Arquivo da tag: Ministério Público Federal

Afastamento de Renan da Presidência do Senado é analogia “in malam partem” e reforça estado de exceção

O afastamento do senador Renan Calheiros da Presidência do Senado Federal, por força de decisão liminar concedida pelo Ministro do STF, Marco Aurélio Mello, é consequência da aplicação da tese originalmente criada pelos juristas Luiz Flavio Gomes e Marlon Reis, em artigo publicado ano passado na Folha de São Paulo, e apenas tem o condão de reforçar o estado de exceção que atualmente vigora no Brasil, onde o Poder Judiciário cada vez mais assume a face de uma espécie de expressão judicial do que o filósofo inglês Thomas Hobbes chamou de Leviatã, o poder incontrolável, sem limites, a subjugar a tudo e a todos, única forma de implantar em definitivo a paz e a ordem, limando a pluralidade política que existe num regime democrático.

Lembro-me que, na época em que a tese dos juristas Luiz Flávio Gomes e Marlon Reis foi divulgada, cheguei a elogiá-la, numa análise perfunctória e sem maior reflexão, mas depois, com cuidado, vi que ela tem furos e eles são graves. A tese, toda ela baseada no § 1º, inciso I, do art. 86 da Constituição Federal, que diz que o Presidente da República ficará suspenso de suas funções nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal, estabelece uma espécie de analogia para os que estejam na ordem sucessória para ocupar a Presidência da República.

Em outras palavras, se o Presidente da República ficará suspenso de suas funções se se tornar Réu, o Presidente do Senado, por exemplo, por ser um dos que estão na linha sucessória do cargo de Presidente da República, também deve ser suspenso de suas funções enquanto Presidente do Senado quando se torna réu, sob pena de se admitir que um réu num processo criminal exerça livremente a Presidência da República, o que é vedado pelo art. 86, § 1º, inciso I, da Constituição Federal.

Em suma, a principal ideia que a tese veicula é a de que quem é réu num processo criminal que tramita perante o STF não pode ser Presidente da República. No entanto, a partir dessa premissa, a tese pretende ir além e termina extrapolando o texto constitucional quando estabelece que os detentores de cargos que estão na ordem sucessória para assumir a Presidência da República também devem ser afastados de seus cargos quando se tornam réus em processos criminais perante o STF.

O problema da tese começa logo quando a Constituição Federal não diz que o Presidente do Senado, quando se torna réu num processo criminal, deve ser suspenso de suas funções. Isso é reservado ao Presidente da República. A analogia mais próxima que se poderia construir, a partir de tais premissas, seria impedir que o Presidente do Senado pudesse, de fato, assumir as funções inerentes ao cargo de Presidente da República quando surgisse a oportunidade, sem que isso implicasse suspensão das funções de Presidente do Senado.

No entanto, a tese construída por Luiz Flávio Gomes e Marlon Reis avança essa etapa e atinge o próprio direito de exercer as funções de Presidente do Senado, quando isso, analisando agora com mais cuidado, me parece uma clara extrapolação do que pretendeu a Constituição Federal.

Existe uma máxima hermenêutica que diz que é vedado ao intérprete dizer o que a lei não disse. Se o silêncio da norma jurídica é eloquente, como é o caso da Constituição Federal quanto à suspensão do Presidente do Senado de suas funções a partir do momento que se torna réu num processo criminal, não cabe ao intérprete preenchê-lo, nem mesmo sob a alegação de que, por ser um dos que estão na ordem sucessória da Presidência da República, não pode se permitir que ele ocupe a Presidência do Senado.

Ora, o impedimento somente surge quando, de fato, ocorre a vacância do cargo de Presidente da República, de modo tal que o Presidente do Senado seja compelido a assumir as funções. Enquanto não surgir a necessidade dele ocupar o cargo de Presidente da República, creio não ser correto suspendê-lo da função de Presidente do Senado. Não poder exercer as funções de Presidente da República nem de longe significa a mesma coisa que não poder exercer as funções de Presidente do Senado.

