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Princípios da segurança jurídica e da isonomia, por si sós, afastam a possibilidade de impeachment por “pedaladas fiscais”

Sem precisar usar argumentos que impugnam o mérito da improcedente alegação de que “pedaladas fiscais”, em quaisquer de suas modalidades (e existem vários atos administrativos diferentes que são classificados genericamente como “pedaladas fiscais”), são “crimes de responsabilidade”, somente um argumento é suficiente para enxergar a injustiça da tentativa de aplicar a pena de impeachment a Dilma Rousseff por causa das tais “pedaladas fiscais”: vários presidentes da república antes dela praticaram pedaladas fiscais sem que o TCU ou qualquer outro órgão ou pessoa, física ou jurídica, tivesse tentado abrir um processo de impeachment em razão disso.

Portanto, era perfeitamente legítimo que o Governo Dilma, diante deste histórico de tolerância para com as “pedaladas fiscais”, se sentisse seguro juridicamente para praticar os mesmos atos, exatamente como os governos anteriores praticaram.

Em Direito, existe um princípio de fundamental importância chamado segurança jurídica. Um dos seus aspectos é justamente a possibilidade do governo e das pessoas em geral saberem previamente o que podem ou não fazer diante da legislação em vigor e como ela é interpretada pelos órgãos que têm o dever funcional de dizer o direito, a exemplo do TCU, dentro das suas atribuições e competências.

Ora, se o TCU, em épocas pretéritas, se deparou em inúmeras ocasiões com as mesmas “pedaladas fiscais” e nunca viu nada demais nelas, não é justo que o novo entendimento de que elas configuram supostos “crimes de responsabilidade” passe a ser aplicado justamente sobre os atos praticados pelo atual governo.

No mínimo, é exigível que seja dado ao governo atual a chance de se ajustar a este novo entendimento, a bem da segurança jurídica. Em outras palavras, ainda que consideremos que “pedaladas fiscais” são, de fato, crimes de responsabilidade capazes de ensejar a aplicação da pena de impeachment, esse entendimento somente pode ser aplicado a partir do momento que surgiu e não de forma retroativa. Em Direito, é a diferença que existe entre efeitos “ex nunc” da decisão (dali em diante) e efeitos “ex tunc” da decisão (retroagem até a data em que o ato impugnado foi praticado).

A Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, traz em seu bojo um dispositivo que trata justamente da aplicação do princípio da segurança jurídica no âmbito administrativo, senão vejamos:

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

(…)

XIII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.

Como se observa facilmente lendo-se o inciso XIII do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 9.784/1999, o TCU viola esse dispositivo quando pretende aplicar o novo entendimento de que “pedaladas fiscais” configuram espécies de crimes de responsabilidade para amparar a aplicação da pena de impeachment a Dilma Rousseff.

Antes que digam que a referida Lei nº 9.784/1999 não teria aplicação no âmbito dos processos abertos perante o TCU, este entendimento deve ser de plano afastado, haja vista que não só os processos que tramitam no TCU têm notória natureza jurídica administrativa, mas principalmente deve ser considerado que o princípio da segurança jurídica é um princípio universal do Direito, o qual, nesta condição, deve ser aplicado em todos os âmbitos, sem qualquer ressalva. De resto, os atos praticados por Dilma Rousseff surgem e se desenvolvem no âmbito administrativo do governo, é claro, ainda que as normas supostamente violadas estejam inseridas em leis como a de responsabilidade fiscal ou lei orçamentária anual (a natureza jurídica de tais normais pode sim ser classificada como tendo um núcleo administrativo, ainda que tratem de Direito Financeiro).

Um entendimento novo, antes inexistente, não pode retroagir em prejuízo do interesse público e muito menos para amparar um impeachment da forma que a oposição pretende aplicar contra Dilma Rousseff, sob pena de violação direta de outro princípio que tem foro constitucional, qual seja, o princípio da isonomia, pois Dilma Rousseff estará sendo tratada de forma invalidamente discriminatória ao ser a única punida por algo que, sob a vigência de normas exatamente iguais, outros presidentes da república, além de governadores de Estado, praticaram e ainda praticam sem sofrer qualquer punição equivalente.

