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O “amor” como obra de arte

Eis um tema fascinante, os relacionamentos “amorosos”. Eu uso “amor” sempre entre aspas porque é uma palavra que tem tantos significados diferentes que eu nunca consigo entender o que a ideia significa com exatidão. Eu li uma vez um livro excelente da escritora paulista Marina Colasanti, chamado “Esse Amor de Todos Nós” (Link para o livro: http://www.travessa.com.br/…/04886862-b271-4d71-9585-9214ac…). Era uma série de transcrições, referências obtidas nas mais diversas fontes (matérias de jornal, pesquisas científicas etc), passagens literárias sobre o significado do que as pessoas chamam de “amor”. Incrível a variedade de como esse sentimento se manifesta. O livro é brilhante neste aspecto, o de mostrar o quanto o “amor” tem muitos sentidos e significados. Ninguém “ama” da mesma forma. Não há regras, definitivamente. Que ele existe, existe. Mas não é algo que se possa dizer exatamente o que é.

Eu acho o “amor” dos poetas que fazem jus ao epíteto uma coisa muito nobre. Para mim tem muito a ver com despreendimento da realidade imediata. Goethe, o poeta alemão (os alemães usam “poeta” para se referir aos escritores em geral), escreveu um livro muito famoso sobre isso, “Os Sofrimentos do Jovem Werther” (1774). A estória do cara que amava tanto uma mulher que sucumbiu a esse sentimento. Tem a ver com uma certa noção muito arraigada da existência. Parece ser uma coisa transcendental, o que não é contraditório, pois quem “ama” assim considera o transcendental integrante da sua “realidade” (na verdade, eu acredito que passa a ser a única “realidade” que importa).

Nessa linha, se a arte pode ser conceituada como uma forma de fugir das amarras da realidade convencional ou de como ela se nos apresenta, o “amor” seria uma obra de arte. O sentido que damos a essa obra de arte vai depender e variar, caso a caso.

No livro da Colasanti que eu citei acima, tem uma passagem que trata de uma pesquisa científica sobre o comportamento de uma espécie de pássaros que eu nunca esqueci (li esse livro há 15 anos, em 2001). O casal de pássaros, quando se “enamoravam”, fazia tudo junto, absolutamente tudo. Não se desgrudava um segundo sequer. Quando um deles falecia, o outro ficava o resto da vida procurando por ele. Nunca mais aceitava outro parceiro, seja o macho ou a fêmea. Quando via um outro pássaro parecido com o parceiro, se aproximava, mas quando percebia que não era o mesmo, voava aos “prantos”, cantando descontroladamente, como se estivesse se lamentando. Era um “amor” único, para o resto da vida. Lembro de que quando li essa passagem do livro, tive a nítida impressão de que o “amor” é o mais instintivo dos sentimentos. Ele não faz parte da nossa parte “racional”. É algo bem básico. Creio existir uma explicação biológico-genética para isso.

O racionalismo desenvolvido pelo mundo ocidental acabou com tudo isso. Não existe muito espaço para esse tipo de sentimento na sociedade contemporânea. Quem quiser vivenciar isso tem que estar disposto a ser um Werther da vida. Eu acho que os seres humanos, quando passaram a desenvolver a razão tanto quanto possível, abdicaram disso porque o “amor” verdadeiro é quase suicida. É uma coisa que contraria os padrões que criamos para nós mesmos enquanto espécie. Talvez isso também explique a diversidade de sentidos e significados do “amor” na ótica humana. Tentamos adaptar o que sobrou da ideia. Eu acredito nisso.

Uma das mais famosas histórias de “amor” dos EUA é uma história de uma californiana descendente de família nobre espanhola que se apaixonou (não uso aspas para isso, porque a paixão é mais fácil de entender) por um diplomata e explorador russo. A família, que dominava a Califórnia naqueles idos (início do século XIX), era contra o relacionamento (ela tinha apenas 15 anos de idade). Mas eles estavam perdidamente apaixonados. Ele teve que voltar para a Rússia e terminou morrendo num naufrágio. Ela só soube disso muitos anos depois. Nunca mais se casou e se tornou freira. Creio que Alfred Hitchcock, o cineasta inglês, tocou en passant nessa história em “Vertigo” (no Brasil, “Um Corpo que Cai”). No mínimo, inspirou-se na história em algumas passagens do filme. O nome da californiana era Concepción Argüello e sua história de “amor” com o russo é objeto de obras, peças e poemas americanos e russos. O nome do Russo era Nikolai Rezanov. O escritor e poeta americano Francis Bret Harte é autor talvez da mais famosa balada sobre a história de Concepción.

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