Penso até mesmo que a analogia criada pelo Supremo Tribunal Federal ofende um dos princípios mais básicos da ciência penal, que é a vedação da analogia in malam partem, que nos informa que é proibido lançar mão de uma analogia em prejuízo do réu.

No caso, apesar da ginástica argumentativa que é feita, o que se tem efetivamente é uma analogia direta entre as situações do Presidente da República e do Presidente do Senado, isto é, da mesma forma que o primeiro é suspenso de suas funções quando se torna réu num processo criminal, o segundo também deve ser suspenso quando a mesma situação for observada. A analogia in malam partem é muito evidente, pois se aplica uma norma especificamente criada para uma situação em outra situação distinta, em franco prejuízo dos direitos do réu que sofre a sanção não prevista para a sua situação. A tese anacrônica, que foi encampada pelo STF não apenas no caso do afastamento do Senador Renan Calheiros da Presidência do Senado, mas também no caso do Deputado Federal Eduardo Cunha, afastado da Presidência da Câmara dos Deputados pelos mesmos argumentos, apenas reforça a sensação geral de que vivemos hoje no Brasil um verdadeiro estado de exceção.

Vivemos tempos obscurantistas no Brasil, onde o Judiciário saiu do protagonismo assentado no que se convencionou chamar de “ativismo judicial”, que teria os seus aspectos positivos, para debandar de vez para a ilegitimidade da intervenção inconstitucional sobre os outros poderes. Vivemos no país uma autêntica rebelião dos juízes e de órgãos como o Ministério Público Federal e a Polícia Federal, que fizeram um pacto para tomar de assalto o poder, passando por cima da soberania popular, sendo a maior expressão desse movimento ilegítimo a Operação Lava Jato, onde o juiz federal Sérgio Moro se destaca como o principal protagonista, ao lado de procuradores da república como Deltan Dallagnol e outros, além de delegados da Polícia Federal.

A mais grave marcha golpista ocorrida até aqui foi a que aconteceu no último domingo, 04/12/2016. Ela escancara de vez os desígnios autoritários da Lava Jato e de seus apoiadores. Ela é o início da luta final para a implantação da ditadura midiática-judicial no Brasil em seu viés autoritário e opressor. Ela é o acirramento definitivo da luta política pelo poder que acontece em Curitiba entre o Lulismo e o fascismo golpista da Lava Jato e de grupos como o MBL.

Esse é o mais fundamental confronto político em toda essa história, o ápice do golpe que estão tentando passar. O apoio da Rede Globo às marchas não surge por acaso. É o pacto já firmado com a Lava Jato para deter em definitivo Lula e o PT.

A derrubada da presidenta eleita Dilma Rousseff foi apenas uma etapa do plano. A principal etapa começou na prática agora. Ou as forças progressistas reagem de uma vez por todas ou sofreremos um golpe que será sem precedentes, o mais difícil e cruel de todos, o golpe dado pelo Judiciário com o apoio da grande imprensa.

A Lava Jato tem o partido dela. Sim, eles criaram o próprio partido, com ideologia própria. A Globo se aliou. O golpe é a Lava Jato e a Lava Jato é o verdadeiro e grande golpe na democracia, na soberania, na independência e na autonomia brasileiras. Ou paramos a ideologia pseudo-apolítica catastrófica, que na verdade é a sabotagem do regime político tradicional da tri-repartição de funções, e extremamente reacionária da Lava Jato, ou seremos governados por uma junta de burocratas egressos do Judiciário sem respaldo ou legitimação popular, apoiada pela grande imprensa.

Com esse tipo de poder, capaz de neutralizar a tudo e a todos, as coisas ficarão incontroláveis. A posição política assumida pela Lava Jato de ser contra a lei de abuso de autoridade é apenas demonstração inequívoca disso. Eles querem acabar com a “velha política” e colocar no comando das coisas pessoas como Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e que tais.

