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O argumento que Jean Wyllys não soube desenvolver sobre a existência de Israel

 

A questão palestina-israelense é, de fato, complexa. Jean Wyllys tem razão quando fala isso. No que ele está errado é usar essa complexidade para eximir Israel das críticas que devem ser feitas pelas atrocidades que o país pratica, pois existe um excesso de força na defesa do Estado Judeu de seus interesses. No entanto, algo milita em favor de Jean Wyllys quando ele fala da “complexidade” do conflito, apesar dele não ter sabido desenvolver o argumento, até porque mostrou não ser próximo ao assunto.

Os judeus não criaram Israel por acaso. Eles sempre foram vítimas históricas, isso é inegável. Com o Holocausto, mais ainda isso ficou comprovado. Eles ganharam o reforço moral de que necessitava o sionismo. Permitir a criação de Israel foi até uma forma de compensar isso, séculos de opressão. Isso jamais pode ser desconsiderado. Eles estão certos quando têm isso em mente. Isiah Berlin, filósofo e historiador da ideias letão de origem judaica radicado na Inglaterra (chegou a ser reitor de Oxford durante muito tempo), que era amigo dos fundadores de Israel, como Chaim Weizmann (primeiro presidente do país), disse certa feita que os judeus, mais do que ninguém, sabem que, no frigir dos ovos, somente poderão contar com eles mesmos. Essa percepção, que não surge por acaso, é muito forte na cultura judaica e se fortaleceu a partir do Holocausto. Eu respeito isso na cultura judaica, me identifico com esse sentimento.

A pergunta é: como você vai dialogar com uma sociedade que nasceu dentro desse “espírito” e que até hoje reverbera isso na formação de suas gerações de cidadãos, ao ponto de convencê-los a voltar a viver sob uma situação que em muito os faz lembrar da época em que não tinham uma nação, seja a partir do fim de Israel, seja a partir do momento em que eles voltem a ser minoria num país que se crie integrando os palestinos ao Israel de hoje? Ou, de outro lado, como você vai convencer os israelenses a baixar a guarda contra um povo com quem eles estão tecnicamente em estado de guerra latente há décadas, como os palestinos e os países árabes de uma forma geral?

Não foi por outro motivo que Michel Gherman, professor da UERJ, um dos intelectuais judeus que falaram em defesa de Jean Wyllys durante a polêmica que se estabeleceu na página do deputado, citou a questão da existência de Israel como algo que diz respeito à sua “sobrevivência”. Confiar que uma ameaça real à sua sobrevivência não acontecerá como antes não é algo tão fácil assim, analisando a história dos judeus, um povo com muita história, mas com pouca ou nenhuma geografia, ao contrário dos eslavos, povo com muita geografia, mas com uma história não à altura, como escreveu Berlin num ensaio enaltecedor sobre Israel.

Foi a ingenuidade judaica, especificamente a ingenuidade política de nunca terem tido um país só para eles administrarem, com autonomia, independência e soberania, assim como o ato de confiar nos outros que comandavam as nações nas quais eles tentavam, a duras penas, se integrar, o sentimento de achar que seus perseguidores não chegariam a tanto, um dos inequívocos fatores que contribuíram e muito para fazê-los vítimas no Holocausto. Hannah Arendt fala um pouco sobre isso em “Origens do Totalitarismo”.

Essa lição eles aprenderam e não é tão fácil assim se livrar disso, seguir em frente de uma forma segura, de um modo convicto de que o que aconteceu nunca mais acontecerá. Israel foi criado para romper com todo esse risco e essa insegurança. Eles já discutiram isso entre si ad nauseam. Israel é a melhor resposta que eles encontraram para esse problema e a determinação com que eles se lançam em defesa de Israel tem muitas relações com tudo isso. Portanto, Jean Wyllys tem razão quando fala da complexidade do problema, apesar de não saber direito do que está falando quando faz esse tipo de afirmação.

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