Em suma, os princípios da isonomia e da segurança jurídica, por si sós, afastam a possibilidade de impeachment por “pedaladas fiscais”, neste caso.

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O golpe em curso deve ser confrontado e derrotado

O momento exige determinação, coragem e consciência do que deve ser feito para o bem da preservação da democracia em nosso país. Não podemos aceitar o recrudescimento do autoritarismo de outros tempos, que nos levou a vinte e um anos de ditadura militar, com prejuízos para os mais variados setores da sociedade brasileira. Se antes os idealizadores do golpe tiveram o apoio da imprensa e das forças militares, hoje, os idealizadores têm o apoio da mesma grande imprensa e de setores do Poder Judiciário, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, com a séria possibilidade das forças de segurança, especialmente das Polícias Militares, passarem a atuar como linha auxiliar do golpe, sufocando a resistência democrática. Quero falar sobre isso mais adiante.

Momentos como o que atravessamos definem o tipo de Estado e sociedade que teremos no futuro. A Constituição, desrespeitada pelos golpistas desde o início, é alterada, leis benéficas são revogadas para dar lugar a outras leis, muitas vezes prejudicais ao interesse da maior parte das pessoas, privilegiando apenas os apoiadores do golpe autoritário. Políticas públicas são canceladas, investimentos sociais são cortados. Tudo isso gera efeitos sobre os valores sociais que serão vivenciados pelas pessoas, pelas gerações futuras, exatamente como aconteceu durante o regime militar, onde vidas foram diretamente afetadas pelos valores que foram difundidos.

Nós sabemos, e temos que ter plena consciência disso, que os que hoje aderem irracionalmente ao movimento golpista em pleno curso lançarão mão da violência, da intimidação para fazer valer os seus interesses. Nós também temos que estar preparados para esperar atos de repressão por Parte da Polícia militar em alguns estados, máxime naqueles onde os governos estaduais apoiam politicamente os interesses golpistas, como São Paulo e Paraná, de onde parte o núcleo duro do golpe, simbolizado pela Operação Lava Jato conduzida por um juiz de primeira instância arbitrário e politicamente instrumentalizado para derrubar o governo da presidenta Dilma Rousseff e prender o maior líder de esquerda da América Latina, Lula.

Apesar dessa reação golpista ser esperada, não há outra alternativa a não ser lutar pelo respeito à Constituição Federal, ao regime democrático e contra o autoritarismo, contra o desejo de se impor na base da força e da truculência. Não se pode permitir que a democracia seja mais uma vez derrotada pelo irracionalismo, pela truculência e pelo autoritarismo neste país.

Não desejo ou espero que ninguém seja heroi e enfrente, desarmado, as forças repressoras do Estado quando um eventual conflito com os manifestantes contrários ao golpe surgir. O que eu espero, sim, é que as pessoas não se permitam ao direito de se sentirem intimidadas por essa possibilidade, não se permitam ao direito de se acovardarem diante disso, pois não há como fazer frente ao golpe na base da omissão e da covardia.

Existe uma tentativa explícita de quebra da ordem democrática. O apelo à racionalidade não funcionará para muitas pessoas que apoiam a onda golpista. Elas estão cegas pelo ódio e pela intolerância fomentados pela grande imprensa ao longo de mais de 13 anos de governo do PT. Elas odeiam Lula, Dilma e tudo o que diga respeito ao PT. Elas não querem saber dos efeitos do que estão fazendo. Tais pessoas não possuem noção nenhuma sobre o que estão fazendo quando defendem o golpe e se comportam como fazem atualmente. Não passa pela cabeça delas coisas como respeitar a Constituição Federal, as leis, a democracia.

