Arquivo do mês: fevereiro 2016

O “amor” como obra de arte

Eis um tema fascinante, os relacionamentos “amorosos”. Eu uso “amor” sempre entre aspas porque é uma palavra que tem tantos significados diferentes que eu nunca consigo entender o que a ideia significa com exatidão. Eu li uma vez um livro excelente da escritora paulista Marina Colasanti, chamado “Esse Amor de Todos Nós” (Link para o livro: http://www.travessa.com.br/…/04886862-b271-4d71-9585-9214ac…). Era uma série de transcrições, referências obtidas nas mais diversas fontes (matérias de jornal, pesquisas científicas etc), passagens literárias sobre o significado do que as pessoas chamam de “amor”. Incrível a variedade de como esse sentimento se manifesta. O livro é brilhante neste aspecto, o de mostrar o quanto o “amor” tem muitos sentidos e significados. Ninguém “ama” da mesma forma. Não há regras, definitivamente. Que ele existe, existe. Mas não é algo que se possa dizer exatamente o que é.

Eu acho o “amor” dos poetas que fazem jus ao epíteto uma coisa muito nobre. Para mim tem muito a ver com despreendimento da realidade imediata. Goethe, o poeta alemão (os alemães usam “poeta” para se referir aos escritores em geral), escreveu um livro muito famoso sobre isso, “Os Sofrimentos do Jovem Werther” (1774). A estória do cara que amava tanto uma mulher que sucumbiu a esse sentimento. Tem a ver com uma certa noção muito arraigada da existência. Parece ser uma coisa transcendental, o que não é contraditório, pois quem “ama” assim considera o transcendental integrante da sua “realidade” (na verdade, eu acredito que passa a ser a única “realidade” que importa).

Nessa linha, se a arte pode ser conceituada como uma forma de fugir das amarras da realidade convencional ou de como ela se nos apresenta, o “amor” seria uma obra de arte. O sentido que damos a essa obra de arte vai depender e variar, caso a caso.

No livro da Colasanti que eu citei acima, tem uma passagem que trata de uma pesquisa científica sobre o comportamento de uma espécie de pássaros que eu nunca esqueci (li esse livro há 15 anos, em 2001). O casal de pássaros, quando se “enamoravam”, fazia tudo junto, absolutamente tudo. Não se desgrudava um segundo sequer. Quando um deles falecia, o outro ficava o resto da vida procurando por ele. Nunca mais aceitava outro parceiro, seja o macho ou a fêmea. Quando via um outro pássaro parecido com o parceiro, se aproximava, mas quando percebia que não era o mesmo, voava aos “prantos”, cantando descontroladamente, como se estivesse se lamentando. Era um “amor” único, para o resto da vida. Lembro de que quando li essa passagem do livro, tive a nítida impressão de que o “amor” é o mais instintivo dos sentimentos. Ele não faz parte da nossa parte “racional”. É algo bem básico. Creio existir uma explicação biológico-genética para isso.

O racionalismo desenvolvido pelo mundo ocidental acabou com tudo isso. Não existe muito espaço para esse tipo de sentimento na sociedade contemporânea. Quem quiser vivenciar isso tem que estar disposto a ser um Werther da vida. Eu acho que os seres humanos, quando passaram a desenvolver a razão tanto quanto possível, abdicaram disso porque o “amor” verdadeiro é quase suicida. É uma coisa que contraria os padrões que criamos para nós mesmos enquanto espécie. Talvez isso também explique a diversidade de sentidos e significados do “amor” na ótica humana. Tentamos adaptar o que sobrou da ideia. Eu acredito nisso.

Uma das mais famosas histórias de “amor” dos EUA é uma história de uma californiana descendente de família nobre espanhola que se apaixonou (não uso aspas para isso, porque a paixão é mais fácil de entender) por um diplomata e explorador russo. A família, que dominava a Califórnia naqueles idos (início do século XIX), era contra o relacionamento (ela tinha apenas 15 anos de idade). Mas eles estavam perdidamente apaixonados. Ele teve que voltar para a Rússia e terminou morrendo num naufrágio. Ela só soube disso muitos anos depois. Nunca mais se casou e se tornou freira. Creio que Alfred Hitchcock, o cineasta inglês, tocou en passant nessa história em “Vertigo” (no Brasil, “Um Corpo que Cai”). No mínimo, inspirou-se na história em algumas passagens do filme. O nome da californiana era Concepción Argüello e sua história de “amor” com o russo é objeto de obras, peças e poemas americanos e russos. O nome do Russo era Nikolai Rezanov. O escritor e poeta americano Francis Bret Harte é autor talvez da mais famosa balada sobre a história de Concepción.

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Vaia da oposição não tem, por si só, relevância alguma e é até mesmo esperada

