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Afastamento de Renan da Presidência do Senado é analogia “in malam partem” e reforça estado de exceção

O afastamento do senador Renan Calheiros da Presidência do Senado Federal, por força de decisão liminar concedida pelo Ministro do STF, Marco Aurélio Mello, é consequência da aplicação da tese originalmente criada pelos juristas Luiz Flavio Gomes e Marlon Reis, em artigo publicado ano passado na Folha de São Paulo, e apenas tem o condão de reforçar o estado de exceção que atualmente vigora no Brasil, onde o Poder Judiciário cada vez mais assume a face de uma espécie de expressão judicial do que o filósofo inglês Thomas Hobbes chamou de Leviatã, o poder incontrolável, sem limites, a subjugar a tudo e a todos, única forma de implantar em definitivo a paz e a ordem, limando a pluralidade política que existe num regime democrático.

Lembro-me que, na época em que a tese dos juristas Luiz Flávio Gomes e Marlon Reis foi divulgada, cheguei a elogiá-la, numa análise perfunctória e sem maior reflexão, mas depois, com cuidado, vi que ela tem furos e eles são graves. A tese, toda ela baseada no § 1º, inciso I, do art. 86 da Constituição Federal, que diz que o Presidente da República ficará suspenso de suas funções nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal, estabelece uma espécie de analogia para os que estejam na ordem sucessória para ocupar a Presidência da República.

Em outras palavras, se o Presidente da República ficará suspenso de suas funções se se tornar Réu, o Presidente do Senado, por exemplo, por ser um dos que estão na linha sucessória do cargo de Presidente da República, também deve ser suspenso de suas funções enquanto Presidente do Senado quando se torna réu, sob pena de se admitir que um réu num processo criminal exerça livremente a Presidência da República, o que é vedado pelo art. 86, § 1º, inciso I, da Constituição Federal.

Em suma, a principal ideia que a tese veicula é a de que quem é réu num processo criminal que tramita perante o STF não pode ser Presidente da República. No entanto, a partir dessa premissa, a tese pretende ir além e termina extrapolando o texto constitucional quando estabelece que os detentores de cargos que estão na ordem sucessória para assumir a Presidência da República também devem ser afastados de seus cargos quando se tornam réus em processos criminais perante o STF.

O problema da tese começa logo quando a Constituição Federal não diz que o Presidente do Senado, quando se torna réu num processo criminal, deve ser suspenso de suas funções. Isso é reservado ao Presidente da República. A analogia mais próxima que se poderia construir, a partir de tais premissas, seria impedir que o Presidente do Senado pudesse, de fato, assumir as funções inerentes ao cargo de Presidente da República quando surgisse a oportunidade, sem que isso implicasse suspensão das funções de Presidente do Senado.

No entanto, a tese construída por Luiz Flávio Gomes e Marlon Reis avança essa etapa e atinge o próprio direito de exercer as funções de Presidente do Senado, quando isso, analisando agora com mais cuidado, me parece uma clara extrapolação do que pretendeu a Constituição Federal.

Existe uma máxima hermenêutica que diz que é vedado ao intérprete dizer o que a lei não disse. Se o silêncio da norma jurídica é eloquente, como é o caso da Constituição Federal quanto à suspensão do Presidente do Senado de suas funções a partir do momento que se torna réu num processo criminal, não cabe ao intérprete preenchê-lo, nem mesmo sob a alegação de que, por ser um dos que estão na ordem sucessória da Presidência da República, não pode se permitir que ele ocupe a Presidência do Senado.

Ora, o impedimento somente surge quando, de fato, ocorre a vacância do cargo de Presidente da República, de modo tal que o Presidente do Senado seja compelido a assumir as funções. Enquanto não surgir a necessidade dele ocupar o cargo de Presidente da República, creio não ser correto suspendê-lo da função de Presidente do Senado. Não poder exercer as funções de Presidente da República nem de longe significa a mesma coisa que não poder exercer as funções de Presidente do Senado.

Penso até mesmo que a analogia criada pelo Supremo Tribunal Federal ofende um dos princípios mais básicos da ciência penal, que é a vedação da analogia in malam partem, que nos informa que é proibido lançar mão de uma analogia em prejuízo do réu.