Algumas pessoas, quando percebem o tipo de quadro para o qual estamos nos dirigindo, ainda conseguem parar e refletir sobre tudo isso. Essas pessoas talvez consigam mudar de ideia e enxergar que o golpe não é certo. A maioria não vai fazer isso, não vai conseguir construir esse tipo de pensamento racional e tolerante, civilizado, o que não significa abdicar de suas preferências políticas, mas apenas respeitar as regras do Estado Democrático de Direito. A maioria tentará impor seus interesses e desejos na base da força e passando por cima das leis e da Constituição Federal.

Diante de tudo isso, será sim necessário enfrentar o golpe, pressionar as instituições, se mobilizar, não permitir que os golpistas criem a falsa ideia de que são donos do país e são os legítimos representantes de um desejo que seria o mesmo da ampla maioria das pessoas. Isso é falso. Não é o desejo da ampla maioria das pessoas deste país concordar com um golpe de estado. Não temos outra alternativa senão defender a democracia e derrotar o golpe que está em pleno curso.

Por tudo isso, eu estarei nas ruas amanhã, na manifestação do dia 18 de março de 2016,   como muitas outras pessoas nos mais variados lugares deste país. Vou às ruas em defesa da democracia, pela legalidade, pelo cumprimento das normas constitucionais, pela defesa do Governo Dilma, contra o impeachment ilegal, sem base em provas de crimes de responsabilidade, e contra a prisão ilegal de Lula, que tem o direito de se defender dentro das regras do devido processo legal. O golpe em curso deve ser confrontado e derrotado.

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Eleitores de Dilma em vias de terem o voto cassado pela oposição

O pedido de impeachment assinado por Hélio Bicudo foi protocolado hoje na Câmara dos Deputados, entregue diretamente ao presidente Eduardo Cunha, quase onze meses depois do segundo turno das eleições de 2014. O que assusta e causa uma certa revolta é a apatia da maior parte dos eleitores que votaram em Dilma. O golpe sendo dado na maior cara de pau e a maior parte das pessoas que votaram em Dilma passiva, assistindo a tudo, como se fosse normal tudo isso. Tudo o que vinha sendo feito em termos de políticas públicas, todos os projetos governamentais dos ministérios, enfim, toda a linha que vinha sendo seguida corre o risco de virar um nada.

Qual a legitimidade disso, sem o endosso das urnas? E com base em quê, exatamente? Qual o crime de responsabilidade que cometeu Dilma Rousseff? Pedaladas fiscais? Uma coisa que todos os governos fizeram antes dela? Sequer um ato de Dilma praticado no mandato anterior pode legitimar o impeachment. É preciso que seja um ato deste mandato, iniciado em 2015. É preciso pressionar o Congresso Nacional para não embarcar nessa aventura golpista.

Na Câmara dos Deputados, eu tenho poucas dúvidas de que será aprovado o relatório do impeachment. No Senado Federal, no julgamento do pedido propriamente dito, aí eu acredito que Dilma tem mais chances de se manter no poder. O problema é que ela será afastada do poder já com a aprovação do pedido perante a Câmara dos Deputados. E com ela fora do poder, as coisas tendem a se acomodar numa direção, a do afastamento definitivo. Com ela afastada do poder, a tendência é vir uma caça às bruxas sem precedentes contra os partidos de esquerda, principalmente o PT, e principalmente Lula. Os movimentos sociais também sofrerão represálias, para o regozijo dos paneleiros golpistas. Esse é o cenário que se avizinha.

Exige-se dos eleitores que votaram em Dilma de forma consciente que se coloquem firmes contra essa iniciativa golpista. Os votos de vocês estão sendo flagrantemente cassados de forma anti-democrática, autoritária, passando por cima da soberania popular. Essa é a verdade. Não existe qualquer motivo válido para pedir o impeachment de Dilma Rousseff. O que existe é a não aceitação da derrota nas eleição de 2014 e a tomada do poder a pulso pelos golpistas da oposição e a escumalha paneleira que a apoia.

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