas enxergarem neles um aliado circunstancial. Não são aliados de ninguém. São inimigos de todos nós. Observe que, por vias tortas, o que a esquerda critica nas potências ocidentais pode acabar sendo o que ela mesma pratica, de forma diferente: deixa de atacar o EI quando deveria estar fazendo isso.

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