Vaia da oposição não tem, por si só, peso nenhum, relevância alguma. Não considero o caso da vaia que a presidenta da república, Dilma Rousseff, levou na abertura dos trabalhos parlamentares de 2016 relevante, de nenhum ponto de vista possível. O Governo Dilma é efetivamente ruim. Antes de se preocupar com as vaias, devia melhorar o desempenho.
Postarei vídeos abaixo que trazem o debate que se estabelece entre o primeiro ministro britânico e o líder da oposição na House of Commons, no que se conhece como Prime Minister’s Questions (PMQ, na sigla em inglês), que acontece toda quarta-feira, ao meio-dia, na House of Commons. Dura uma hora. O ânimo varia de acordo com os tipos de questões que são colocadas, com os debatedores e também com o clima político então vigente.
Num dos vídeos abaixo, o debate entre James Cameron (primeiro ministro do Partido Conservador Britânico) e Jeremy Corbyn (líder do Partido Trabalhista Britânico) ocorrido no último dia 14/10/2015 está longe de ser travado num clima ameno (num certo momento, Corbyn cobra seriedade à questão que ele vai fazer, dizendo que não é engraçado para um certo Mathew o problema relacionado à moradia que ele enfrenta). A última coisa que se espera nas PMQs é que a oposição aplauda ou seja “agradável” com o primeiro ministro.
Antes que digam que isso não significa autorização para vaiar, a oposição não só vaia, como faz piada, ridiculariza a figura do primeiro ministro. Chama-o de “fraco”, “mentiroso” e “incompetente” com todas as letras, dentre outros ataques. E ninguém se escandaliza com isso, num ambiente democrático de alta intensidade e exercício pleno do contraditório. Tudo bem que a coisa não descamba para a baixaria e falta de educação, mas tem vaia também, algazarra, ironia, comentários ácidos, desqualificação de todo tipo.
Eu considero um modelo de democracia incrível o britânico. Muito mais civilizado e inteligente. Inglaterra é categoria, cria uma independência e segurança nas pessoas. Ninguém se alarma ou se escandaliza com o contraditório, mesmo o mais ferrenho e implacável. Faz parte, simplesmente isso. Política não é uma “panelinha” para abrigar apaniguados ou compadres. Sempre foi e sempre será conflito, briga de interesses. Democracia é isso. Tem que testar o contraditório ao máximo, até isso entrar por osmose. No Brasil, as pessoas ainda engatinham nisso. Se você discorda de alguém no Brasil, é quase 100% certo, na maioria esmagadora das vezes, que você adquiriu um inimigo pessoal para o resto da vida hehe. O Reino Unido é um modelo do que eu chamo de democracia de alta intensidade.
Noutro dos vídeos abaixo, retirado do site do Parlamento britânico, temos uma audiência, ocorrida ontem (02/02/2016), do Secretário de Estado para os Negócios, Inovação e Habilidades (Secretary of State for Business, Innovation and Skills), um descendente de paquistaneses do partido conservador, chamado Sajid Javid. Os deputados questionam o secretário de estado para os negócios, inovação e habilidades das mais diversas formas. A pauta da discussão é sobre a indústria automobilística britânica. No Brasil, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, ou qualquer de suas Comissões, poderão convocar Ministro de Estado ou quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República para prestarem, pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado, importando crime de responsabilidade a ausência sem justificação adequada (caput do art. 50 da Constituição Federal). Quando isso acontece, geralmente estamos diante de uma crise política. No Reino Unido, esse tipo de interação é o habitual, o comum.
Portanto, as vaias são uma bobagem tremenda e a preocupação com elas mostra apenas o quanto este país não tem a menor ideia do que é uma verdadeira democracia. Brasileiro é, na média, autoritário e averso ao contraditório. Isso é assim também porque se perde neste país o foco no que realmente deve importar.
Essa diferença entre as realidades das políticas britânica e brasileira, quando o assunto é a forma com que reagimos ao contraditório e como lidamos com ele, em comparação ao que é observado no Reino Unido, é mais uma questão cultural mesmo. O exercício pleno do contraditório é uma tradição cultural existente no Reino Unido há séculos que os brasileiros precisam assimilar. Isso deve ser aplicado em todas as áreas, não apenas na política, frise-se. Não penso que exista democracia sem esse exercício e sem essa tolerância ao contraditório. A origem de nossa pouca prática democrática advém do regime de opressão e autoritário classista que dominou durante séculos e ainda domina este país.
O povo não era chamado para participar do debate político. As elites dirigentes, autoritárias, não permitiam e tratavam o povo na base da truculência e do desrespeito. Claro que isso termina se espalhando para muitos outros setores. Não temos um povo educado para exercer plenamente o contraditório, máxime na política. Isso, no entanto, precisa ser superado, para o bem de nossa democracia.
Vaia da oposição, reitere-se, não tem, por si só, significado nenhum relevante para a avaliação do governo. Mesmo se a Dilma estivesse fazendo o melhor governo possível, o que não está, ao contrário, faz provavelmente o pior governo possível, a tendência sempre será a de ser desaprovada e desprezada pela oposição. Muito mais importante é que ela melhore e se reporte aos seus eleitores e ao povo. Querer que a oposição seja “boazinha” com ela é uma piada. Oposição existe, dentre outras coisas, para vaiar mesmo. Isso é naturalmente esperado. O resto é ranço autoritário de um povo que ainda não aprendeu a conviver com o contraditório e a se impor com suas ideias. Esse vitimismo brasileiro, eterno sinal de imaturidade, é um atraso. Não gostou da vaia? Simples: Reaja à altura na hora em que ela acontece. Não adianta choramingar depois. Isso sim é ridículo.
David Cameron vs Gordon Brown:
Tony Blair vs. John Major – “Weak, weak, weak!”: 
Jeremy Corbyn vs. James Cameron:
Questionamento do Secretário de Estado para os Negócios, Inovação e Habilidades (Secretary of State for Business, Innovation and Skills), ocorrido na data de 02/02/2016 (ontem), um descendente de paquistaneses do partido conservador, chamado Sajid Javid: http://www.parliamentlive.tv/Event/Index/4158bf1d-1621-4577-a4fa-d42525c79d42

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