No caso, apesar da ginástica argumentativa que é feita, o que se tem efetivamente é uma analogia direta entre as situações do Presidente da República e do Presidente do Senado, isto é, da mesma forma que o primeiro é suspenso de suas funções quando se torna réu num processo criminal, o segundo também deve ser suspenso quando a mesma situação for observada. A analogia in malam partem é muito evidente, pois se aplica uma norma especificamente criada para uma situação em outra situação distinta, em franco prejuízo dos direitos do réu que sofre a sanção não prevista para a sua situação. A tese anacrônica, que foi encampada pelo STF não apenas no caso do afastamento do Senador Renan Calheiros da Presidência do Senado, mas também no caso do Deputado Federal Eduardo Cunha, afastado da Presidência da Câmara dos Deputados pelos mesmos argumentos, apenas reforça a sensação geral de que vivemos hoje no Brasil um verdadeiro estado de exceção.

Vivemos tempos obscurantistas no Brasil, onde o Judiciário saiu do protagonismo assentado no que se convencionou chamar de “ativismo judicial”, que teria os seus aspectos positivos, para debandar de vez para a ilegitimidade da intervenção inconstitucional sobre os outros poderes. Vivemos no país uma autêntica rebelião dos juízes e de órgãos como o Ministério Público Federal e a Polícia Federal, que fizeram um pacto para tomar de assalto o poder, passando por cima da soberania popular, sendo a maior expressão desse movimento ilegítimo a Operação Lava Jato, onde o juiz federal Sérgio Moro se destaca como o principal protagonista, ao lado de procuradores da república como Deltan Dallagnol e outros, além de delegados da Polícia Federal.

A mais grave marcha golpista ocorrida até aqui foi a que aconteceu no último domingo, 04/12/2016. Ela escancara de vez os desígnios autoritários da Lava Jato e de seus apoiadores. Ela é o início da luta final para a implantação da ditadura midiática-judicial no Brasil em seu viés autoritário e opressor. Ela é o acirramento definitivo da luta política pelo poder que acontece em Curitiba entre o Lulismo e o fascismo golpista da Lava Jato e de grupos como o MBL.

Esse é o mais fundamental confronto político em toda essa história, o ápice do golpe que estão tentando passar. O apoio da Rede Globo às marchas não surge por acaso. É o pacto já firmado com a Lava Jato para deter em definitivo Lula e o PT.

A derrubada da presidenta eleita Dilma Rousseff foi apenas uma etapa do plano. A principal etapa começou na prática agora. Ou as forças progressistas reagem de uma vez por todas ou sofreremos um golpe que será sem precedentes, o mais difícil e cruel de todos, o golpe dado pelo Judiciário com o apoio da grande imprensa.

A Lava Jato tem o partido dela. Sim, eles criaram o próprio partido, com ideologia própria. A Globo se aliou. O golpe é a Lava Jato e a Lava Jato é o verdadeiro e grande golpe na democracia, na soberania, na independência e na autonomia brasileiras. Ou paramos a ideologia pseudo-apolítica catastrófica, que na verdade é a sabotagem do regime político tradicional da tri-repartição de funções, e extremamente reacionária da Lava Jato, ou seremos governados por uma junta de burocratas egressos do Judiciário sem respaldo ou legitimação popular, apoiada pela grande imprensa.

Com esse tipo de poder, capaz de neutralizar a tudo e a todos, as coisas ficarão incontroláveis. A posição política assumida pela Lava Jato de ser contra a lei de abuso de autoridade é apenas demonstração inequívoca disso. Eles querem acabar com a “velha política” e colocar no comando das coisas pessoas como Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e que tais.

A Lava Jato é o melhor exemplo encontrado na atuação do Poder Judiciário brasileiro de uma espécie de expressão judicial do que Thomas Hobbes chamava de Leviatã, o poder incontrolável, sem limites, a subjugar a tudo e a todos, única forma de implantar em definitivo a paz e a ordem, limando a pluralidade política que existe num regime democrático. É isso o que a Lava Jato significa ideologicamente com a sua bandeira de criminalização da política. A Lava Jato e tudo o que nela existe de arbitrário, antidemocrático, antipopular, antinacional e inconstitucional são o inimigo a ser combatido por todos os que hoje ainda têm algum apreço pela democracia neste país. A decisão do STF que afastou o senador Renan Calheiros da Presidência do Senado Federal é apenas mais um capítulo do surgimento do Leviatã, em sua expressão judicial, no atual cenário brasileiro.

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Arquivado em Direito e Justiça, Política