A Lava Jato é o melhor exemplo encontrado na atuação do Poder Judiciário brasileiro de uma espécie de expressão judicial do que Thomas Hobbes chamava de Leviatã, o poder incontrolável, sem limites, a subjugar a tudo e a todos, única forma de implantar em definitivo a paz e a ordem, limando a pluralidade política que existe num regime democrático. É isso o que a Lava Jato significa ideologicamente com a sua bandeira de criminalização da política. A Lava Jato e tudo o que nela existe de arbitrário, antidemocrático, antipopular, antinacional e inconstitucional são o inimigo a ser combatido por todos os que hoje ainda têm algum apreço pela democracia neste país. A decisão do STF que afastou o senador Renan Calheiros da Presidência do Senado Federal é apenas mais um capítulo do surgimento do Leviatã, em sua expressão judicial, no atual cenário brasileiro.

Deixe um comentário

Arquivado em Direito e Justiça, Política

Para entender por que Sérgio Moro cometeu crime

Vou aderir ao estilo “professoral”, pela relevância do assunto, e farei aqui a seguinte pergunta:

Por que o juiz federal Sérgio Moro cometeu crime quando liberou e/ou divulgou à imprensa as gravações das interceptações telefônicas que capturaram conversas mantidas pela Presidenta da República e Ministros de Estado, assim como quando liberou e/ou divulgou à imprensa conversas telefônicas privadas mantidas entre familiares de Lula que absolutamente nada tinham a ver com as investigações da Lava-Jato, a exemplo da conversa de Da. Marisa com um dos filhos de Lula, em que ela critica os que batem panela contra o governo Dilma Rousseff, Lula e o PT?

Vejam os seguintes dispositivos legais e constitucionais abaixo.

1º – Inciso XII do art. 5º da Constituição Federal, que diz que o sigilo das comunicações telefônicas é inviolável, salvo por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal:

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (Vide Lei nº 9.296, de 1996)

2º – Art. 102, inciso I, alíneas “b” e “c”, da Constituição Federal, que dizem que é de competência do STF processar e julgar, originariamente, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, e nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

(…)

b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;

c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999)

3º – Os arts. 8º, 9º e 10 da Lei nº 9.296/1996, que regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5° da Constituição Federal:

Art. 8° A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.

Parágrafo único. A apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório da autoridade, quando se tratar de inquérito policial (Código de Processo Penal, art.10, § 1°) ou na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto nos arts. 407, 502 ou 538 do Código de Processo Penal.

Art. 9° A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada.

Parágrafo único. O incidente de inutilização será assistido pelo Ministério Público, sendo facultada a presença do acusado ou de seu representante legal.

Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

4º – Art. 325 do Código Penal, que trata do crime de violação de sigilo funcional:

Art. 325 – Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação:

Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave.

§ 1º Nas mesmas penas deste artigo incorre quem: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

§ 2º Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Como se observa ao ler estes dispositivos, podemos fazer as seguintes afirmações:

1 – A Constituição Federal considera inviolável as conversas telefônicas, somente permitindo quebra do sigilo por ordem judicial e nos casos previstos em lei e apenas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

2 – A Constituição Federal diz que é do STF, originariamente, a competência para processar, inclusive os autos de investigação criminal, e julgar as pessoas da Presidenta da República e dos Ministros de Estado, não sendo cabível que um juiz federal pretenda fazer isso, como fez Sérgio Moro;

3 – A Lei que regulamenta as interceptações telefônicas, em seu art. 8º, diz expressamente que deve ser preservado o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas, não se admitindo qualquer divulgação pública, muito menos como aconteceu, quando áudios de interceptações telefônicas envolvendo a Presidenta e Ministros foram parar no Jornal Nacional por causa de decisão de Sérgio Moro;

