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STF deve impedir Cunha de apreciar pedido de impeachment

Leio matéria no site da BBC Brasil, em que foi ouvido um “especialista”, chamado Adilson Dallari, da PUC-SP, que afirma que a decisão de Eduardo Cunha em acolher o pedido de impeachment contra Dilma está fundamentada juridicamente e a motivação por vingança é irrelevante, não gera qualquer efeito sobre a validade do ato praticado por Cunha. Ao contrário do que diz o especialista, o móvel psicológico de Eduardo Cunha interessa e muito. O “especialista” ouvido na matéria está completamente errado. Por esse argumento, juiz inimigo da parte poderia atuar normalmente no processo. Uma irrazoabilidade, como se observa. Acabaram de acabar com institutos como suspeição e impedimento. Cunha é, no mínimo, suspeito para apreciar o pedido de impeachment, pois tem interesse direto nele, usa-o a seu favor, de acordo com os seus exclusivos interesses pessoais.

Como tentarei demonstrar neste post, a decisão dele, que acolheu parcialmente o pedido de impeachment veiculado contra Dilma Rousseff, é ilegítima e deve ser declarada nula ou anulada, a depender do grau de invalidade observado. Particularmente, eu penso que a decisão de Eduardo Cunha violou os princípios da moralidade, legalidade e impessoalidade, sendo absolutamente nula, portanto, dada a inconstitucionalidade que lhe é inerente. Cunha não pode decidir e deve ser afastado, pois ele, enquanto ameaçado de cassação, usa o poder para barganhar, como uma autêntica chantagem ou ao menos existe essa possibilidade de forma objetiva. Quem deve decidir é o seu substituto legal, o vice-presidente da Câmara dos Deputados. A decisão de Cunha é absolutamente nula, considerando inclusive outro aspecto que reforça a ilegalidade, que foi o notório desvio de finalidade. Cunha não tem isenção de ânimo para apreciar o pedido, não tem a necessária imparcialidade. Ele é, portanto, impedido ou, no mínimo, suspeito de apreciar o pedido de impeachment e deve ser proibido pelo STF de fazer isso. Esse, aliás, é o óbvio e mais do que evidente problema de deixar um deputado federal acusado da prática de vários crimes na presidência da Câmara dos Deputados. Cunha já deveria ter sido afastado da presidência da Câmara há muito tempo. E nem se compare a função exercida por Eduardo Cunha com o que irão fazer os deputados federais que votarão o impeachment, pois são situações absolutamente diferentes: ao contrário do deputado federal, que não tem que fundamentar o voto sobre o impeachment, Cunha tem que fundamentar na lei a sua decisão.

Logo se vê que o argumento de que é irrelevante o móvel psicológico do presidente da Câmara dos Deputados, ao proferir a decisão de admissibilidade do pedido de impeachment, é falso, inválido. Os interesses e motivações pessoais importam e muito. Caso contrário, suspeitos e impedidos atuariam livremente na situação. Não são apenas juízes de direito que podem ser considerados suspeitos e impedidos. Autoridades administrativas também podem ser. A decisão de Cunha não pode ser meramente política. Não há dúvidas de que se trata de uma decisão, não se podendo, como dito anteriormente, comparar a função dele com a dos deputados federais que votarão sobre a conclusão da comissão especial, pois são situações totalmente diferentes. Eduardo Cunha, enquanto presidente da Câmara dos Deputados, deve praticar ato vinculado ao que diz a lei, sem margens para que sentimentos políticos sejam os únicos fatores que definam a decisão, tanto que a decisão deve ser fundamentada, não bastando um “sim” ou “não”. O ato decisório que ele pratica, portanto, é de natureza jurídico-administrativa sim senhor. A decisão de acolhimento do pedido de impeachment precisa ser técnica.

Ele é um agente público, no pleno exercício de função administrativa, e se submete aos princípios do art. 37 da CF, entre eles o da moralidade, o da legalidade e o da impessoalidade. Ele não pode fazer o que quiser, arbitrariamente, apenas porque é o presidente da Câmara dos Deputados. Alguns só faltam afirmar que, em nome do aspecto político do ato, ele está autorizado a agir da forma que bem entender. Está errado quem pensa dessa forma. Eduardo Cunha, pelas circunstâncias e de forma excepcional, não tem legitimidade para decidir, mesmo enquanto presidente da Câmara dos Deputados. Ele tem interesse pessoal, pois usa o poder que tem para chantagear a base aliada do governo a não votar pela sua cassação. Isso não é legítimo, não é moral e claramente viola o princípio da impessoalidade. É o presidente da câmara dos deputados usando o poder que a lei e a Constituição lhe concedem para tentar impedir ser cassado.

