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Adicional de insalubridade e decadência administrativa

Tem um instituto em direito administrativo chamado decadência administrativa (decadência no sentido jurídico do termo, de decair do direito pelo decurso do prazo definido em lei para o exercício). Ele está previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal:

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.

2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.

Trocando em miúdos, significa basicamente que o direito da Administração Pública de rever os próprios atos ilegais, dos quais decorrem efeitos favoráveis, deixa de existir depois de cinco anos. Caso o ato administrativo praticado gere, por exemplo, obrigação de pagar um certo valor continuamente ao servidor público, conta-se o prazo do primeiro pagamento. Transcorrido o prazo quinquenal, o direito se incorpora à remuneração do servidor público e a Administração Pública não pode rever o ato que gerou o direito de receber o valor.

Alguns direitos que se implementam por meio de pagamento em espécie não se submetem a essa regra, a exemplo daqueles que dependem exclusivamente de situações fácticas concretas, como o ato de pagar horas extras, adicional noturno etc. Se não há horas extras, não há direito de recebê-las, mesmo que a Administração venha pagando indevidamente há mais de cinco anos. Do mesmo jeito o adicional noturno quando não há trabalho no horário previsto em lei.

Esse tipo de obrigação é o que a doutrina chama de propter laborem ou pro labore faciendo, pois surge do ato de trabalhar propriamente dito. Esses direitos não seriam incorporáveis à remuneração, pois dependem exclusivamente de uma situação fáctica concreta.

No entanto, eu discordo do entendimento de que o adicional de insalubridade se enquadra nessa categoria de obrigações da Administração Pública. Discordo porque, no caso, a situação fáctica concreta depende de um ato formalmente jurídico editado previamente, qual seja, o laudo médico que considere o local de trabalho insalubre.

O adicional de insalubridade nasce do fato do servidor trabalhar em local insalubre que foi assim reconhecido por um laudo geralmente assinado por médico especializado em medicina do trabalho. Então são duas situações, uma de natureza formalmente jurídica e outra de natureza exclusivamente fáctica: primeiro, tem que existir um laudo que diga que o local do trabalho é insalubre (condição jurídica formal para o exercício do direito) e, segundo, o servidor precisa ser lotado nesse local insalubre (condição exclusivamente fáctica para o exercício do direito).

Agora, digamos que um determinado servidor receba adicional de insalubridade por mais de cinco anos porque é lotado num local que foi formalmente considerado insalubre por meio de um laudo assinado pelo médico do trabalho competente.

Pode esse direito deixar de ser pago, depois de cinco anos do primeiro pagamento, apenas porque, por meio de um novo laudo, o local não foi mais considerado insalubre pela Administração?

Eu entendo que não. Isso porque eu diferencio o ato administrativo que confeccionou o laudo do ato administrativo que realiza o pagamento do direito (efeito patrimonial contínuo do laudo).

Os que entendem que o novo laudo corta o direito ao recebimento do adicional de insalubridade confundem causa e efeito. Não se pode considerar o adicional de insalubridade um direito que nasce exclusivamente do fato de se trabalhar num local insalubre. Existe o laudo que diz isso. O novo laudo só pode gerar efeitos dali em diante ou apenas para os que receberam o direito por um período de tempo anterior a cinco anos.

Eu considero esse caso equivalente ao de uma aposentadoria por tempo de contribuição equivocadamente concedida, no que diz respeito ao suporte fáctico da norma jurídica. A aposentadoria por tempo de contribuição depende que se constate que o servidor contribuiu por um tempo mínimo previsto em lei (situação fáctica prevista na norma jurídica que gera o direito).

Se existe um ato administrativo que incorretamente considera preenchido esse requisito factual e concede a aposentadoria, se, passados mais de cinco anos do pagamento da aposentadoria, o erro for constatado, não há mais como revê-lo com a finalidade de cancelar a aposentadoria. Já era, o direito da Administração foi extinto pela decadência administrativa.

Da mesma forma, se existe um laudo (ato administrativo) que diz que tal local é insalubre e, depois de cinco anos que o servidor lotado naquele local recebe o adicional, vem outro laudo e diz o contrário, não há mais como cancelar o pagamento. A Administração, em relação aos servidores que receberam o direito por mais de cinco anos, não tem mais como deixar de pagar, mesmo que considere que o local onde eles trabalham não é insalubre. Para os servidores que recebiam o direito por mais de cinco anos, valerá o primeiro laudo e não o segundo.

Qual a diferença em relação ao caso das horas extras? É que o direito de receber horas extras nasce exclusivamente do fato de efetivamente ter laborado horas extras. O ato administrativo que paga as horas extras não depende de nenhum ato administrativo anterior, diferentemente do caso do adicional de insalubridade, que depende de um laudo que diga que o local de trabalho é insalubre, além do fato do servidor trabalhar naquele local.

Portanto, no caso do adicional de insalubridade, o que não pode ser revisto, depois de cinco anos do primeiro pagamento, é a conclusão do primeiro laudo que disse que o local era insalubre, ato do qual surge o direito ao recebimento do adicional de insalubridade por parte do servidor que trabalha no local que foi anteriormente considerado insalubre.

Formalmente, o primeiro laudo era nulo, contrário a lei. Essa contrariedade, depois de cinco anos, não pode ser revista de modo que o servidor que recebe o adicional, por trabalhar no local inicialmente considerado insalubre, perca o direito.

O segundo laudo que afastou a insalubridade somente gerará o efeito de cortar o pagamento do adicional para os novos casos de servidores que vierem a ser lotados naquele local de trabalho, agora considerado salubre, ou para os casos ainda não atingidos pela decadência administrativa. Enquanto o servidor que recebeu por mais de cinco anos o direito trabalhar no local que foi considerado insalubre pelo primeiro laudo, fará ele jus ao recebimento do adicional de insalubridade.

Essa é a tese que eu estou defendendo numa ação proposta contra o Poder Público Municipal num determinado caso concreto. Algumas decisões do STJ, que parecem ser majoritárias, contrariam essa tese. Mas elas não enfrentam o cerne dessa minha tese que diferencia o ato administrativo consistente no laudo do ato administrativo consistente no pagamento do direito que dele decorre.

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Arquivado em Direito e Justiça