4 – A Lei que regulamenta as interceptações telefônicas, em seu art. 9º, diz expressamente que a gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada, não sendo permitido, em hipótese alguma, que tal tipo de gravação venha a público, como aconteceu com as conversas de Da. Marisa e um dos filhos de Lula;

5 – A Lei que regulamenta as interceptações telefônicas, em seu art. 10, diz expressamente que constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei, o que Sérgio Moro fez quando, no mínimo, decidiu divulgar os áudios que envolviam autoridades cujo foro competente é o STF;

6 – O Código Penal brasileiro, em seu art. 325, diz expressamente que revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação, é crime de violação de sigilo funcional, punível com pena de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa, se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem

Portanto, ao divulgar o teor das conversas telefônicas mantidas por autoridades para os quais ele era absolutamente incompetente, além de ter divulgado conversas privadas que nada tinham a ver com a investigação, o juiz federal Sérgio Fernando Moro ou cometeu o crime previsto no art. 10 da Lei nº 9.296/1996 ou cometeu o crime previsto no art. 325 do Código Penal, incidindo, neste último caso, a causa de aumento de pena prevista no § 2º, pois da ação resultou dano para à Administração Pública Federal e para as pessoas que tiveram suas conversas ilegal e inconstitucionalmente divulgadas.

Qualquer do povo pode usar essa fundamentação e representar contra o juiz federal Sérgio Moro, tanto ao Ministério Público Federal, quanto à Polícia Federal, assim como pode representá-lo junto ao Conselho Nacional de Justiça para que um processo administrativo disciplinar seja aberto e a punição prevista na Lei Orgânica da Magistratura, Lei Complementar nº 35/1979, seja corretamente aplicada, a bem da justiça e do direito, restando afastada qualquer possibilidade de se alegar que a divulgação das gravações telefônicas era supostamente de “utilidade pública”, como Sérgio Moro chegou a alegar em algumas ocasiões, conforme matérias publicadas pela imprensa.

Não há “utilidade pública” que possa ser alegada validamente sem amparo na Constituição Federal e nas leis que vigoram em nosso país. Não há inconstitucionalidade de “utilidade pública” nem existem normas que digam que as ações praticadas por Sérgio Moro, neste caso, possuem algum amparo legal ou constitucional.

Deixe um comentário

Arquivado em Direito e Justiça

O golpe em curso deve ser confrontado e derrotado

O momento exige determinação, coragem e consciência do que deve ser feito para o bem da preservação da democracia em nosso país. Não podemos aceitar o recrudescimento do autoritarismo de outros tempos, que nos levou a vinte e um anos de ditadura militar, com prejuízos para os mais variados setores da sociedade brasileira. Se antes os idealizadores do golpe tiveram o apoio da imprensa e das forças militares, hoje, os idealizadores têm o apoio da mesma grande imprensa e de setores do Poder Judiciário, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, com a séria possibilidade das forças de segurança, especialmente das Polícias Militares, passarem a atuar como linha auxiliar do golpe, sufocando a resistência democrática. Quero falar sobre isso mais adiante.

Momentos como o que atravessamos definem o tipo de Estado e sociedade que teremos no futuro. A Constituição, desrespeitada pelos golpistas desde o início, é alterada, leis benéficas são revogadas para dar lugar a outras leis, muitas vezes prejudicais ao interesse da maior parte das pessoas, privilegiando apenas os apoiadores do golpe autoritário. Políticas públicas são canceladas, investimentos sociais são cortados. Tudo isso gera efeitos sobre os valores sociais que serão vivenciados pelas pessoas, pelas gerações futuras, exatamente como aconteceu durante o regime militar, onde vidas foram diretamente afetadas pelos valores que foram difundidos.