Ainda que não se consiga comprovar que ele agiu de forma pessoalmente interessada (o que, a bem da verdade, está suficientemente evidenciado quando ele acolheu parcialmente o pedido exatamente quando soube que o PT ia votar pela cassação do mandato dele), o fato é que a situação implica objetivamente que ele seja considerado impedido ou suspeito de apreciar o pedido de impeachment com a imparcialidade e com a isenção de ânimo necessárias, lembrando que o ato administrativo decisório praticado por Cunha é plenamente vinculado ao que dispõe a Lei nº 1.079/1950 e à Constituição Federal. O interesse jurídico de Cunha que o torna ilegítimo para praticar o ato nasce objetivamente da situação. Logo, pelas circunstâncias, a decisão deve ser declarada nula e o pedido deve ser apreciado pelo vice-presidente, sob pena de nulidade de todos os atos subsequentes.

Incidem, no caso, inclusive as vedações do art. 18, inciso I, e 20, da Lei nº 9.784/1999, aplicável ao Poder Legislativo pelo § 1º do art. 1º. Cunha é, excepcionalmente e devido às circunstâncias, impedido de decidir ou, no mínimo, suspeito de decidir. O problema é ele ser acusado da prática de vários crimes e encontrar-se em vias de ter o mandato parlamentar cassado. Nessa situação, ele deve ser afastado do cargo e quem decide sobre o pedido de impeachment é o seu substituto legal (vice-presidente da Câmara dos Deputados). A decisão de Eduardo Cunha que acolheu parcialmente o pedido de impeachment é absolutamente nula, assim como igualmente são nulos todos os atos subsequentes.

Como muitos sabem, um juiz de direito não pode apreciar uma causa quando uma das partes é sua inimiga capital ou amiga íntima (art. 135, inciso I, do Código de Processo Civil – CPC – atualmente vigente). Ou seja, mesmo que a sentença condenatória que ele proferir contra a parte estiver fundamentada na lei, a sentença é absolutamente nula, porque inimigo capital ou amigo íntimo da parte não pode julgar os processos em que ela figura num dos polos da relação processual, o que mostra que as intenções subjetivas de quem vai proferir uma decisão importa e muito para o Direito. Além disso, juiz que tem interesse jurídico-processual no resultado da causa (inciso V do art. 135 do CPC atualmente vigente), isto é, que tenha a ganhar ou seja útil para ele que uma das partes ganhe a ação, também não pode julgar o processo. Em ambos os casos, o juiz de direito é considerado suspeito para fazer isso. Da mesma forma, pouco importa se a decisão que ele vier a proferir tenha fundamento na lei. Pesa contra ele o que se chama de suspeição.

Por outro lado, os juízes de direito também podem ser considerados impedidos de julgar determinados processos, por exemplo, quando for parte ou quando for cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau, de acordo com os incisos I e V do art. 134 do CPC atualmente vigente.

Transportando isso para o excepcional caso de Eduardo Cunha, que pratica ato administrativo de teor decisório quando se depara com uma petição de impeachment, temos que ele notoriamente usou o poder que ele tem, enquanto presidente da Câmara dos Deputados, de acolher ou não o pedido de impeachment, em seu benefício pessoal, violando, assim, pelo menos três princípios constitucionais: o da moralidade, o da legalidade e o da impessoalidade. O ato administrativo decisório, ainda que motivado e/ou fundamentado, de recebimento do pedido de impeachment por parte de Eduardo Cunha é, portanto, absolutamente nulo. Ele não tem legitimidade, isenção de ânimo, imparcialidade para poder atuar no caso, já que usa o poder de acordo com os seus exclusivos interesses pessoais, o que viola outro princípio, qual seja, o da supremacia do interesse público em relação ao interesse privado.

Por tudo isso, claro está que Eduardo Cunha é, devido às circunstâncias e de forma excepcional, IMPEDIDO OU SUSPEITO, aos moldes do que preceituam, respectivamente, o art. 18, inciso I, e o art. 20 da Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, aplicável ao Poder Legislativo nos termos do § 1º do art. 1º, considerando a natureza jurídico-administrativa da decisão em tela, de decidir se acolhe ou não o pedido de impeachment veiculado contra Dilma Rousseff, sendo absolutamente nula a decisão que ele proferiu.

Como medida que garante a legalidade e protege a Constituição Federal, o STF deve determinar que Eduardo Cunha seja afastado do cargo de presidente da Câmara dos Deputados, ao menos no que diz respeito a este ato de acolher ou não o pedido de impeachment, e quem deve decidir em seu lugar é o seu substituto legal, o vice-presidente da Câmara dos Deputados. A decisão de Eduardo Cunha é absolutamente nula, não tem validade e não pode gerar efeitos, sendo igualmente nulos todos os atos subsequentes, inclusive o processo de impeachment que vier a ser formalmente aberto.

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