Nós sabemos, e temos que ter plena consciência disso, que os que hoje aderem irracionalmente ao movimento golpista em pleno curso lançarão mão da violência, da intimidação para fazer valer os seus interesses. Nós também temos que estar preparados para esperar atos de repressão por Parte da Polícia militar em alguns estados, máxime naqueles onde os governos estaduais apoiam politicamente os interesses golpistas, como São Paulo e Paraná, de onde parte o núcleo duro do golpe, simbolizado pela Operação Lava Jato conduzida por um juiz de primeira instância arbitrário e politicamente instrumentalizado para derrubar o governo da presidenta Dilma Rousseff e prender o maior líder de esquerda da América Latina, Lula.

Apesar dessa reação golpista ser esperada, não há outra alternativa a não ser lutar pelo respeito à Constituição Federal, ao regime democrático e contra o autoritarismo, contra o desejo de se impor na base da força e da truculência. Não se pode permitir que a democracia seja mais uma vez derrotada pelo irracionalismo, pela truculência e pelo autoritarismo neste país.

Não desejo ou espero que ninguém seja heroi e enfrente, desarmado, as forças repressoras do Estado quando um eventual conflito com os manifestantes contrários ao golpe surgir. O que eu espero, sim, é que as pessoas não se permitam ao direito de se sentirem intimidadas por essa possibilidade, não se permitam ao direito de se acovardarem diante disso, pois não há como fazer frente ao golpe na base da omissão e da covardia.

Existe uma tentativa explícita de quebra da ordem democrática. O apelo à racionalidade não funcionará para muitas pessoas que apoiam a onda golpista. Elas estão cegas pelo ódio e pela intolerância fomentados pela grande imprensa ao longo de mais de 13 anos de governo do PT. Elas odeiam Lula, Dilma e tudo o que diga respeito ao PT. Elas não querem saber dos efeitos do que estão fazendo. Tais pessoas não possuem noção nenhuma sobre o que estão fazendo quando defendem o golpe e se comportam como fazem atualmente. Não passa pela cabeça delas coisas como respeitar a Constituição Federal, as leis, a democracia.

Algumas pessoas, quando percebem o tipo de quadro para o qual estamos nos dirigindo, ainda conseguem parar e refletir sobre tudo isso. Essas pessoas talvez consigam mudar de ideia e enxergar que o golpe não é certo. A maioria não vai fazer isso, não vai conseguir construir esse tipo de pensamento racional e tolerante, civilizado, o que não significa abdicar de suas preferências políticas, mas apenas respeitar as regras do Estado Democrático de Direito. A maioria tentará impor seus interesses e desejos na base da força e passando por cima das leis e da Constituição Federal.

Diante de tudo isso, será sim necessário enfrentar o golpe, pressionar as instituições, se mobilizar, não permitir que os golpistas criem a falsa ideia de que são donos do país e são os legítimos representantes de um desejo que seria o mesmo da ampla maioria das pessoas. Isso é falso. Não é o desejo da ampla maioria das pessoas deste país concordar com um golpe de estado. Não temos outra alternativa senão defender a democracia e derrotar o golpe que está em pleno curso.

Por tudo isso, eu estarei nas ruas amanhã, na manifestação do dia 18 de março de 2016,   como muitas outras pessoas nos mais variados lugares deste país. Vou às ruas em defesa da democracia, pela legalidade, pelo cumprimento das normas constitucionais, pela defesa do Governo Dilma, contra o impeachment ilegal, sem base em provas de crimes de responsabilidade, e contra a prisão ilegal de Lula, que tem o direito de se defender dentro das regras do devido processo legal. O golpe em curso deve ser confrontado e derrotado.

1 comentário

Arquivado em Direito e Justiça, História, Política, Sociedade

Acusações contra Lula carecem de provas e contrariam a lógica esperada

As acusações da Força Tarefa da Lava Jato contra Lula se dividem basicamente em duas situações:
1 – As doações para o Instituto Lula são propinas pagas pelas construtoras investigadas no âmbito da Lava Jato pelos atos praticados por Lula enquanto presidente da república;
2 – Os pagamentos feitos pelas construtoras investigadas no âmbito da Lava Jato pelas palestras dadas por Lula são também propinas, na mesma linha anterior.
Basicamente são essas as duas grandes acusações. Lula teria recebido propina após o mandato em razão de sua atuação enquanto presidente da república que teria beneficiado as empresas investigadas no âmbito da Lava Jato. Essas empresas pagaram a ele propinas disfarçadas por doações para o Instituto Lula e pagamentos de palestras feitas por Lula.
No caso, Lula já disse tudo e esclareceu tudo o que poderia. Mas quando se parte do pressuposto de que doação de empreiteira investigada na Lava Lato é propina, aí não tem jeito. É ilegalidade, presunção de culpa, arbitrariedade etc. Mesmo que nada, além da doação em si, evidencie a acusação. Para provar que uma doação é propina é preciso mais do que a doação em si. Qualquer pessoa com dois neurônios é capaz de entender isso.
Algumas pessoas consideram, no mínimo, “estranho” o valor das doações feitas pelas construtoras investigadas na Lava Jato ao Instituto Lula. Não, não me parece nem de longe estranho. Lula é uma estrela da política internacional e é natural ter criado um Instituto que leva o seu nome para difundir suas ideias e seus projetos mundo afora. Mais ainda natural que empresas se interessem em doar para o Instituto. O dinheiro foi doado para uma pessoa jurídica e foi devidamente contabilizado, tanto que a Polícia Federal (PF) pôde chegar à cifra exata. É pouco mais de R$ 20 milhões.
Não se confunde o Instituto Lula com a pessoa de Lula. O dinheiro foi para a pessoa jurídica. Cabe analisar a contabilidade do Instituto e ver o que foi feito com o dinheiro. A mera doação não significa propina nenhuma. Uma doação é feita por diversos motivos e certamente as empresas doadoras tinham vários motivos, inclusive o de ver na doação uma espécie de investimento (alguma empresa pode ver na atuação do Instituto Lula algo do seu interesse empresarial), mas aí é algo que foge à alçada de Lula (ele não pode ser o responsável pelas motivações com que empresas fazem doações para o Instituto Lula).
O fato é que, como Lula já disse várias e várias vezes, o dinheiro foi para o Instituto e não para ele. Ele alega que não se beneficiou desses valores. Eles tiveram aplicações relacionadas às atividades desenvolvidas pelo Instituto Lula. Isso já foi explicado à Receita Federal do Brasil, ao Ministério Público Federal (MPF) e à Polícia Federal. Se a PF acha ou suspeita que o dinheiro das doações teve, indevidamente, como destinatários finais, Lula e seus parentes, que prove isso. Cabe ao Instituto comprovar o uso do dinheiro arrecadado com as doações. A coisa é bastante simples de entender.
Agora, o que não dá é tomar a doação, por si só, de forma isolada e sem outros fatos que amparem essa conclusão, como propina para Lula. Existe, por parte de muitas pessoas, uma verdadeira ignorância sobre a realidade jurídica da situação. As pessoas opinam sem conhecer o básico sobre a situação, sem diferenciar as coisas. Doar para uma pessoa jurídica é diferente de doar para uma pessoa física. Só se poderia entender as doações como propinas, se, concomitantemente, os recursos tivessem sido usados por Lula, o que não está provado, e se ficasse provado que foram feitas em razão da função pública de presidente da república (geralmente, se entende que é o ato de ofício praticado o que ensejou o pagamento das empresas, apesar de existir entendimento que considera não ser preciso provar o ato de ofício, interpretação com a qual eu não concordo). Nem uma coisa nem outra está provada.
E as provas têm que ser conclusivas, isto é, é preciso que fique comprovado que as doações foram usufruídas por Lula e que, ao mesmo tempo, elas tiveram como motivo uma retribuição a algum ato de ofício de Lula, enquanto presidente, que favoreceu as empresas (ninguém paga propina a troco de nada, caso contrário, isso seria doação, descaracterizando o crime de corrupção).
Mesma coisa as palestras dadas por Lula e pagas, dentre outras pessoas, pelas construtoras investigadas na Lava Jato . Eles vão dizer, arbitrariamente e sem nada que sustente isso, que os pagamentos feitos pelas palestras são “propina”. Não vai adiantar nada Lula provar que deu as palestras (aliás, um dos procuradores disse ontem que duvida disso, sem dizer o motivo pelo qual duvida, a não ser, claro, a imensa vontade de prender Lula e exibi-lo como troféu).
Os critérios da Lava Jato são tão arbitrários que explicar por que doações de campanha ao PT são propinas e as feitas ao PSDB não são, eles não conseguem. Mal conseguem explicar por que as empreiteiras doaram para o PSDB cifras tão altas quanto as que foram doadas ao PT. Será que apenas para o PT era exigido o ato de ofício? Qual o sentido disso? Uma empresa doar valores equiparáveis, sem exigir nada de um dos partidos, que nem está no poder, mas exigir do outro? Se não exigiu do primeiro, por que exigiu do segundo? Ou exigiu dos dois ou não exigiu de nenhum.
Por força do princípio constitucional da não culpabilidade ou da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal), não se pode presumir culpa de ninguém. Os fatos estão aí. A PF sabe o valor das doações feitas ao Instituto. Que investigue para onde o dinheiro foi e diga o que exatamente Lula fez em prol das construtoras que faz com que as doações sejam propinas. É assim que funciona num Estado Democrático de Direito. As acusações precisam ser sustentadas por provas conclusivas. Tem que dizer e provar que o dinheiro beneficiou Lula e que elas, as doações, foram retribuições ao que Lula fez pelas empresas enquanto presidente.
É a tese do MPF: pagamentos realizados após o mandato podem ainda ser considerados propinas, algo muito difícil de ser sustentado, porque se alguém saiu do poder, o natural é que ele não consiga fazer nada que beneficie as empreiteiras.
A tese é a de que as doações ao Instituto Lula e os pagamentos pelas palestras seriam propinas pelo que Lula fez enquanto presidente. É uma forçação de barra tão grande que querem que Lula responda como presidente mesmo quando os pagamentos foram praticados após o término do seu governo.
Por que uma empresa pagaria uma propina a alguém que está fora do governo, podendo pagar a quem atualmente se encontra no poder efetivamente governando, é algo sem sentido que a PF não explica como deveria. A PF descreve a situação como se propina fosse uma “obrigação” das empresas, isto é, as empresas deveriam “honrar” o pagamento de propinas acertadas anteriormente, mesmo quando se sabe que o “credor” da propina, numa situação dessa, não teria nem como exigir o pagamento pelas vias legais e sem se comprometer. A empresa poderia não pagar a propina que nada aconteceria com ela. Nem seria prejudicada, pois ela poderia corromper outras pessoas que estariam, na nova situação, no governo, sem que o ex-presidente nada pudesse fazer, afinal, corrupto pensa no dinheiro e, se tem gente pagando, ele faz o que é preciso para auferir a vantagem indevida. Diante da corrupção, o poder de quem não está mais no governo diminui consideravelmente. Nem denunciar a nova corrupção ele poderia direito fazer, pois terminariam fatalmente respingando nele as investigações.
Resumo da ópera: Claro que as empresas iriam preferir pagar aos integrantes do novo governo e não a alguém que saiu do governo. A tese da PF não faz qualquer sentido, mesmo que se alegue que Lula poderia influenciar o novo governo. Neste caso, o trabalho para provar será ainda maior do que quando ele era presidente. Enfim, é muita suposição e contrariedade à lógica normalmente esperada.

Deixe um comentário

Arquivado em Direito e Justiça, Política